O senador Eduardo Gomes (PL-TO), líder do governo no Congresso
Geraldo Magela/Agência Senado
O senador Eduardo Gomes (PL-TO), líder do governo no Congresso

Após a Polícia Federal (PF) encontrar em uma investigação mensagens do senador licenciado Eduardo Gomes (PL-TO), líder do governo Bolsonaro no Congresso, pedindo dinheiro a um empresário e prometendo ajuda para adiar uma portaria do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), a Justiça Federal do Tocantins determinou o envio do material ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O caso foi revelado pelo GLOBO no último dia 28. A decisão do juiz João Paulo Abe, da 4a Vara Federal Criminal do Tocantins, foi proferida nesta terça-feira e atendeu a um pedido da PF e do Ministério Público Federal (MPF). “Uma vez que Eduardo Gomes é senador eleito pelo Estado do Tocantins e tem foro por prerrogativa de função garantido pela Constituição Federal em seu artigo 102, inciso I, alínea b, e identificando-se que parte dos fatos se referem ao período em que Eduardo já estava no cargo de senador da República, guardando relação com sua função, resta configurada, em uma análise inicial, a competência do Supremo Tribunal Federal para o processamento e julgamento do feito", escreveu o magistrado.

Com isso, caberá ao procurador-geral da República, Augusto Aras, avaliar se há elementos para abertura de uma investigação de Eduardo Gomes no STF, com base no indícios obtidos pelos investigadores.

Em sua manifestação, o procurador João Gustavo de Almeida Seixas escreveu que "as evidências apontam que o senador Eduardo Gomes utiliza sua posição e suas conexões, principalmente com prefeitos municipais, para conseguir favores e vantagens em benefício do sr. Jorge Rodrigues Alves, especialmente em procedimentos licitatórios, recebendo, em troca, favores financeiros". Segundo o MPF, há indícios "ao menos do delito de tráfico de influência".

Quando o caso foi revelado pelo GLOBO, Gomes admitiu ser amigo do empresário “há 25 anos”, mas negou ter praticado irregularidades. Em nota, o parlamentar afirmou: “Jamais houve qualquer pagamento ou repasse ao senador Eduardo Gomes nos casos questionados. As mensagens trocadas são autoexplicativas: tratam-se de pedidos de empréstimos a um amigo, mas que não se efetivaram. Assim como não houve qualquer intermediação ou negócio irregular. No exercício do mandato, o senador somente dá seguimento a eventuais demandas quando estas são de interesse público, de forma transparente e responsável”.

Procurado nesta terça-feira, o senador afirmou que seu nome foi citado "de forma irregular e em afronta a princípios consagrados na Constituição". "Tenho a convicção que restará clara a total desconexão com os fatos que me tentam imputar de forma artificial", disse em nota.

A assessoria de Jorge Rodrigues Alves não comentou as mensagens encontradas pela PF e disse por meio de nota que a investigação envolvendo o empresário está suspensa por determinação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).

Em sua decisão, o juiz da 4ª Vara Federal Criminal do Tocantins afirmou que a suspensão de parte da investigação por decisão liminar do TRF1 não impede o envio do caso para o STF, já que surgiram indícios envolvendo um senador. “A todo órgão judicial é atribuída a competência de analisar a própria competência, não estando tal análise, ademais, abrangida pela medida liminar proferida pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 1a Região. Em face da presença de um elemento evidente e manifesto, capaz de atrair a competência da Suprema Corte, a este juízo não resta alternativa a não ser remeter de imediato os autos e seus incidentes, para que lá o feito tenha seguimento”, escreveu o magistrado.

‘Acha que consegue 20?’

De acordo com o relatório da PF, em 3 de abril de 2020, o senador enviou ao empresário os dados bancários de um assessor parlamentar, João Bosco Pinto da Silva, e pediu que fosse feito um pagamento para uma conta indicada. “Acha que consegue 20?”, perguntou Gomes. Na sequência, Alves respondeu: “Opa! Certeza!”.

Relatório da PF transcreve diálogo entre senador Eduardo Gomes e empresário Jorge Rodrigues Alves — Foto: Reprodução
Questionado sobre o pagamento, o assessor de Gomes disse não se recordar do caso específico, mas confirmou emprestar sua conta bancária para o senador.

"Desde 1980, nós somos amigos e sempre fizemos alguma coisa juntos. Então, com certeza, ele me empresta a dele, e eu empresto a minha para ele. A gente faz muito trabalho juntos", afirmou Silva ao GLOBO.

Num diálogo anterior, o empresário prestou contas a Gomes sobre depósitos solicitados pelo parlamentar. De acordo com as mensagens obtidas pela PF, em 11 de junho de 2019, o senador apresentou uma lista de favorecidos a Alves para a realização de pagamentos. “Me passa o que fez, por favor”, escreveu o parlamentar ao seu amigo, que, logo em seguida, enviou comprovantes de transferências bancárias feitas a cinco pessoas e empresas que totalizam R$ 42.255.

Em 31 de janeiro de 2019, na véspera de tomar posse no Senado, Gomes solicitou ao empresário um novo repasse “para custear o buffet de uma festa”, segundo relatório policial. Diante do pedido, Alves respondeu: “Como seria? Direto no buffet? Quanto? Estamos juntos, amigo”. Gomes, então, forneceu os dados bancários de uma mulher para a efetivação do pagamento.

O GLOBO entrou em contato com a mulher mencionada na mensagem pelo parlamentar, mas ela não quis falar sobre o assunto e passou o telefone para outra pessoa, identificada como seu marido. O homem, que não quis dizer o nome, afirmou que o pagamento serviu para custear as bebidas da festa de posse do senador, em Brasília, e disse que vários amigos se juntaram para ajudar a bancar o evento.

Outro diálogo indica que, durante a campanha eleitoral ao Senado em 2018, Gomes também pediu pagamentos para bancar uma despesa com uma locadora de veículos. “Tenho que passar 70 mil para uma locadora que pode dar nota que cuida de todos os veículos que estão na campanha”, escreveu o parlamentar dois meses antes das eleições daquele ano. Alves, então, questionou: “Tem q ser hje (hoje) ou eles emitem a NF (nota fiscal) e dão uns dias p pgto (pagamento)?”. Na sequência, o senador respondeu: “Emite e eu preciso de 30 para comer até domingo”. Em seguida, o empresário brincou: “Uai, tá comendo muiiiito amigo rs (risos)”.

“Há elementos para se acreditar que parte dos valores movimentados pelo grupo possa ter ido para o referido senador, por meio de Jorge Rodrigues Alves, como forma de manutenção de uma boa relação, assim como para o financiamento de campanhas políticas”, apontou a PF. Ao todo, segundo as mensagens, os pedidos de dinheiro feitos por Gomes somaram cerca de R$ 760 mil de 2016 a 2020.

Portaria do Inmetro

Além dos pedidos de recursos, as conversas indicam que, após ser eleito pela primeira vez ao Senado, Gomes atuou para atender a uma demanda do empresário junto a um órgão do governo. Em 11 de abril de 2019, Alves pediu ajuda ao parlamentar para adiar a entrada em vigor de uma portaria do Inmetro que mudaria as especificações das luminárias usadas no sistema de iluminação pública pelo país afora. “Preciso muiiiiito de sua ajuda”, escreveu o empresário. “É só falar aonde”, respondeu o parlamentar. “Portaria 20 do Inmetro. Precisa ser URGENTEMENTE suspensa ou adiada”, afirmou Alves.

De acordo com as mensagens, o amigo do parlamentar dizia que a sua empresa seria desclassificada da disputa de um contrato público caso não houvesse alteração da portaria do Inmetro. Ao receber o pleito do empresário, o senador respondeu que iria tentar interceder junto ao Ministério da Economia, ao qual o Inmetro está subordinado: “Vou pedir assim que sair da presidência (...). Falo direto com o Carlos”, disse Gomes, referindo-se a Carlos da Costa, então secretário de Produtividade, Emprego e Competitividade da pasta. Satisfeito com a promessa, Alves escreveu: “Importantíssimo! Amigo, cuida de mim!”. À época, Gomes era vice-líder do governo Bolsonaro no Senado. Ele só se tornou líder no Congresso no fim daquele ano.

Três dias depois, em uma nova conversa, o empresário enviou ao senador um novo documento sobre a portaria do Inmetro. Em resposta, Gomes disse que poderia inclusive trabalhar pela demissão da então presidente do Inmetro, Angela Flôres Furtado, caso o órgão não atendesse ao pleito. “Vou ler aqui e montar uma estratégia. Em último caso, a gente questiona via comissão de Infraestrutura. Se houver motivação de espírito público a gente até derruba essa mulher”, escreveu o parlamentar.

Em mensagens trocadas no dia 26 de junho em 2019, Gomes encaminhou a Alves um e-mail no qual a presidente do Inmetro informava ao seu gabinete que a vigência da portaria seria adiada em três meses. No dia seguinte, Gomes se reuniu com Angela Flôres Furtado, conforme a agenda pública do órgão. As novas regras foram postergadas e só passaram a valer em novembro de 2019.

O Ministério da Economia disse não ter conhecimento do assunto e orientou que fosse consultado o Inmetro — que afirmou, em nota, que a vigência da portaria foi adiada porque o órgão constatou que não havia luminárias com certificação dentro dos parâmetros estabelecidos, o que poderia resultar em desabastecimento no mercado. Angela Flôres Furtado, ex-presidente do órgão, esclareceu que as decisões tomadas foram baseadas em critérios técnicos e que não houve pressão por parte do senador.

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