O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, general Richard Nunes, afirmou, em entrevista ao jornal Estado de São Paulo nesta sexta-feira (14) que a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes foram mortos por milicianos que acreditavam que a política poderia atrapalhar seus planos de grilagem de terras na Zona Oeste do Rio.
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Segundo Richard Nunes, que assumiu a pasta em 27 de fevereiro, o crime contra Marielle Franco estava sendo planejado desde 2017, muito antes de o governo federal decidir decretar a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro. Ele também afirmou que os criminosos "superestimaram o papel que a vereadora poderia desempenhar" e eles "se deram conta da dimensão que tomou o crime por ter sido cometido na intervenção".
Questionado, o general explicou que os milicianos acreditavam que a vereadora poderia atuar fazendo "uma conscientização daquelas pessoas sobre a posse de terra" na baixada de Jacarepaguá, onde há "problemas graves de loteamento, de ocupação de terras" e onde a milícia "atua muito em cima da posse de terra e asim faz a exploração de todos os recursos".
A partir do momento em que "uma determinada liderança política, membro do legislativo, começa a questionar as relações que se estabelecem naquele comunidade, afeta os interesses daqueles grupos criminosos", afirmou Richard Nunes que ainda ressaltou "é nesse ponto que a gente precisa chegar, provar essa tese, que está muito sólida".
As declarações do secretário de Segurança Pública vem a tona no mesmo dia em que as mortes de Marielle e Anderson completam nove meses e no dia em que os agentes da Divisão de Homicídios da Polícia Civil cumpriram mais um mandato de busca e apreensão na manhã desta sexta-feira (14) como parte do trabalho de investigação e elucidação do caso.
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Desta vez, os policiais cumpriram seis mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao vereador da capital fluminense Marcello Siciliano (PHS). A polícia esteve na casa do vereador, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, e agentes, no seu gabinete na Câmara Municipal do Rio.
O parlamentar não foi encontrado em casa, mas sua mulher estava no apartamento de luxo e será conduzida à Cidade da Polícia, no Jacaré, Zona Norte, para prestar depoimentos. Foram apreendidos um tablet, um computador, documentos e arquivos de mídia como HD externo e CD na casa de Siciliano.
Em maio, uma testemunha apontou o vereador como um dos mandantes do crime . O homem que não teve sua identidade revelada, afirmou que tinha trabalhado para a milícia e procurou a polícia para prestar depoimento em troca de proteção policial. No depoimento ele disse ter presenciado reuniões do ex-PM, Orlando de Oliveira, preso desde outubro de 2017 por chefiar um grupos milicianos, com Siciliano.
Ele também deu detalhes à polícia sobre a insatisfação que a atuação parlamentar de Marielle causava ao vereador e à milícia, uma vez que ela apoiava projetos e ações sociais em regiões de interesse do grupo.
“Eu estava numa mesa a uma distância de pouco mais de um metro dos dois [Oliveira e Siciliano]. Eles estavam sentados numa mesa ao lado. O vereador falou alto: ‘tem que ver a situação da Marielle. A mulher está me atrapalhando’. Depois, bateu forte com a mão na mesa e gritou: ‘Marielle, piranha do [deputado estadual Marcelo] Freixo’. Depois, olhando para o ex-PM, disse: ‘precisamos resolver isso logo’”, contou a testemunha aos investigadores.
Ainda de acordo com a testemunha, que procurou a polícia pois temia ser morto em “queima de arquivo”, Orlando Oliveira era uma espécie de “capataz” de Siciliano. O vereador, em sua defesa, diz que sequer conhece o ex-PM.
A testemunha afirma, ainda, que o encontro acima descrito foi só uma das quatro ocasiões em que presenciou a dupla planejando o assassinato de Marielle. Ele também revelou aos investigadores nomes de quatro possíveis executores do crime, detalhando inclusive a forma como teria sido feita a clonagem da placa do veículo utilizado na noite do assassinato. Ele também contou que a vereadora vinha sendo seguida por um integrante do grupo, que traçou seus hábitos e itinerários.
“Ela [Marielle] peitava o miliciano e o vereador. Ela tinha bastante personalidade, peitava mesmo”, acrescentou antes de afirmar que a ordem para a morte da vereadora foi dada desde a cela em Bangu 9 onde está preso o ex-PM supostamente envolvido com o Siciliano.
Por fim, a testemunha também prestou esclarecimentos sobre a morte de Carlos Alexandre Pereira Maria, assassinado um mês após o crime que vitimou Marielle e Anderson . Carlos era funcionário do vereador Marcello Siciliano e, de acordo com o depoimento da testemunha, sua morte foi “queima de arquivo” – ele teria informações sobre o envolvimento do vereador no caso.
Siciliano, assim como outros vereadores do Rio, havia prestado depoimento aos investigadores dias antes do assassinato de Carlos Alexandre. O PM reformado Anderson Claudio da Silva, morto no dia 11 de abril, teria sido também assassinado pela milícia, pois, por sua vez, teria informações sobre a morte de Carlos Alexandre.
Nesta sexta-feira, o general Richard Nunes confirmou que "é provável que sim [alguns dos suspeitos estão mortos]", sem citar nomes, mas também disse que é "queima de arquivo é difícil de caracterizar. Mas porque são pessoas que vivem da prática de crimes com certa frequência estão mais sujeitos a esse tipo de desfecho."
Em sua defesa, na ocasião, Siciliano negou seu envolvimento no crime
e classificou as alegações como "factóides" e levantou dúvidas sobre a credibilidade desse depoimento. "Estou sendo massacrado nas redes sociais por algo que foi supostamente dito por uma pessoa que ninguém sabe a credibilidade que tem", disse o vereador.
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Siciliano também rebateu a versão apresentada pela testemunha ouvida pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil, segundo a qual a atuação de Marielle na Cidade de Deus teria incomodado o miliciano Orlando de Araújo e Siciliano. De acordo com o parlamentar do PHS, a comunidade da zona oeste não é seu reduto eleitoral, que se concentra nos bairros de Vargem Grande e Vargem Pequena.
O vereador se disse "chateado e perplexo" com a situação e disse acreditar que a acusação seja fruto de um incômodo provocado pela sua atuação política. "Peço que vocês me deem o direito de estar aqui, mais uma vez, quando isso for esclarecido", clamou Siciliano, que garantiu que ele e Marielle eram amigos – apesar de correligionários da vereadora terem contestado a existência dessa relação.
Operação da Polícia Civil para cumprir mandados começou ontem
Na véspera, na quinta-feira (13), os agentes já haviam visitado 15 endereços na capital carioca, em Nova Iguaçu (RJ), em Petrópolis (RJ), em Angra dos Reis (RJ) e também em Juiz de Fora (MG). Nesses locais, os agentes tentaram apreender materiais e localizar milicianos suspeitos da participação no assassinato.
Os oficiais, porém, tiveram problemas em realizar os trabalhos em vários locais. Em Angra dos Reis, os agentes chegaram a ficar encurralados por traficantes na comunidade do Frade, e precisaram da ajuda de policias militares e de um helicóptero para chegar ao destino. Enquanto isso, em Juiz de Fora, mais problemas. Como os policiais estavam em carros descaracterizado, PMs pararam a equipe para chegar quem eram os homens armados e porque eles estavam circulando na cidade.
Os mandados e os pedidos de prisão foram apresentados à Justiça no âmbito de um inquérito à parte do principal caso sobre a morte de Marielle e os nomes dos alvos não foram divulgados, exceção feita pela revelação do endereço conhecido do vereador Marcelo Siciliano. No entanto, de acordo com o delegado Giniton Lages, que está à frente das investigações principais, todos têm ligação com os assassinatos.
No fim do mês passado, o próprio secretário de Segurança Pública já havia confirmado que investigadores identificaram alguns dos participantes do crime , mas explicou, à época, que ninguém havia sido preso até aquele momento pois havia o temor de que, com a prisão de um dos envolvidos, outros poderiam fugir.
Agora, a ação policial deflagrada na manhã de ontem surge como esperança de avanços concretos nas investigações sobre a morte da vereadora do PSOL – que atravessaram momentos de turbulência até aqui. Conduzida pelas autoridades do Rio de Janeiro, a apuração do crime chegou a ser tocada em paralelo pela Polícia Federal, que viu supostas interferências internas no inquérito da Polícia Civil.
Polícia Federal abriu "investigação da investigação" para apurar inteferências
No último dia 30, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, chegou a afirmar que há uma "aliança satânica" no Rio de Janeiro que impede o esclarecimento dos crimes. “Eu tenho expectativa, torço e rezo para que isso se esclareça o mais rápido possível. Nós estamos preocupados em romper a aliança satânica que reúne esses poderes que colocam de joelhos o Rio de Janeiro”, disse Jungmann.
O general Richard Nunes, no entanto, nega que a Polícia Civil tenha sofrido qualquer influência externa e, inclusive, critica o espaço dado às declarações de um dos suspeitos, o miliciano Orlando Oliviera de Araújo, o Orlando da Curicica, que alegou que a polícia não tinha real interesse em esclarecer o caso.
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"O que há é muita especulação. Houve um movimento para tentar federalizar essa investigaçao totalmente desprovido de fundamento. Então foi um incômodo que não auxiliou em nada a investigação. Houve essa sugestão sob a suspeita de que a Polícia Civil não estaria fazendo um trabalho isento. Isso não tem fundamento. Temos de ter muito cuidado em não dar voz a criminoso que se encontram presos e colocam em xeque o processo de investigação. É um absurdo em uma nação democrática colocar em xeque uma investigação a partir do depoimento de um preso", afirmou o secretário de Segurança Pública.
O ministro da Segurança Pública, porém, afirmou, na ocasião do lançamento da "investigação da investigação" que acatou um pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a partir de dois depoimentos de testemunhos colhidos por procuradores federais. Apesar de não revalar a identidade das testemunhas, Jungmann deu detalhes sobre a abertura do inquérito por parte da Polícia Federal "por envolver indícios de coação no curso do processo, fraude processual, favorecimento pessoal, patrocínio infiel, exploração de prestígio, falsidade ideológica, fraudes e um eventual crime de corrupção".
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Reconhecida por sua atuação em defesa dos direitos humanos, Marielle Franco , por sua vez, se destacou ao denunciar abusos e crimes cometidos por policiais. Morta aos 38 anos de idade, a parlamentar nascida no Complexo da Maré atuava nas causas das mulheres, negros e lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros e foi a quinta vereadora com maior número de votos na última eleição e estava em seu primeiro mandato, após ter sido assessora do vereador Marcelo Freixo, também do PSOL e também conhecido por seu trabalho contra milicianos . Nessa semana, inclusive, completa-se dez anos do relatório da CPI das Milícias , liderada por Freixo, em 2008.