Manifestantes golpistas invadem a praça dos Três Poderes no dia 8 de Janeiro de 2023
Marcelo Camargo/Agência Pública
Manifestantes golpistas invadem a praça dos Três Poderes no dia 8 de Janeiro de 2023

Um homem branco de camisa da CBF e calça jeans com manchas de sangue está deitado na grama e olha para a câmera. “Roubaram nossas urnas, nosso presidente não é o Lula, nosso presidente é o Bolsonaro, ele ganhou, nós sabemos, todo mundo sabe. Nós estamos aqui lutando pela nossa liberdade, eu fui, olha o que fizeram comigo, olha o que os policiais fizeram, saiam dos sofás, lutem, essa é a última chance de vocês”, apela ele, que está com a cabeça apoiada no colo de outro homem vestido com uma camisa amarela com os dizeres “intervenção militar federal”. Ao fundo, sons de explosão e conflito. Era 8 de janeiro de 2023, e o homem dizia ter sido baleado na perna por um policial militar do Distrito Federal (DF).

Até agora, a utilização de munição letal para a contenção de manifestantes no 8 de janeiro pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) não havia sido confirmada. Documentos internos produzidos pela Tropa de Choque da PMDF e acessados pela Agência Pública mostram que a denúncia do homem baleado é verídica, houve sim um disparo que atingiu um golpista. Os documentos, contudo, trazem mais informações sobre o contexto que levou o policial a apertar o gatilho. 

De acordo com o relato acessado pela reportagem, assinado pelo então sargento Beroaldo Júnior, o disparo foi feito em legítima defesa, enquanto ele e sua colega, à época a cabo Marcela Morais, eram espancados por manifestantes depois de terem sido empurrados e caído de uma altura de cerca de 2 metros. As imagens da queda ficaram famosas à época e mostram a tropa de choque recuando após se deparar com um grupo de golpistas em cima da passarela que leva às cúpulas do Congresso Nacional. 

No texto, Beroaldo Júnior diz que, após a queda, manifestantes “saltaram em direção aos policiais militares que caíram do ‘delta’ e passaram a atacá-los com evidente intenção de matar, desferindo golpes de barra de ferro e de pau na cabeça. Na ocasião, a SD Marcela fora cercada por um grupo maior de vândalos que a agrediam violentamente e tentavam subtrair o capacete blindado e sua arma, no intuito de neutralizar qualquer intenção de auto defesa”. 

Assim, o autor do disparo afirma que “não se dispunha de outra opção técnica suficiente para fazer cessar a grave ameaça a vida da referida policial”, pois já teria utilizado instrumentos de menor potencial ofensivo sem sucesso. “Enquanto eu mesmo era brutalmente atacado e lutava para manter a própria integridade física, saquei minha arma e efetuei disparo em direção aos principais atacantes” da colega. Ele diz que “um dos atacantes foi atingido e recuou, diminuindo a fúria da incursão” contra a policial, que conseguiu ficar de pé, e com a ajuda de um colega, entrar na “proteção, ainda precária, da linha de escudo”.

Nos dias seguintes ao 8 de janeiro, Marcela compartilhou fotos de seus ferimentos, confirmando o ataque sofrido por ela. Todos os integrantes do pelotão que os dois integravam ficaram feridos ou com algum tipo de lesão, de acordo com os documentos — Beroaldo disse que ficou 13 dias sem trabalhar para se recuperar. Porém, mesmo com as circunstâncias que configurariam legítima defesa, a PMDF omitiu a existência do tiro. 

Mais tarde, Beroaldo e Marcela foram promovidos por seus atos de bravura — Beroaldo virou subtenente e Marcela, cabo. Em entrevistas que deram à imprensa para falar sobre os ataques que sofreram, os dois omitiram o tiro com munição letal dado pelo subtenente. A Cabo Marcela, por exemplo, disse ao Jornal Nacional que seus colegas utilizaram um “lançador” para tirar os agressores de cima dela e o Subtenente Beroaldo apenas citou o uso de munição não letal.

Com o silêncio da PMDF, a informação só foi confirmada pela Pública com o acesso aos relatórios produzidos pelo Choque da PMDF sobre os atos golpistas, enviados à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos de 8 de Janeiro de 2023 depois de um requerimento elaborado pelo deputado bolsonarista Delegado Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-presidente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sob Bolsonaro, e aprovado pela comissão. Além de revelar o uso de munição letal contra o homem, os documentos acessados trazem mais detalhes da ação dos PMs e do clima de agressividade vivido por eles durante a tentativa de contenção dos golpistas em 8 de janeiro.

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