Apenas 8% dos juízes de primeira instância puniram desmatadores acionados em ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal (MPF) entre 2017 e 2020. No período, foram movidos 3.561 processos em nove estados e apenas 650 deles tiveram sentença proferida até outubro de 2020.
Nada menos do que 78% das ações foram extintas "sem resolução do mérito" - os magistrados consideraram que não foram apresentados elementos suficientes sequer para que as ações fossem adiante. Os dados são de pesquisa inédita do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), com base em ações movidas pelo MPF dentro do programa Amazônia Protege.
As ações envolveram 231.456 hectares desmatados entre 2015 e 2016, com pedidos de indenização que somavam R$ 3,7 bilhões.
A impunidade, porém, pode estar com os dias contados. Segundo o pesquisador Jeferson Almeida, um dos responsáveis pelo levantamento, em dezembro de 2020 o Superior Tribunal de Justiça decidiu que são válidas as principais provas apresentadas pelos procuradores, obtidas com o cruzamento de imagens de satélites de áreas desmatadas com informações de bancos de dados oficiais, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Sistema de Gestão Fundiária (Sigef).
Outra decisão importante, explica, é que a Justiça, a partir de maio de 2021, passou a aceitar ações contra réus incertos (desconhecidos) em casos de danos ambientais.
"A expectativa é que essas decisões da Justiça possam acelerar as punições e mudar o rumo da impunidade nos crimes ambientais na Amazônia", diz o pesquisador.
Almeida lembra que, mesmo quando o desmatador não é identificado, a área se torna conhecida e pode ser embargada pela Justiça. Isso impediria o prosseguimento do esquema de grilagem de terras, pois poucos se arriscariam a comprar uma área com passivo judicial conhecido, com acúmulo de multas, ressarcimento de danos e obrigação de reflorestar.
Antes da aceitação das imagens de satélite como prova, os agentes dos órgãos ambientais tinham de fazer in loco a verificação e medição da área desmatada, tornando o processo ainda mais demorado e, não raro, fadado à prescrição. Almeida afirma que a maioria dos juízes de primeira instância determinou a extinção das ações justamente porque faltava jurisprudência autorizando o uso das provas colhidas por imagens de satélite.
O levantamento mostrou ainda que, mesmo no caso de desmatadores identificados, as indenizações não são pagas. Dos 51 casos de condenação, apenas duas ações conseguiram chegar ao pagamento, num total de apenas R$ 42 mil.
Nos casos analisados pelo Imazon, as ações levaram em média 2,9 anos para serem julgadas. A execução da sentença, porém, é muito mais demorada: pode levar um tempo três vezes maior. Além disso, os juízes reduziram para menos da metade o valor de indenização por danos materiais ambientais pedido pelo MPF - a média pedida foi de R$ 10.843, mas os juízes determinaram R$ 5.209.
Almeida afirma que é preciso discutir com o Judiciário o valor dos danos ambientais, pois o valor proposto não é aleatório, mas baseado em metodologia de cálculo feita pelo Ibama. Parte das ações ainda terão de retornar à primeira instância, adiando ainda mais qualquer expectativa de punição. Pelo menos 80 ações foram transferidas à Justiça estadual.
Os pesquisadores do Imazon afirmam que uma das saídas é que o MPF passe a solicitar sanções de aplicação imediata, como suspensão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do imóvel onde ocorreu o desmatamento, restrição de acesso a crédito e suspensão da emissão de Guia de Trânsito Animal (GTA). Também processos que tentam regularização fundiária deveriam, logicamente, ser suspensos até que a ação tenha sido finalizada - o que no Brasil significa ter esgotado até o último recurso das partes.
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