O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos) despachou, nesta sexta-feira (15), as representações mais recentes contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PL). Os pedidos de apuração de possível quebra de decoro parlamentar por parte do filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foram enviados ao Conselho de Ética da Casa.
Após pressão da base governista para punir Eduardo Bolsonaro por ter instalado residência temporária nos Estados Unidos e usar as redes sociais para "difamar instituições do Estado brasileiro", Motta decidiu despachar as representações que estavam há meses aguardando uma decisão da Mesa Diretora da Câmara.
Ao todo, dois pedidos e um aditamento foram encaminhados ao Conselho de Ética . O mais antigo deles foi protocolado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em 27 de maio deste ano, com solicitação de acréscimo de informações em 21 julho. A outra representação foi apresentada em 11 de julho, pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol).
Todos as representações alegam quebra de decoro parlamentar e pedem a aplicação de penalidade de perda de mandato parlamentar.
Partidos citam tarifaço
As representações protocoladas em julho foram motivadas pela ofensiva do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brasil. Nos pedidos, os partidos atribuem a Eduardo Bolsonaro a responsabilidade pelas tarifas de 50% impostas pela Casa Branca para importações de produtos brasileiros.
"Conforme ele próprio [Eduardo Bolsonaro] confessa em nota pública conjunta com o comentarista político Paulo Figueiredo, publicada em 10 de julho de 2025, as sanções aplicadas pelos Estados Unidos ao Brasil, especialmente a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, anunciada por Donald Trump, foram resultado direto de sua articulação política internacional" , alegou a representação do Psol, assinada pela presidente nacional do partido, Paula Coradi.
No pedido de aditamento do PT, a sigla pede que novos fatos sejam acrescentados à representação protocolada em maio. O partido solicitou que novos fatos "elevada gravidade institucional" fossem acrescentados ao documento original. Segundo a legenda, essas informações "fortalecem a caracterização da quebra de decoro parlamentar por parte do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro" .
"A atuação reiterada [de Eduardo] no exterior contra interesses da República, com envolvimento direto na articulação de sanções econômicas unilaterais por potência estrangeira contra o Brasil, constitui ato de afronta explícita à soberania nacional, ao princípio da independência dos Poderes e às normas éticas que regem a função parlamentar" , argumentou o PT no pedido assinado pelo então presidente do partido, senador Humberto Costa.
Para o Partido dos Trabalhadores, o tarifaço de Trump foi resultado do "lobby" realizado por Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo, neto ex-presidente João Figueiredo que governou o país na reta final da Ditadura Militar. "Tal atuação explicita a vinculação entre a articulação internacional promovida por agentes políticos nacionais e a concretização de atos hostis por parte do governo estadunidense" , apontou a sigla.
Incitação à ruptura eleitoral e interferência no judiciário
As representações também alegam que Eduardo Bolsonaro estaria incitando, por meio de entrevistas à imprensa e de suas redes sociais, a ruptura do processo eleitoral.
O PT apontou que Eduardo Bolsonaro afirmou, em entrevista à imprensa, que “sem anistia para Jair Bolsonaro, não haverá eleições em 2026”, o que, no entendimento do partido, "constitui grave ameaça à ordem constitucional e à realização do processo eleitoral, núcleo duro da soberania popular".
Nos EUA desde fevereiro, Eduardo Bolsonaro tem afirmado publicamente que está articulando, junto a assessores do governo norte-americano, sanções contra autoridades brasileiras, especialmente contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
Sobre isso, a representação do PT afirma que o deputado "tem se dedicado de forma reiterada a difamar instituições do Estado brasileiro, com especial virulência contra o Supremo Tribunal Federal e seus Ministros, a quem tem publicamente chamado de 'milicianos togados' e 'ditadores'" .
Além disso, Eduardo Bolsonaro estaria em busca dessas sanções como forma de pressionar o STF a suspensar a ação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado. Essa movimentação está sendo vista pelos partidos que apresentaram as representações como uma interferência no judiciário brasileiro.
"Eduardo Bolsonaro defendeu a concessão de anistia a Jair Bolsonaro como solução para “evitar o agravamento da crise com os EUA”, estabelecendo uma relação direta entre os interesses pessoais e familiares do ex-presidente e a imposição de medidas hostis contra o Brasil, o que qualifica o episódio como chantagem contra o Poder Judiciário brasileiro" , avaliou o Psol.
Na avaliação da sigla, a atuação de Eduardo Bolsonaro nos EUA é "antinacional", "antidiplomática" e "configura chantagem institucional e tentativa de desestabilização do Estado de Direito, ao usar uma potência estrangeira para pressionar o Supremo Tribunal Federal e condicionar suas decisões à ameaça de agravamento da crise internacional".
Com base nesses pontos, os partidos acusam o deputado de incitação à ruptura do processo eleitoral; tentativa de submeter a jurisdição nacional ao escrutínio de potências estrangeiras; atos de hostilidade à ordem constitucional e ao Estado Democrático de Direito; e uso do mandato como plataforma para desestabilização institucional.
Próximos passos
O processo que pode resultar na cassação de um deputado federal segue um rito específico dentro da Câmara dos Deputados, regido por normas internas e pela Constituição Federal. No caso de representações por quebra de decoro parlamentar, é necessário, primeiro o despacho do presidente da Casa, que autoriza a numeração, a publicação e o envio do caso ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.
Uma vez recebida a representação, o presidente do Conselho de Ética instaura o processo e escolhe um relator a partir de uma lista tríplice formada por sorteio. Quando o caso é apresentado por um partido político, o relator tem 10 dias úteis para elaborar um parecer preliminar, recomendando o prosseguimento ou o arquivamento da denúncia.Essa decisão pode ser questionada no Plenário da Câmara.
Se a admissibilidade for aprovada, o deputado acusado tem 10 dias úteis para apresentar defesa por escrito. Depois disso, o relator conduz a fase de instrução do processo, com prazo máximo de 40 dias úteis, e em seguida apresenta seu parecer final em até 10 dias úteis. Esse documento, que pode ou não recomendar punição, é discutido e votado pelo colegiado.
Se houver questionamentos sobre a legalidade ou regularidade do processo, o deputado alvo da representação pode recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJC), que tem 5 dias úteis para analisar o pedido. Se decidir que houve irregularidade, o caso volta para o Conselho de Ética, para definição de novo relator ou novo relatório.
Caso a CCJC de decida que não há inconstitucionalidade, o parecer é mantido. Após esse processo ou nos casos em que a Comissão de Constituição e Justiça não é acionada, a decisão final do Conselho segue para votação em Plenário, sempre de forma aberta, conforme determina a Emenda Constitucional 76/2013.
O prazo total, desde a instauração do processo no Conselho até votação em Plenário, é de até 90 dias úteis. Para a cassação do mandato, são necessários pelo menos 257 votos — a maioria absoluta da Câmara.
Penas mais brandas, como censura verbal ou escrita, não passam pelo Plenário. Elas podem ser aplicadas diretamente pelo presidente da Câmara ou pela Mesa Diretora. Já sanções como suspensão temporária do mandato ou de prerrogativas regimentais, por até seis meses, dependem da deliberação dos deputados em Plenário.