No Largo da Carioca, o ambulante João Paulo Farias, de 33 anos, frita uma média de 100 hambúrgueres por dia. Uma rotina que começa às 7h e só termina por volta das 22h30. Além de preparar os sanduíches, João Paulo empurra a carrocinha desde a Central do Brasil, vai ao mercado, organiza os alimentos e atende os clientes. O trabalho puxado faz João Paulo duvidar de Eduardo Bolsonaro.
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Cogitado pelo pai e presidente Jair Bolsonaro para assumir a Embaixada do Brasil em Washington, nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro
alegou ter fritado hambúrguer no país estrangeiro como uma experiência que o capacitaria para o cargo
. Entre os chapeiros da vida real, que passam os dias na chapa quente, a declaração passou do ponto.
"Para mim, soou como um deboche. Quer dizer que minha experiência no Largo da Carioca também me qualificaria para ser embaixador? A realidade dele não é essa. Dá para ver que todos os filhos do presidente já nasceram políticos", criticou João Paulo, que toca a barraca JP Lanches desde que chegou de Nova Russas, no Ceará, em 2013.
Na declaração à imprensa, ontem, além de ter citado intercâmbio no exterior, o deputado federal disse ter sido chapeiro "no frio do Maine, cidade que faz divisa com o estado do Canadá". Para João Paulo, o brabo mesmo é fritar hambúrguer no verão carioca: "Quando está aquele sol de 40 graus, a temperatura perto da chapa passa dos 50".
Cliente da barraca JP Lanches, o guardador de carros Ruben Rangel Júnior, de 46 anos, também não digeriu bem a declaração de Eduardo Bolsonaro. "Isto está muito clichê, totalmente fake. Ele é uma das poucas pessoas no país que pode bater no peito e dizer: 'Não conheço a dor, a tristeza, a penúria e o sofrimento'".
O aposentado Joaquim Pereira, de 66 anos, que trabalha na barraca Marli Lanches, na Rua Graça Aranha, conhece. Ele conta que interrompeu os estudos aos 16 anos para ajudar a família a pagar o aluguel. Na rua, vende lanches desde 1988. "Estou ficando cansado. Acordo às 4h55 todos os dias. Às vezes, sento um pouco aqui na barraca e acabo cochilando. Mas não posso parar, a aposentadoria não é suficiente. Gostaria de ter feito faculdade de Artes Cênicas. Queria ter sido ator".
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Irmã de Joaquim, Marli Pereira, de 72 anos, o acompanha no serviço. Ela lamenta a falta de oportunidade do irmão para estudar. "Ele é muito inteligente, nunca repetiu o ano na escola. Poderia estar em situação melhor".
Para a chapeira Zenauba Araújo, de 46 anos, a vida no Centro do Rio também não é nada fácil. E vem piorando. Com o alto índice de desemprego, as barraquinhas se multiplicaram pela região, o que está reduzindo as vendas dia após dia. "Com isso, tive que aumentar a carga de trabalho". Sobre a declaração de Eduardo Bolsonaro, comentou: "Sempre vem alguém da alta dizer que teve emprego humilde em busca de simpatia".
Críticas
Embaixadores costumam ser escolhidos entre os ministros. Há previsão de que pessoas sem carreira diplomática possam assumir o posto, desde que sejam brasileiros, maiores de 35 anos, de reconhecido mérito e com relevantes serviços ao país.
O assunto gerou críticas de políticos, diplomatas e juristas. "O Brasil, mais uma vez, será motivo de chacota. Vergonha", postou o deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ). Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, a indicação configura nepotismo. Ele disse que a Constituição afasta a possibilidade de o presidente nomear o filho.
Jair Bolsonaro defendeu a escolha dizendo que o filho fala inglês e espanhol. E tem amizade com os filhos de Donald Trump, presidente dos EUA. "Não estou preocupado com crítica".
Senado dividido
Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, o senador Nelsinho Trad (PSD) defendeu o direito de indicação de Jair Bolsonaro. "Ele (Eduardo) tem as virtudes dele, que o fizeram e o credenciaram para poder ser cogitado a ocupar esse posto. Não vejo nenhuma aberração nesta história". O vice-presidente da comissão, Marcos do Val (Cidadania), é contra por considerar que o posto de embaixador precisa ser ocupado por alguém experiente.
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Para exercer o cargo diplomático, Eduardo Bolsonaro precisa passar por uma sabatina e votações na Comissão de Relações Exteriores do Senado e no plenário da Câmara. O filho do presidente ainda precisaria renunciar ao seu cargo de parlamentar.