O Supremo Tribunal Federal (STF) deve se dividir no julgamento, previsto para iniciar hoje, em que a Corte vai decidir se mudanças nas Lei de Improbidade Administrativa, aprovadas pelo Congresso no ano passado, valem ou não para casos ocorridos antes das alterações. A tendência, segundo ministros ouvidos pelo GLOBO, é manter o entendimento de que a regra pode ser aplicada retroativamente, ou seja, para beneficiar gestores condenados antes de o Legislativo flexibilizar a legislação.
Há hoje pelo menos 1.147 processos sobre o tema espalhados por tribunais de todo o país à espera de uma definição da Corte. A previsão é que o julgamento leve quatro sessões, isto é, poderá se estender por duas semanas. A sessão do STF será acompanhado de perto pela classe política e pode impactar diretamente na candidatura de nomes importantes do cenário político nacional.
O GLOBO apurou que o STF deve manter o que foi delimitado pelo Congresso, que reduziu os prazos de prescrição para punições, como perda da função pública e de direitos políticos, de gestores condenados. Este trecho, de acordo com relatos feitos à reportagem, deve ser o principal ponto de divergência entre ministros. Na prática, a alteração feito pelo Parlamento beneficia políticos enquadrados por improbidade administrativa.
Um outro aspecto que também será analisado nas ações apreciadas nesta quarta-feira diz respeito à pena por irregularidades "culposas". Segundo a nova Lei de Improbidade, agora será preciso comprovar que houve "dolo", ou seja, a intenção de cometer o crime. Sobre este aspecto, a expectativa é que a maioria dos ministros mantenha o texto que foi aprovado pelos parlamentares, embora considerem que a necessidade do dolo "enfraqueça" o que a norma prevê.
As divisões entre os ministros devem ocorrer sobretudo entre a ala mais garantista da Corte, da qual fazem parte ministros como Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, e aquela mais "legalista", integrada por Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Edson Fachin, cujos embates foram travados especialmente no auge da Lava-Jato. O julgamento vai revelar como Nunes Marques e André Mendonça, os dois últimos magistrados a tomarem posse na Corte, se comportarão diante do tema.
O caso interessa a políticos que pretendem disputar as eleições de outubro, mas que foram condenados por improbidade administrativa por um colegiado e, por isso, estariam impedidos se concorrer pela Lei da Ficha Limpa. Entre os que podem ser beneficiados estão o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), os ex-governadores Anthony Garotinho (RJ) e José Roberto Arruda (DF), e o ex-prefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia, vice na chapa de Marcelo Freixo ao Palácio Guanabara.
À espera de definição
O advogado Francisco Zardo defende a ex-servidora do INSS cujo processo será analisado na quarta-feira. Ele destacou que, assim como sua cliente, a maioria das pessoas afetadas por processos de improbidade administrativa são servidores, e não políticos com pretensão eleitoral. O recurso dela foi apresentado antes da nova lei de improbidade, uma vez que a defesa questionou questões relativas aos prazos de prescrição já previstos na norma antiga. Com as mudanças na lei, também foi apontado o fato de ela ter sido acusada na modalidade culposa, ou seja, sem intenção de cometer o ato. A ex-servidora, que não foi condenada, chegou a ser absolvida na primeira instância, mas o caso dela ainda não foi concluído na Justiça.
"Do ponto de vista jurídico, a discussão é relativamente simples. Uma lei repressiva que em alguns aspectos é mais benéfica e por isso retroage. Em termos de direito, desde há muito, essa questão é um coisa pacífica em países civilizados. Se hoje não é o caso mais de punir condutas culposas, não faz sentido punir essas pessoas. Um outro ponto é que isso não significa que atos culposos ficarão impunes. Há uma série de outras leis prevendo ações contra servidores em face de atos culposos. Mas as sanções que são muito graves, perda de cargo, de direitos políticos, isso é reservado para atos dolosos", disse o advogado, acrescentando: "Tem essa discussão, Arruda, Garotinho, Lira, mas tem milhões de servidores anônimos."
Segundo o advogado, os prazos de prescrição, que existiam tanto na lei anterior como na nova, valem para as sanções que podem ser aplicadas, como por exemplo a perda de direitos políticos e de cargo público e a proibição de firmar contratos com a administração pública. A obrigação de devolver o que foi desviado por atos intencionais de improbidade administrativa continua imprescritível. A nova lei também determinou que, uma vez apresentada a ação de improbidade, há um prazo de quatro anos para a sentença.
Em memorial entregue ao STF, Zardo levantou 23 processos de diferentes tribunais em que a nova lei foi aplicada de forma retroativa.
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