Em entrevista veiculada na noite de terça-feira (23), o policial militar reformado Fabrício Queiroz, ex-assessor do hoje senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), atribuiu o apelido "Anjo" a um empresário de Atibaia (SP) e negou que a alcunha fosse usada para designar o advogado Frederick Wassef, que atua para o senador e já representou o presidente Jair Bolsonaro.
No entanto, mensagens trocadas pelo próprio Queiroz e por sua esposa, apreendidas pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ) durante a investigação do caso da "rachadinha", contradizem a versão apresentada pelo ex-assessor nesta semana, quase 18 meses depois da "Operação Anjo" que o prendeu no escritório de Wassef no interior paulista.
Por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as provas acumuladas pelo MP na investigação foram consideradas juridicamente nulas. A Corte adotou o entendimento de que o caso não poderia ter tramitado na primeira instância porque Flávio manteve foro privilegiado ao deixar o mandato de deputado estadual pelo de senador, em 2019.
Na entrevista ao SBT , Queiroz foi questionado sobre quem era o "Anjo", apelido que o MP identificou como sendo de Wassef — que sempre negou a alcunha. Queiroz, inicialmente, argumentou que o termo "anjo" seria comumente usado por ele para designar pessoas que o ajudam, e referiu-se a um amigo específico que teria lhe prestado auxílio enquanto esteve no estado de São Paulo. Em agosto de 2019, reportagem da revista "Veja" mostrou que o ex-assessor de Flávio fazia, à época, tratamento de um câncer no Hospital Albert Einstein, na capital paulista.
— Eu chamo as pessoas que cuidam da minha família de anjo. Quem cuida da minha família, da minha mulher. Em São Paulo, eu tive uma pessoa que me ajudou muito, que ficou muito amiga minha, no período de... Eu fiz três cirurgias. Essa pessoa me levava, ficou minha amiga. E eu chamava ele de anjo. Eu almoçava. Ele tem um restaurante... Para não dar nome à pessoa, porque a partir do momento em que dá nome essa pessoa fica visada, é difamada também, eu chamava de "Anjo". Minha família chamava ele de "Anjo" também — alegou Queiroz, que também negou que o apelido remetesse a Wassef:
— Nunca vi o Fred. Só por televisão — disse o ex-assessor.
Em parte da troca de mensagens coletada pelo MP, contudo, no dia 21 novembro de 2019, a esposa de Queiroz, Márcia Oliveira Aguiar, questionou: "Anjo falou alguma coisa ?", ao que o marido respondeu: "Não" e "ele tá em Brasilia". Três dias depois, diante da insistência de Márcia em saber notícias, Queiroz confirmou que estava na casa do "Anjo" e disse que ele estava "querendo mandar todos para São Paulo se a gente não ganhar", "aquela conversa de sempre". Entre os dias 20 e 28 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou um recurso da defesa de Flávio Bolsonaro, liderada por Wassef, para impedir o compartilhamento de dados do Coaf com o Ministério Público.
O objetivo de Flávio era anular o relatório do Coaf que havia servido de ponto de partida para a investigação da "rachadinha", ao identificar movimentações financeiras atípicas de Queiroz, apontado posteriormente como operador do esquema. No dia 27, contudo, o STF formou maioria para permitir o compartilhamento do Coaf, liberando a retomada da investigação contra Queiroz.
Na entrevista dada ao SBT, ao ser questionado se o apelido "Anjo" não se referia a "uma pessoa específica que tentava controlar seu ir e vir", Queiroz acabou citando o nome do amigo que supostamente recebera o apelido:
— A partir do momento em que eu estive debilitado pela cirurgia, tinha uma pessoa que era o Daniel que me ajudou, já me levou para hospital, já levou minhas filhas para o Rio de Janeiro... Falei o nome dele, não queria falar. É um empresário lá de Atibaia, que tinha um restaurante. Eu almoçava na casa dele... no restaurante dele, e me tornei amigo — afirmou.
Empresário de São Paulo
"Daniel" é o empresário Daniel Bezerra de Carvalho, dono de uma loja de conveniência próxima ao escritório de Wassef em Atibaia. Após a "Operação Anjo", em junho de 2020, o Jornal Nacional trouxe à tona vídeos gravados no escritório, no réveillon anterior, que mostravam Daniel junto a Queiroz e à esposa. Ao GLOBO, o empresário afirmou à época que foi algumas vezes ao escritório convertido em residência de Queiroz em Atibaia, e que um caseiro de Wassef atuava como "olheiro" do advogado, relatando a ele as atividades de Queiroz no local.
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Daniel afirmou ainda que Queiroz, Márcia e a advogada Ana Flávia Rigamonti, que trabalhava para Wassef, costumavam almoçar em sua loja, e relatou ter levado o ex-assessor a consultas médicas. Embora seja apontado hoje por Queiroz como dono do apelido, Daniel disse ao GLOBO, em julho de 2020, que nunca ouviu o amigo usar o codinome "anjo":
— Não perto de mim. Acho que eles falavam isso por WhatsApp. Aqui na loja, eles tomavam muito controle de falar essas coisas (...). Essa coisa de monitorar deve ser coisa (sic) de advogado, de alguma estratégia de defesa. Eu acredito, né? Mas não sei se o anjo é o Fred — disse Daniel.
Nas mensagens trocadas por Queiroz e Márcia no dia 24 de novembro de 2019, enquanto se desenrolava o julgamento do caso Coaf, a esposa disse achar "exagero" se mudar para São Paulo: "Mais só se estivéssemos com prisão decretada. Sabe que isso será impossível né ?", completou Márcia, antes de perguntar ao marido se o "Anjo" considerava grande a "possibilidade de não ganharmos".
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"Sim. Mas ele tá de boa. Sabe que faz", respondeu Queiroz na ocasião, antes de complementar, ainda referindo-se ao "Anjo", e cometendo um aparente erro de digitação: "ele só quer eu aí no Rio". Logo após receber esta mensagem, Márcia rebateu ao marido: "Vc quis dizer que ele não quer vc aqui no Rio . Isso ?", ao que Queiroz respondeu: "sim". Nessas mensagens, o contato do ex-assessor de Flávio está identificado como "Casa Q" no celular de Márcia.
Em dezembro de 2019, em outra troca de mensagens com Márcia, Queiroz disse que estava "em casa" com Daniel — nos dias anteriores, o ex-assessor de Flávio havia enviado para a esposa fotos de si mesmo no escritório de Wassef, onde ele residia à época.
Ao saber que o marido estava acompanhado pelo amigo naquele dia, Márcia respondeu: "Se o Fredy chegar de surpresa quero ver onde vc vai enfiar o Daniel kk".
Visita a mãe de Adriano da Nóbrega
As mensagens constam na denúncia apresentada pelo MP contra Queiroz, Flávio Bolsonaro e outros acusados no caso da "rachadinha". A denúncia, contudo, também foi anulada por decisão do STJ. Na peça de acusação, o MP também havia anexado mensagens nas quais Queiroz pede à mulher que desative a localização de seu celular quando se aproximava de Atibaia e também quando fui visitar, no interior de Minas Gerais, Raimunda Veras Magalhães, mãe do miliciano Adriano da Nóbrega. Raimunda também havia sido funcionária nomeada no gabinete de Flávio Bolsonaro, mas não comparecia ao gabinete e transferia parte de sua remuneração a Queiroz, como apontaram extratos bancários obtidos pelo MP através de quebra de sigilo.
A troca de mensagens com Queiroz mostra, em novembro de 2019, uma combinação com a esposa, Márcia, para que ela fizesse uma visita à mãe de Adriano da Nóbrega no município de Astolfo Dutra (MG). O objetivo, segundo apontou o MP a partir das mensagens, era fazer chegar a Adriano um "recado" de Queiroz, com o auxílio ainda de Danielle da Nóbrega, então esposa do miliciano, que é citado nas mensagens de Márcia como "amigo".
"A esposa do amigo vai estar com a mãe dele terça-feira, aí ela vai falar com o amigo sobre o recado. Depois que ela falar com o amigo ela vai entrar em contato comigo", escreveu Márcia a Queiroz, conforme o conteúdo recuperado pelo MP.
Na entrevista ao SBT, Queiroz negou a acusação do MP de que o encontro entre sua esposa e familiares de Adriano da Nóbrega tenha servido para discutir um possível plano de fuga em caso de avanço das investigações, e alegou que a viagem consistiu em mera visita entre amigas. Queiroz afirmou que orientava que a esposa apagasse mensagens e a localização do celular porque "qualquer coisa que a gente fala é narrativa para eles (investigadores) distorcerem".
— Minha esposa é amicíssima da mãe do Adriano. A mãe do Adriano tem Alzheimer. Minha mulher foi fazer uma visita e tirou foto descontraída, tomando cerveja. Onde que está ajudando alguma coisa aí? — questionou Queiroz.
Queiroz também argumentou, na entrevista, que não era fugitivo quando esteve em Atibaia porque não havia, à época, mandados de prisão em aberto contra ele, e classificou como "coincidência" o fato de sua esposa não ter sido encontrada pela polícia no dia da Operação Anjo. Márcia, no entanto, só se apresentou à Justiça para colocar tornozeleira eletrônica um mês depois da operação.