Ministro Alexandre Moraes, relator de ação sobre a nova lei de improbidade administrativa no Brasil
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Ministro Alexandre Moraes, relator de ação sobre a nova lei de improbidade administrativa no Brasil

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta quarta-feira que a antiga lei de improbidade administrativa, aprovada em 1992, foi uma conquista da sociedade da época, mas também afirmou que ela foi genérica e deixou inúmeras brechas. Ele é o relator de uma ação que discute se a nova lei , que é menos dura e entrou em vigor no ano passado, pode retroagir, isto é, se ela pode ser aplicada para absolver pessoas acusadas ou já condenadas por atos ocorridos antes da sua aprovação.

O julgamento da ação no plenário do STF começou nesta quarta. Moraes fez algumas considerações, mas ainda não votou. O julgamento será retomado na quinta-feira. A ação é de interesse de políticos que sofreram condenações e tiveram seus direitos políticos suspensos, uma vez que a retroatividade pode levar à sua absolvição.

Moraes também destacou que, segundo números do Superior Tribunal de Justiça (STJ), menos de 10% das condenações por improbidade são por enriquecimento ilícito. Mais da metade foi por algo mais genérico: atos que "atentam contra os princípios da administração pública".

"Esses números mostram porque, sem obviamente entrar no mérito de se o Congresso agiu bem ou mal no mérito das alterações, houve a necessidade, depois de quase 30 anos, de o Congresso alterar a lei de improbidade administrativa. A ideia foi, focado nesses números, tentar transformar a lei de improbidade em um combate mais direto ao tipo de improbidade clássico, em que o agente público se enriquece dolosamente, e tentar fazer uma separação maior entre a ilegalidade e a improbidade administrativa", disse Moraes.

O ministro fez elogios e críticas à lei.

"Já tem 30 anos a lei de 2 de julho de 1992. E foi uma conquista realmente naquele momento. É um momento histórico extremamente conturbado. Se todos aqui se recordarem, um momento em que se iniciava o procedimento de impeachment do presidente Collor, e foi o próprio presidente que sancionou a lei da improbidade administrativa, como uma resposta às críticas e ao reclamo popular de combate à corrupção", disse Moraes, acrescentando:

"Foi uma grande conquista realmente no combate à corrupção, à má gestão de recursos públicos, em que pese não ser uma lei — eu diria tanto a original quanto as alterações — extremamente técnica. É uma lei que deixou inúmeras brechas. Acabou permitindo inúmeras interpretações e alguns problemas, porque é uma lei que genericamente foi definindo tipos de improbidade".

A nova lei estabelece, por exemplo, que, além da comprovação do ato de improbidade, é preciso também demonstrar que houve a intenção de cometê-lo. A norma também mudou os prazos de prescrição. Segundo a Constituição, os atos de improbidade podem levar à suspensão dos direitos políticos, à perda da função pública, à indisponibilidade dos bens e ao ressarcimento ao erário.

Moraes lembrou que, em 30 anos, a modalidade "culposa" de improbidade, ou seja, sem intenção, nunca foi declarada inconstitucional. Destacou também que não vai analisar se sua extinção foi bom ou ruim, mas constitucionalidade da questão. O relator também rebateu as críticas de que o Ministério Público (MP), que em geral é contra a retroatividade da lei, costuma apresentar ações de improbidade por qualquer ato. Moraes já fez parte do MP no passado.

O julgamento é de interesse de políticos que sofreram condenações e por isso, tiveram seus direitos políticos suspensos. É o caso do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, que quer ser candidato a deputado pelo PL. No caso do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também há condenação, mas ele não ficou inelegível graças a uma decisão do Tribunal de Justiça de Alagoas. O ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho também tem uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendendo a condenação por improbidade, mas ele segue inelegível em razão de uma outra condenação na Justiça Eleitoral.

Advogados e Ministério Público

Antes de Moraes falar, nove pessoas passaram pela tribuna do plenário do STF. De um lado, entidades que reúnem gestores públicos e advogados defenderam a retroatividade na ova lei de improbidade, ou seja, de sua aplicação para absolver pessoas acusadas ou condenados por atos ocorridos antes da sua aprovação. Já os representantes do Ministério Público argumentaram que a norma, aprovada no ano passado, só deve valer para atos posteriores.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, abordou de forma separada as duas principais questões em discussão. Quanto à diferenciação entre atos dolosos e culposos, ele entende que na prática, não há tantas diferenças, uma vez que uma "leitura sistemática da nova redação" ainda permite a punição de erros grosseiros. Em relação aos prazos de prescrição, ele foi mais incisivo e disse ser contrário à sua retroatividade.

"A aplicação retroativa dos novos prazos de prescrição, inclusive a prescrição intercorrente, quebra a segurança jurídica, viola o ato jurídico perfeito, e implica anistia transversa de atos de improbidade objeto de persecução regular pelo Estado", disse Aras.

Advogados são a favor de lei se estender a casos anteriores

Os advogados Georghio Alessandro Tomelin, em nome da Associação Brasileira de Municípios (ABM), e Saul Tourinho Leal, da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), defenderam a retroatividade da lei. Leal destacou que há decisões de 22 Tribunais de Justiça (TJs) estaduais, dentre os 27 existentes, já aplicando as novas regras para casos passados. Tomelin citou o que é chamado de "apagão das canetas": a lei anterior levava à apresentação de tantas ações de improbidade, mesmo por questões menores, que os gestores preferiam se omitir a tomar ações que pudessem levá-los a correr o risco de ter os bens bloqueados e os direitos políticos suspensos.

"O que está em jogo aqui é o apagão das canetas. Ninguém quer ter filho na administração pública, porque tudo que se move vira improbidade", disse Tomelin.

Vicente Martins Prata Braga, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi na mesma linha:

"Quase 99% dos gestores respondem a uma ação de improbidade. Basta ocupar um cargo. Quando um prefeito assume um cargo, ele delega os atos de gestão aos secretários porque tem medo de gerir o município. Tudo, um simples erro formal num procedimento de contratação licitatório pode acarretar a indisponibilidade de bens, pode acarretar a suspensão dos seus direitos políticos".

O STF está sendo julgado o caso de uma ex-servidora do INSS, mas o que for decidido deverá ser observado por juízes e tribunais de todo o país. O advogado Francisco Zardo, que a defende, disse que, embora a Constituição fale em retroatividade para a lei penal, as sanções por improbidade administrativa, que não têm natureza criminal, também devem ser contempladas.

"O principal argumento de quem pensa diferente é que a Constituição usa a expressão "lei penal", logo a retroatividade da lei mais benéfica só se aplicaria aos crimes. Com todo o respeito, essa é uma interpretação gramatical, insuficiente para alcançar o sentido de garantias fundamentais. Não há dúvida de que, por sua natureza repressiva, deve incidir sobre as ações de improbidade a garantia da retroatividade benigna", disse Zardo.

Ministério Público é contra a retroatividade

Representantes do Ministério Público argumentaram que a previsão de a lei retroagir para beneficiar o réu vale apenas para processos criminais, o que não é o caso das ações de improbidade administrativa.

"As garantias penais têm uma aplicação praticamente absoluta no âmbito penal em razão da violência com que opera o sistema penal e das consequências à dignidade humana que isso tem. No âmbito da improbidade administrativa, isso não corre. As restrições previstas pelo constituinte são adequadas, necessárias, proporcionais", disse Fabiana Lemes Zamalloa do Prado, promotora de Justiça de Goiás.

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, também citou números para justificar a necessidade de impedir que lei retroaja. E afirmou que, se houver absolvição de condenados, muitos poderão a partir disso pedir uma indenização do Estado, havendo portanto consequências econômicas.

"Em 2021, tramitavam no estado de São Paulo 4.760 inquéritos civis no Ministério Público de São Paulo, que potencialmente serão atingidos pela aplicação retroativa da lei nova. Desde 2011, o Ministério Público de São Paulo ajuizou 8.768 ações que potencialmente serão também afetadas, atingidas pela aplicação retroativa da lei; 2.798 condenações com trânsito em julgado desde 2011 serão potencialmente também atingidas pela aplicação retroativa, das quais 1.346 tiveram como sanção aplicada, e aqui é importante pontuar, a perda do cargo e/ou a suspensão dos direitos políticos; 8.130 acórdãos de apelação desde 2011 sem trânsito em julgado também podem ser afetados", disse Sarrubbo.

Aristides Junqueira Alvarenga, em nome da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), e o promotor de justiça do Rio Grande do Sul Fabiano Dallazen também foram contra a retroatividade. Dallazen refutou ainda os argumentos de que as o Ministério Público teria a prática de apresentar ações genéricas.

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