Gabinetes de deputados contrários à PEC do Voto Impresso , defendida abertamente pelo presidente Jair Bolsonaro , estão recebendo uma avalanche de telefonemas e e-mails com ameaças de bolsonaristas. O movimento se intensifica horas antes da votação do projeto, que, de acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deve ser votado em plenário nesta terça-feira.
Funcionários de escritórios de pelo menos cinco partidos (PT, PCdoB, PSB, PSOL e PV) relataram ao GLOBO que passaram a manhã e o início da tarde sendo pressionados com ofensas e intimidações por parte de apoiadores do presidente. Em alguns casos, as mensagens vinham com menções aos tanques que desfilaram pela Esplanada dos Ministérios nesta manhã.
Naquele momento, Bolsonaro recebia um comboio de blindados e outros veículos militares na rampa do Palácio do Planalto. O desfile fazia parte de uma solenidade anual, realizada no município de Formosa (GO), mas os tanques nunca antes haviam passado pelas ruas da capital federal, o que foi entendido por congressistas como uma pressão sobre a votação no Parlamento, que deve ter maioria contrária à PEC.
No gabinete de Alice Portugal (PCdoB-BA), dizem assessores, o telefone não para de tocar. Em uma das ligações, um homem disse que a deputada poderia "votar contra o voto impresso, mas os tanques já estão aí na rua", segundo relatos.
A bancada do PSOL redigiu um ofício à Polícia Federal com uma denúncia das ameaças que recebeu. A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) diz que seu número de celular particular foi compartilhado em grupos bolsonaristas, que passaram a lhe telefonar diretamente. A equipe de Talíria Petrone (PSOL-RJ) está coletando prints de mensagens recebidas em suas redes sociais. "E aí, bandida? Com medinho dos tanques? Sua hora vai chegar, sua bandida vagab**** inimiga do país", dizia uma das mensagens.
A deputada Tabata Amaral (sem partido-SP) disse que sua equipe também foi alvo dos ataques:
"Como se não bastasse a tentativa de intimidar a Câmara dos Deputados com um desfile militar na Esplanada, agora os apoiadores do presidente ameaçam diretamente os deputados por telefone. Temos recebido ligações e e-mails com agressões que ameaçam não apenas a minha integridade, mas também da minha equipe", declarou Tabata.
Líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ) a investigação das ameaças:
Você viu?
"É inacreditável que estejamos ouvindo relatos de parlamentares que estão sendo ameaçados de violência física por apoiadores bolsonaristas por conta de seus votos contra a PEC do voto impresso. Este tipo de comportamento é vergonhoso e inaceitável dentro de uma democracia. É fundamental que a Polícia Legislativa investigue estes crimes para que seus autores sejam punidos", disse ele.
Há também constrangimentos físicos. Em Porto Velho, o deputado Mauro Nazif (PSB-RO) foi cercado por um grupo de apoiadores de Bolsonaro em sua casa, na última segunda-feira, e coagido a dizer num microfone qual seria seu voto. Um carro de som estacionou em frente à sua residência e manifestantes cobraram aos berros seu posicionamento sobre o tema, mas o parlamentar não quis declarar como votaria. Um vídeo da ação foi gravado e publicado por bolsonaristas numa rede social.
A ação, segundo ele, fazia parte de uma carreata pela cidade com paradas na casa de deputados federais com residência em Porto Velho.
"O único que os recepcionou fui eu. Cobraram pelo voto favorável na Câmara. Eu disse que me manifestaria, voto sim ou não, apenas em plenário. Aí uns mais agitados começaram a gritar, cobrar e mantive posição. Ficaram mais exaltados ainda", disse Nazif.
Numa reunião da bancada da oposição da Câmara nesta manhã, deputados se queixaram da quantidade de telefonemas com cobranças. Integrantes da tropa de choque do presidente como Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF), autora da PEC, têm incentivado seus apoiadores a pressionar os parlamentares a votar a favor da proposta.
A proposta é cara ao bolsonarismo. Zambelli lançou no último domingo um site para mostrar um placar com a suposta intenção de votos na Câmara para a aprovação da PEC. Daniel Silveira (PSL-RJ) gastou R$ 21 mil de sua cota parlamentar para instalar outdoores na Baixada Fluminense — entre as placas, há menções à necessidade de um sistema eleitoral "transparente e seguro".
Kicis, por sua vez, usou dinheiro público para contratar uma empresa para gerenciar grupos do Telegram com desinformação sobre a urna eletrônica e ataques ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nesta manhã, ela publicou em seu canal oficial um novo chamado pela cobrança dos colegas.
Na segunda-feira, Bolsonaro reconheceu as chances de derrota da PEC na Câmara. Ele tem atacado a Justiça Eleitoral, e em especial ao ministro Luís Roberto Barroso, e feito acusações infundadas de fraude nas eleições. O presidente também já ameaçou não haver eleições em 2022, o que independe de sua vontade, caso o voto impresso não seja adotado.