A delegacia da Polícia Federal (PF) em Uberlândia (MG) quer ouvir, no mês que vem, ao menos seis pessoas envolvidas em investigação sobre uma publicação feita no Twitter durante a visita do Jair Bolsonaro , no início do mês à cidade.
A mensagem, enquadrada na Lei de Segurança Nacional (LSN) pela Polícia Militar (PM) do estado, dizia: “Gente, Bolsonaro em Udia (Uberlândia) amanhã… Alguém fecha virar herói nacional?”.
O autor dela, o estudante João Reginaldo Júnior, de 24 anos , foi preso em flagrante, no último dia 5, e colocado em liberdade provisória logo em seguida. Agora, ao menos seis pessoas além dele estão sendo investigadas no inquérito na PF.
A LSN tem sido utilizada pelas polícias para enquadrar críticos do governo Bolsonaro por publicações virtuais e manifestações em vias públicas, como ocorreu em Brasília, na quinta-feira, onde cinco pessoas foram presas após realizar um protesto diante do Palácio do Planalto.
No ato, Bolsonaro foi chamado de genocida em um cartaz, por causa das falhas de condução no combate à Covid-19.
No caso de Uberlândia, o delegado-chefe da PF Almir Clementino afirmou ao GLOBO que, no início da semana, a corporação intimou seis internautas que estariam ligados à publicação de João Reginaldo Júnior.
As convocações foram assinadas pelo delegado Laerte Gonçalves Vieira Neto para oitivas em abril. Ao menos três das pessoas intimadas já tinham sido identificadas anteriormente e procuradas pela PM mineira no dia da operação contra o estudante. Na ocasião, elas não foram encontradas.
O número de pessoas intimadas, de acordo com as informações oficiais da PF, diverge da versão sustentada por um grupo de advogados e ativistas que se mobilizou para providenciar a defesa dos investigados.
De acordo com eles, cerca de 25 pessoas teriam relatado o recebimento da comunicação oficial da PF para depor. Entre os destinatários, estariam militantes do Partido dos Trabalhadores (PT) na cidade que comentaram ou compartilharam a publicação de João Reginaldo Júnior. O jovem já depôs sobre o caso.
Para a PF, os conteúdos publicados na internet “não externam mera crítica ao presidente, mas possuem, em tese, teor de ameaça real ou iminente”. Além da mensagem do estudante, a corporação ainda informou, em comunicado à imprensa, que outros textos estão sendo considerados na apuração, como: “Bolsonaro se vier a Uberlândia voltará para casa num caixão, não é ameaça é comunicado” e “Bolsonaro em Uberlândia amanhã”.Não é possível que não tenha um sniper nessa cidade. Aqui se produz tanto maluco, um lúcido e armado, seria demais? Nunca te pedi nada, @Deus”.
As publicações da rede social foram coletadas pela PM de Minas e enviadas à PF, junto a um pedido para abertura de inquérito. O advogado João Carlos Muniz, que compõe a frente recém-formada de defensores de críticos ao presidente, argumenta que há estranheza na elaboração de provas pela PM, uma vez que inquéritos baseados na LSN costumam ser conduzidos apenas pela PF. Muniz afirma ainda que os alvos das diligências estão sofrendo uma “criminalização simbólica”.
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"Se as pessoas precisarem ir à PF prestar depoimento após fazerem uma publicação na internet, elas vão parar de publicar. A sociedade civil tem que reagir na defesa da liberdade. Caso contrário, vamos perdendo esse valor aos poucos e, amanhã, vamos estar totalmente imobilizados — opina Muniz, que acredita existir um aparelhamento “de baixo para cima” nas polícias, envolvendo apoiadores de Bolsonaro."
Adiante, o grupo de advogados pretende analisar detalhes do inquérito e formular defesas a partir das possíveis irregularidades que possam ser encontradas. Também há um planejamento para acompanhar os depoimentos convocados pela PF. Se o caso se transformar em uma ação penal, a estratégia do coletivo será buscar o trancamento dela junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
Junto ao plano de mobilização no Judiciário, o grupo também tem buscado apoio de forças políticas de Uberlândia e do restante do Brasil. A vereadora Dandara Tonantzin (PT-MG), com atuação no município, está mobilizando esforços para dar visibilidade e apoio à causa.
"Essas intimações criam um medo difuso em pessoas que não têm estrutura jurídica para se protegerem. Elas criminalizam jovens que comentaram um tuíte, tudo para gerar medo nas pessoas que estão criticando Bolsonaro. É preocupante a maneira como a LSN está sendo utilizada", diz a parlamentar.
Procurada pelo GLOBO , a defesa de João Reginaldo Júnior, representada pelo advogado Márcio Tricotti, emitiu uma nota em que afirma que a prisão do jovem foi “indevida, desnecessária e desproporcional”, além de “fundamentada em uma interpretação equivocada” da LSN” e teria representado “uma coação a todos aqueles que utilizam as redes sociais para manifestar suas indignações e opiniões”.