As ações decorrentes da Operação Lava-Jato foram marcadas por uma série de derrotas em 2021, que livraram de punição diversos alvos das investigações, desde o ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva, passando por emedebistas, como os ex-deputados Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves, e aliados do presidente Jair Bolsonaro, casos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP). Analistas avaliam que anulações de sentenças geram insegurança jurídica às investigações em curso e podem passar à sociedade uma imagem de retrocesso.
O mais recente revés ocorreu na ação penal da Operação Sépsis, um dos braços da Lava-Jato que apurou a existência de um esquema de corrupção na Caixa Econômica Federal. Em julgamento na terça-feira, a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região anulou a sentença da 10ª Vara Federal de Brasília que condenou Eduardo Cunha a 24 anos de prisão por corrupção e lavagem e Henrique Alves a oito anos por lavagem de dinheiro.
O relator, desembargador Ney Bello, usou um argumento processual: como a denúncia chegou a acusá-los de crimes eleitorais, o caso deveria ter tramitado na Justiça Eleitoral. Com isso, decidiu que a sentença era nula e, portanto, a ação deveria recomeçar na Justiça Eleitoral do Rio Grande do Norte.
Veja quem foram os políticos beneficiados pelas anulações de sentenças e qual a análise de juristas sobre as consequências das derrotas da Lava-Jato.
Provas cabais:
Esse caso é emblemático por ter um dos mais fortes conjuntos probatórios apurados na Lava-Jato: a investigação rastreou pagamentos feitos no exterior pelo empresário Ricardo Pernambuco, da Carioca Engenharia, a uma conta na Suíça aberta em nome de Henrique Alves. Em nota, a defesa de Alves afirmou que todas as acusações lançadas contra ele “foram julgadas improcedentes”.
Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello afirmou que essas revisões provocam “perplexidade”:
— Porque o que se quer quanto à ação do estado-juiz é segurança, e segurança não se coaduna com a volta ao estado anterior. Isso é péssimo em termos de segurança jurídica.
Para o procurador regional da República Ubiratan Cazetta, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), as anulações de condenações de casos envolvendo corrupção afetam diretamente o trabalho de procuradores, juízes e delegados, uma vez que mudam entendimentos que vinham sendo adotados até então, transmitindo uma imagem de retrocesso para a população:
— Essas mudanças trazem uma preocupação sobre qual é a coerência do nosso sistema. Em decisões do STF em casos da Lava-Jato, por exemplo, houve, inicialmente, um entendimento de manter questões de competência, e isso mudou, radicalmente, dois ou três anos depois. Mudanças casuísticas são perigosas. Isso coloca o sistema de combate à corrupção em dúvida.
Em setembro, o STF havia anulado outra condenação de Eduardo Cunha, desta vez imposta pela 13ª Vara Federal de Curitiba. Ele era acusado do recebimento de propina de um lobista que atuava na Petrobras. As provas também incluíam transferências bancárias feitas pelo lobista a contas de Cunha na Suíça. Mas a Segunda Turma do STF entendeu que o caso deveria também ser processado na Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro e anulou a sentença, enviando o processo para ser reiniciado.
Outro cacique do MDB que se livrou das acusações da Lava-Jato foi o ex-presidente Michel Temer. Em outra das mais bem documentadas denúncias da operação, o caso da gravação de seu auxiliar Rodrigo da Rocha Loures correndo com uma mala de dinheiro, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região trancou a acusação contra Temer por entender que não havia elementos de prova para acusá-lo de relação com o caso.
Além disso, a 12ª Vara Federal de Brasília absolveu Temer numa ação que o acusava de corrupção no setor dos portos e noutra que tratava de organização criminosa no “quadrilhão do MDB”. O STF também anulou acusações contra ele que tramitavam com o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, e determinou o envio dos casos para o DF.
Outra derrota da Lava-Jato que envolveu o Rio ocorreu na última terça-feira. A Segunda Turma do STF decidiu tirar da competência de Bretas os processos da Operação Fatura Exposta, um dos braços da investigação que mirava fraudes em contratos na área da saúde. Para os ministros, as investigações devem ser distribuídas a outro juiz, porque não tinham conexão com titular da da 7ª Vara. Dentre os alvos da ação estavam o ex-governador Sérgio Cabral e o empresário Miguel Iskin.
Na avaliação de juristas, essa decisão deve dar brecha para que essa condenação contra Cabral seja anulada.
Em agosto, o STF já havia anulado a operação Esquema S, sobre gastos da Fecomércio com escritórios de advocacia. A Segunda Turma entendeu que Bretas era incompetente para atuar no caso.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem acumulado vitórias na Justiça depois que o STF anulou suas condenações impostas pela 13ª Vara Federal de Curitiba e declarou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro.
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Como as ações tiveram que voltar ao estágio inicial, elas estão passando por novo crivo dos procuradores. Nesta semana, o Ministério Público Federal em Brasília reconheceu a prescrição dos crimes atribuídos a Lula na ação do triplex do Guarujá, que foi justamente o caso responsável pela condenação em segunda instância que tirou o petista da disputa eleitoral de 2018.
Já a outra ação em que havia condenação em segundo grau, a do sítio de Atibaia, foi reapresentada, mas foi rejeitada pela 12ª Vara Federal de Curitiba em decisão de setembro.
Os caciques do PP, aliados de Bolsonaro, também se beneficiaram de decisões judiciais contrárias à Lava-Jato. Em agosto, a Segunda Turma do STF rejeitou denúncia contra Ciro Nogueira que o acusava de obstrução de Justiça, por meio da tentativa de silenciar um ex-assessor que colaborou com as investigações. Gilmar Mendes, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski entenderam que não houve caracterização de crime.
Já no último mês de março, a Segunda Turma do STF arquivou denúncia apresentada contra Ciro Nogueira, Arthur Lira e outros integrantes do PP na ação conhecida como “quadrilhão”, por entender que as provas eram insuficientes.
“Criminalização política”
Advogado de Ciro Nogueira, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirma que a Lava-Jato encampou uma tese de “criminalização da política” e uma “espetacularização do processo penal”.
— É extremamente importante que nós tenhamos hoje decisões técnicas impostas pela Suprema Corte — disse.
O deputado Aécio Neves (PSDB-MG) também já se beneficiou, em agosto, de uma decisão da Segunda Turma do STF, que determinou o arquivamento do inquérito que apurava o suposto crime de caixa dois em 2014, quando concorreu à Presidência. O colegiado entendeu que houve excesso de prazo nas investigações, que somavam mais de quatro anos, sem que a Procuradoria-Geral da República (PGR) tenha obtido provas para o oferecimento de denúncia.
Em um caso ainda sem deliberação da Corte, a PGR pediu, em junho, o arquivamento de um inquérito contra o senador Renan Calheiros (MDB-AL), envolvendo suspeitas de repasses ilícitos relacionados à obra da hidrelétrica de Belo Monte. Em outros casos da Lava-Jato, o senador já foi beneficiado com o encerramento de investigações.
Políticos colecionam vitórias recentes na Justiça contra a operação
Arthur Lira
Em março, a Segunda Turma do STF arquivou denúncia apresentada contra Arthur Lira, Ciro Nogueira e outros integrantes do PP na ação conhecida como "quadrilhão", por entender que as provas eram insuficientes.
Ciro Nogueira
Em agosto, a Segunda Turma do STF rejeitou denúncia contra Ciro Nogueira que o acusava de obstrução de Justiça, por meio da tentativa de silenciar um ex-assessor que colaborou com as investigações. Gilmar Mendes, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski entenderam que não houve caracterização de crime e livraram o ministro da Casa Civil da acusação.
Aécio Neves
Em agosto, a Segunda Turma do STF determinou o arquivamento do inquérito aberto para apurar o suposto cometimento do crime de caixa 2 eleitoral nas eleições de 2014, quando concorreu à Presidência da República. Os ministros entenderam que houve excesso de prazo nas investigações, sem que a PGR tenha obtido provas para o oferecimento de denúncia.
Eduardo Cunha
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região anulou a sentença da 10ª Vara Federal de Brasília que condenou Eduardo Cunha a 24 anos de prisão por corrupção e lavagem e Henrique Alves a oito anos por lavagem de dinheiro na Lava-Jato. Em setembro, o STF anulou outra condenação de Cunha, desta vez imposta pela 13ª Vara Federal de Curitiba. Ele era acusado do recebimento de propina de um lobista que atuava na Petrobras.
Lula
O ex-presidente teve as condenações impostas pela 13ª Vara Federal de Curitiba anuladas em abril pelo STF, que também declarou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. Nesta semana, o MPF em Brasília reconheceu a prescrição dos crimes na ação do tríplex do Guarujá. Em setembro, a 12ª Vara Federal de Curitiba rejeitou a ação do sítio de Atibaia.
Michel Temer
Em setembro, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região trancou a acusação contra o ex-presidente no caso de mala de R$ 500 mil por entender que não havia elementos de prova para acusar o ex-presidente de relação com o episódio. Em maio deste ano, foi absolvido pela 12ª Vara Federal de Brasília em duas ações. O STF também anulou acusações que tramitavam com o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, e determinou o envio dos casos para o Distrito Federal.
Moreira Franco
O ex-ministro foi atingido pela mesma decisão do ministro Alexandre de Moraes que, em abril, declarou a incompetência do juízo da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro para processar e julgar a ação penal a que ele responde ao lado de Temer pelos crimes de corrupção passiva e ativa e lavagem de dinheiro, na esteira da Operação Descontaminação.