Alta comissária da ONU para os Direitos Humanos chegou nesta terça-feira a Caracas, para encontros com ONGs, governo e oposição durante a grave crise que o país atravessa
Mesmo que seu objetivo não seja político, a visita da alta comissária da ONU para os Direitos Humanos , Michelle Bachelet , a Caracas, não terá caráter meramente técnico. Além de se encontrar com representantes de várias organizações não governamentais, a ex-presidente chilena, que chegou nesta quarta-feira à capital venezuelana, irá se reunir separadamente com o presidente Nicolás Maduro e o líder opositor, Juan Guaidó. Por isso, analistas acreditam que sua presença pode ajudar a destravar o impasse político que tomou conta do país nos últimos meses.
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A visita não escapará da disputa entre Maduro e Guaidó , que já convocou protestos para sexta-feira, dia em que deverá se reunir com a representante da ONU. Presidente da Assembleia Nacional de maioria opositora, o deputado se autoproclamou chefe de Estado interino da Venezuela
há cinco meses e recebeu o apoio de 50 países, incluindo o Brasil. No entanto, duas operações da oposição para dividir os militares e provocar a saída de Maduro fracassaram, ao mesmo tempo em que a situação social e econômica do país se deteriora cada vez mais.
"De um lado temos um governo que tem muito poder mas não tem legitimidade; de outro, uma oposição que tem legitimidade mas não tem poder. Por isso, a visita tem papel chave neste momento. Como Bachelet é uma política de esquerda, e está no país a convite do próprio Maduro, será mais difícil para o governo manter o discurso de conspiração internacional após as críticas, que certamente virão ", explica David Smilde, especialista em Venezuela do centro de estudos não governamental Escritório de Washington na América Latina (Wola, na sigla em inglês). "Além disso, seu relatório pode impactar em outros governos de esquerda da região, que ainda apoiam Maduro".
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Por outro lado, explica o especialista, uma visita dessa magnitude gera um reconhecimento implicito de Maduro como presidente, o que pode forçar a oposição a mudar a fórmula usada até agora, na qual pede primeiro o "fim da usurpação" e depois eleições livres. No informe publicado em março, Bachelet fez duras críticas ao governo, mas também mostrou-se contrárias às sanções dos Estados Unidos, o que, para Smilde, deve enfraquecer a ala mais radical da oposição.
"Os setores mais radicais não querem uma resolução instituicional e por isso criticam qualquer forma de negociação e diálogo. Por isso, creio que um relatório crítico irá fortalecer a coalizão mais moderada da oposição".
Bachelet é uma figura polêmica na Venezuela, por ser identificada com a esquerda. Para boa parte da oposição, ela não fez o suficiente em denunciar o que se passava no país vizinho em seu último mandato como presidente do Chile, de 2014 a 2018, e muitos ainda a veem como uma aliada de certa forma de Maduro, explica Phil Gunson, analista em Caracas do International Crisis Group, centro de prevenção de conflitos. Segundo ele, o próprio governo também acredita que pode se aproveitar dessa proximidade, mas o especialista afasta o temor de que a presença da alta comissária possa ser manipulada em favor de um dos dois lados.
"Neste momento Bachelet não exerce um cargo político e de maneira alguma se deixará influenciar. Sua equipe fez um trabalho excelente nos dois últimos informes, que foram muito duros em denunciar a situação de direitos humanos no país. Seu discurso, após a publicação do último relatório, em março, não foi nada complacente com o governo", afirma Phil Gunson.
Em pronunciamento no Conselho de Direitos Humanos da ONU em março, a ex-presidente chilena acusou forças de segurança, apoiadas por milícias pró-governo, de reprimirem protestos pacíficos com uso excessivo de força, mortes e tortura; denunciou o assassinato de 37 pessoas pela Força de Ações Especiais da Polícia Nacional, tropa de choque usada na repressão política, em janeiro; e expressou preocupação com as crescentes restrições à liberdade de expressão e de imprensa.
A visita, apesar de curta, também servirá para adiantar um processo, já em andamento, de trabalho conjunto da ONU com diversas ONGs, afirma Rafael Uzcátegui, coordenador do Programa de Educação em Direitos Humanos (Provea). Nos últimos dias, alguns presos políticos chegaram a ser soltos, e há rumores de que as libertações seriam consequência da visita.
"Pode ser ainda o início de um plano de trabalho acordado entre Maduro e a comissão, para melhorar a situação de direitos humanos no país. Uma de nossas recomendações é que a ONU estabeleça um escritório permanente de direitos humanos na Venezuela
. Se isso se concretizar, poderia ser um dos melhores resultados", diz Uzcátegui.
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