O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) , disse nesta sexta-feira que a desinformação não é ingênua, mas criminosa, servindo ou para o enriquecimento ou para a tomada do poder.
Moraes é o relator de processos como os chamados inquéritos das fake news e das milícias digitais, que miraram a rede de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro .
Também é o relator da ação penal que levou à condenação do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a oito anos e nove meses de prisão em razão de ameaças e incitação à violência contra ministros da Corte. Depois, Silveira recebeu o perdão de Bolsonaro.
"São duas finalidades. Uma é a tomada do poder. Tomada de poder não democrática, tomada de poder autoritária, sem controle, sem limite. Mas sempre a tomada de poder vem com a segunda finalidade, que é econômica, ganhar dinheiro. Pessoas estão enriquecendo com isso", disse Moraes em palestra para estudantes de uma universidade em São Paulo, acrescentando:
"Desinformação não é ingênua. A desinformação é criminosa, tem finalidade. Para uns é só um enriquecimento. Para outros é a tomada do poder sem controle. Então nós, que vivemos do direito, que defendemos a democracia, nós temos que combater a desinformação".
Moraes também defendeu a responsabilização das empresas de tecnologia:
"A imprensa tradicional pode ser responsabilizada. As redes sociais continuam absurdamente classificada como empresas de tecnologia, e são responsabilizadas como empresas de tecnologia, sendo que as grandes plataformas faturaram de publicidade mais do que todas as empresas de mídia no ano passado".
Ele citou o projeto de lei das fake news, em tramitação no Congresso Nacional:
"Projeto de lei para responsabilizar as plataformas como também uma empresa de comunicação. Não é possível que se isentem totalmente, sabendo que aquelas notícias são fraudulentas, levianas, sabendo que se prolifera o discurso de ódio, e não se retirem aquelas notícias".
O ministro voltou a dizer nesta sexta-feira que "liberdade de expressão não é liberdade de agressão". Em junho de 2020, no plenário do STF, Moraes já tinha dito a mesma coisa. Na época, a Corte julgava a legalidade do inquérito das fake news, aberto em 2019 para apurar ataques à Corte. O resultado foi favorável à continuidade da investigação.
"Não é possível defender volta de um ato institucional número cinco, o AI-5, que garantia tortura de pessoas, morte de pessoas, o fechamento do Congresso, do poder Judiciário. Ora, nós não estamos em uma selva. Liberdade de expressão não é liberdade de agressão. Democracia não é anarquia", disse Moraes nesta sexta, numa referência ao ato que endureceu a ditadura militar brasileira em 1968.
Moraes destacou um estudo feito pelo jornal "Financial Time" mostrando que 65% das democracias ocidentais estavam sob ataque nos três grandes pilares que as sustentam: liberdade de imprensa, eleições livres e periódicas, e independência do Judiciário.
Ele disse que o primeiro passo foi atacar a imprensa, com a inundação de notícias fraudulentas. Depois, são atacadas as eleições. Os ataques sem provas às urnas eletrônicas usadas no Brasil são um dos alvos preferidos do presidente Jair Bolsonaro.
Moraes não citou Bolsonaro nominalmente, mas mencionou o ex-presidente do Estados Unidos Donald Trump, que levantou suspeitas de fraudes na eleição que ele perdeu, e países europeus onde houve avanço da extrema direita.
"Agora vamos atacar as eleições, atacar a legitimidade das eleições. Isso aconteceu na Hungria, na Polônia. Vamos também bombardear com notícias de fraudes eleitorais. São fraudes, você olha o vídeo, que são patéticas. Mas, isso de Goebbels, a repetição de uma mentira acaba sendo aceita como uma verdade", disse Moraes.
O ministro será o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na reta final da campanha e este ano. Na palestra, ele afirmou que candidatos que comprovadamente tiverem usado a desinformação com fins eleitorais serão cassados.
"Não é possível conviver, não podemos tolerar discurso de ódio, ataques à democracia, a corrosão da democracia. A tolerância em relação à intolerância dos outros é o maior perigo que corremos. É um discurso muito fácil a pessoa que prega racismo, homofobia, machismo, fim das instituições democráticas falar que está usando sua liberdade de expressão", acrescentou.
Por fim, há o ataque à Justiça. O STF e o TSE costumam ser alvos de ataques de Bolsonaro e seus apoiadores. No Brasil, ele disse que essa situação começou a ser sentida há três anos e pouco:
'Há três anos e pouco começou a ser sentido esse ataque à imprensa, às urnas eletrônicas, às eleições e ao Poder Judiciário, quando lá atrás, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli instaurou o inquérito das fake news".
Ele disse que não pretende arquivar o inquérito das fake news, porque está chegando aos financiadores das notícias falsas.
"As pessoas não entendem que a investigação tem o seu momento público, e tem seu momento sigiloso, que no mais das vezes é o mais importante, em que vai costurando as atividades ilícitas que a Polícia Federal está investigando em relação a isso. A desinformação é tanta, que acaba, como eu disso, foi o primeiro tópico, o primeiro dos pilares da democracia que vêm sendo atacados, acaba confundindo a própria imprensa. Porque tudo fica notícia. Para a imprensa tradicional conseguir concorrer com esse mar de desinformação, acaba tendo que divulgar numa velocidade que às vezes não é a velocidade necessária para checar as informações", disse Moraes.