O presidente do Peru, Pedro Castillo, afirmou na segunda-feira (18) que irá apresentar ao Congresso, ainda nesta semana, um projeto de lei que autoriza a castração química para homens que cometerem estupro contra crianças, adolescentes e mulheres no país.
O pronunciamento ocorreu dias após a divulgação do caso do "Monstro de Chiclayo", um homem que sequestrou e violentou sexualmente uma menina de 3 anos na cidade de Chiclayo, ao norte do Peru.
O assunto é polêmico — e já foi, inclusive, comentado no passado pelo presidente Jair Bolsonaro, à época, deputado federal do Rio de Janeiro, em diversas ocasiões. Em uma delas (uma assembleia realizada em 2016), Bolsonaro defendeu a medida e disse ainda que, no Brasil, não existe a chamada "cultura do estupro". O termo se refere a um conjunto de comportamentos sutis que legitimam a violência sexual contra a mulher.
"Nós, homens, não nascemos estupradores nem somos educados para sermos estupradores. (...) Essas mesmas (mulheres) que vêm com 'cartazinhos' aqui são as que não deixam o meu projeto que agrava pena para estupro, bem como outro projeto que só permite que aquele condenado por estupro consiga progressão da pena após ser submetido voluntariamente à castração química, vá adiante", afirmou. "Chega de demagogia. O que tem no Brasil é uma cultura da impunidade. Só isso e mais nada."
O que é castração química?
Antes de mais nada, é preciso entender o que é a castração química e como ela age no organismo do homem. Para isso, o iG
conversou com o urologista Flávio Trigo, que trabalha no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo.
O médico explica que o método consiste na administração de medicamentos que visam inibir temporariamente a produção do hormônio testosterona, responsável pelo desenvolvimento de algumas características, entre elas, a libido. Como uma das principais consequências, há uma queda drástica no desejo sexual.
"A estimulação dos testículos está relacionada à glândula hipófise, que, por sua vez, está fisicamente ligada ao hipotálamo [região no cérebro]. Basicamente, a castração química consiste em utilizar um mecanismo que engana a hipófise", diz.
"A substância que a hipófise usa para estimular os testículos é um hormônio conhecido como LH. Normalmente, o hipotálamo estimula a hipófise a produzir esse hormônio, que, por sua vez, atua sobre o testículo e causa a produção da testosterona. Esse é o mecanismo. Com a castração química, o indivíduo recebe uma substância que se parece com o fator de liberação do LH, e com, isso, o estímulo da hipófise sobre o testículo é suprimido, bem como a produção de testosterona", completa.
Segundo Trigo, a castração química foi inventada, inicialmente, para tratar o câncer de próstata avançado, uma vez que esse tipo de câncer depende da testosterona para se desenvolver e espalhar. Mas, como dito, o método implica em uma série de efeitos colaterais.
Além da perda do apetite sexual, o homem pode sofrer ainda com osteoporose, atrofia muscular e a irreversibilidade da castração, se tornando incapaz de fabricar testosterona mesmo após o término do tratamento. Atualmente, os medicamentos podem ser administrados a cada seis meses para que se tenha o efeito desejado.
Especialistas divergem sobre a eficácia do método
Por um lado, defende-se que a castração química seria eficaz na prevenção de estupros na medida em que o método controla os impulsos sexuais do homem. Por outro, especialistas acreditam que a proposta não resolveria o problema da violência sexual, uma vez que não abrange a complexidade que o assunto merece.
Para Goretti Bussolo, ativista e fundadora do Instituto Todas Marias, que acolhe vítimas de violência doméstica e sexual, na maior parte dos estupros, a motivação não é sexual, mas tem relação com uma necessidade do abusador de ter poder e controle sobre a vítima. O estupro, seria, na realidade, mais uma forma de violência, assim como bater, xingar ou humilhar, por exemplo.
"Se tomarmos como verdade que a motivação por trás dos estupros não é sexual, ou seja, tem pouco ou nada a ver com a libido, conclui-se que a castração química não é eficiente para prevenir as violências dessa natureza. Até porque, um homem não precisa utilizar o pênis para cometer um estupro. Ele pode recorrer a objetos", afirma.
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Um caso que ilustra o argumento de Goretti é o de um adolescente que foi estuprado com um bastão de madeira em setembro de 2015, no Egito. À época, ele tinha 14 anos.
De acordo com a imprensa local, o menino foi apreendido por agentes da segurança em sua casa, no Cairo, capital do país, e levado para uma delegacia. Lá, recebeu choques em sua genitália e teve um bastão de madeira inserido repetidas vezes em seu ânus, enquanto a polícia o forçava a confessar sua participação em um protesto sem autorização.
"Esses e outros casos revelam que o problema é muito mais complexo do que muitas pessoas pensam", diz a ativista. "O que resolveria o problema da violência sexual, de fato, é a educação sexual nas escolas, isto é, ensinar meninos e meninas sobre limites, consentimento e outras tantas questões mais. Esta é, inclusive, uma tecla na qual eu bato há muito tempo. Mas, diante do fato consumado, não acredito que a castração química seja a solução. É preciso prender esses homens e mantê-los na cadeia."
Por sua vez, a advogada Thaís Maia, que teve como objeto de estudo de seu mestrado a castração química, tem uma visão um pouco diferente. Ao mesmo tempo em que, assim como Goretti, ela acredita que a educação seja o melhor caminho para prevenir a violência sexual, ela defende também que a castração química pode ser uma alternativa melhor do que a prisão, desde que o tratamento seja contínuo e acompanhado por uma equipe multidisciplinar.
Thaís lembra que a violência sexual nos presídios contra aqueles que são condenados por estupro é brutal, o que causa diversos traumas ao indivíduo, muitas vezes libertado da cadeia mais violento do que quando entrou. Trata-se, portanto, de uma medida ineficaz que provoca um ciclo de violência sem fim.
"Veja bem: não se trata de ter pena do estuprador ou algo do gênero. Eu, particularmente, acredito que o estupro é um dos crimes mais horrendos que existem. A grande questão é romper esse ciclo de violência. Um homem preso por estupro é, normalmente, abusado por diversas vezes na cadeia. Como consequência, ele sai mais violento, mais revoltado, mais traumatizado, e acaba replicando esse comportamento aqui fora", afirma.
"Para romper esse ciclo, é preciso que o abusador tome consciência da gravidade dos seus atos, dos fatores que o levaram a cometer o crime e de tantas outras questões. Por isso, eu defendo que, em paralelo ao tratamento, o indivíduo deve ser submetido a ajuda de uma equipe multidisciplinar, que conta com psicólogos, médicos e outros profissionais", completa.
Mesmo aplicada com toda a cautela e em paralelo a um acompanhamento multidisciplinar, a advogada ressalta, no entanto, que a castração química não é garantia de que o abusador irá se redimir e mudar o comportamento. É uma tentativa.
Além disso, este é um assunto complexo que envolve diversas peculiaridades. Uma delas é que, no Brasil, por exemplo, não há penas de caráter perpétuo. A pena máxima que um indivíduo pode cumprir no país é de trinta anos de reclusão.
Thaís explica que, no limite, a castração química poderia ser classificada, por lei, como uma medida de segurança, e não como uma pena. Desta forma, o método poderia ser aplicado de forma indefinida e o indivíduo poderia receber o tratamento continuamente. Mas, para ela, a pergunta que fica é: O Estado estaria disposto a arcar com esse custo?
"São muitas questões, afinal, trata-se de um assunto complexo. Mas, com certeza, é preciso levantar esse debate", diz.
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