Na última semana, nas redes sociais, ele apoiou a rejeição da Ancine ao filme sobre FHC, classificou como “censura imaginária” o veto da Funarte ao uso de incentivo no festival de jazz que se definiu como antifascista, compartilhou uma foto em que aparece com uma roupa de super-herói. Nomeado em setembro de 2020 como secretário nacional de Fomento e Incentivo da Secretaria Especial da Cultura, o ex-policial militar André Porciuncula vem ganhando espaço sob os holofotes da pasta, principalmente os que iluminam as polêmicas.
Seguindo a cartilha do titular, o secretário especial da Cultura, Mario Frias , ele não se furta a opinar favoravelmente sobre assuntos caros ao presidente da República (de voto impresso ao regime político cubano) — prática que vem projetando a cultura como núcleo duro da ideologia governista —, cultua o “belo” como característica fundamental do que define como “arte verdadeira”, tem como principal bandeira o fim da “mamata da Lei Rouanet”. Não à toa, foi apelidado pelo chefe de “Capitão Cultura”, conferindo uma nova “patente” a um cargo considerado técnico. Alcunha que ele ironiza e exalta.
Desde o fim do ano passado, sua área se transformou no cavalo de batalha do bolsonarismo com a redução no número de projetos aprovados para captação na Lei de Incentivo à Cultura (LIC). Com a justificativa de que é preciso evitar o aumento do passivo das prestações de contas acumulado ao longo dos anos, que abarcaria mais de 15 mil análises, a pasta retém projetos que já teriam a aprovação das áreas técnicas, só dependendo da publicação no Diário Oficial para captação e execução. Duas tentativas de judicializar as liberações foram feitas por meio da OAB, mas, em ambas, os mandados de segurança foram indeferidos.
De janeiro a junho deste ano, já sob a égide de Frias, foram captados R$ 229 milhões. No comparativo, fica abaixo do valor de 2019 (R$ 297 milhões) e de 2018 (R$ 243 milhões). Só é maior (em R$ 27 milhões) em comparação com o mesmo período de 2020, quando o mundo parou por conta pandemia.
Outro número também aponta para o gargalo da atual administração, grande questão levantada pelo setor: a média de tempo entre a data de entrada e a publicação dos projetos. Este ano, ela gira em torno de 111 dias, contra 63, em 2020; 59, em 2019; e 39, em 2018. O resultado pode ter um impacto ainda maior em 2022.
"Podemos chegar a uma situação de as empresas terem recursos disponíveis para patrocínio e não ter projetos aprovados para captar", destaca Cristiane Olivieri, advogada especializada no mercado de cultura.
Nascido em 1985, André Porciuncula Alay Esteves ingressou na Polícia Militar da Bahia em 2005, foi promovido a tenente em 2009 e a capitão em 2014. Três anos depois, recebeu a Medalha Thomé de Souza, uma homenagem feita pelo vereador Alexandre Aleluia (DEM). Sócio de Porciuncula na empresa Alpen Security, Aleluia foi um dos candidatos a vereador para os quais Jair Bolsonaro pediu votos em suas lives semanais, no ano passado. Filho do ex-deputado José Carlos Aleluia, o vereador é apontado como o “padrinho” da indicação de Porciuncula à secretaria.
Desde 29 de abril, com o fim da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), Porciuncula vem ganhando musculatura. A partir do poder conferido pela publicação de uma portaria, passou a caber a ele a aprovação dos projetos inscritos na Rouanet. Segundo um dos integrantes da última CNIC, o secretário não ouvia os apelos para a realização de reuniões extras com o propósito de agilizar as análises. Em 2019, elas teriam sido feitas praticamente todas as semanas de novembro e dezembro, quando as empresas se dedicam mais ao patrocínio. E, no ano passado, não teria sido possível realizar nenhuma além do previsto.
São bem captados pela equipe os sons dos cantos gregorianos que o secretário tem o hábito de ouvir em seu gabinete quando recebe convidados, entre eles Aleluia. Segundo relatos de servidores da pasta, que preferem não se identificar, Porciuncula tem um comportamento obsessivo em relação à possibilidade de ser gravado, mandando subordinados checarem se há microfones escondidos antes de realizar reuniões.
Em sua sala, figuram o retrato oficial do presidente, uma reprodução da tela “A anunciação” (1472-1475), de Leonardo da Vinci, e uma miniatura da “Pietá” (1499), de Michelangelo, além de imagens de santos e anjos. Entre os livros, uma coletânea do teatro completo de Shakespeare, uma edição de “Dom Quixote”, e um exemplar de “Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental”, do historiador católico americano Thomas Woods.
Ativo nas redes sociais, Porciuncula gosta de fazer referência a pensadores conservadores e a citações bíblicas. Além de suas convicções políticas, defende a família e critica a “narrativa” construída contra a masculinidade (“Quando Hollywood nos informou que o novo 007 será uma mulher, muita gente ficou surpresa com o fato e achou que tudo se tratava apenas de uma ideia tola de um mau diretor ou roteirista. Não é! O caso não é um mero acidente, mas sim o resultado de uma ideologia muito bem planejada e orquestrada, que visa eliminar completamente o ethos masculino da imaginação popular ocidental”, tuitou recentemente).
Amizades
São boas as relações do “Capitão Cultura” com a família Bolsonaro. No dia 27 de junho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) exibiu em seu canal do YouTube uma entrevista com Porciuncula. A amizade com o “03”, avalia um funcionário da pasta, poderia abrir espaço para cacifar uma futura candidatura do secretário na Bahia. No dia 14 de junho, Porciuncula e Frias viajaram para Luís Eduardo Magalhães (BA), onde se reuniram com Eduardo, Aleluia e o prefeito da cidade, Júnior Maraba (DEM). Na agenda oficial dos secretários constava a pauta “Apresentação da Feira Bahia Farm Show e retomada da Cultura pós-pandemia”. Previsto para maio de 2022, o evento é voltado a tecnologia agrícola e negócios. Questionada sobre a existência de projetos culturais relacionados à feira, a pasta não respondeu até a publicação da reportagem.
Neste momento, a nova frente de batalha de Porciuncula e Frias é a votação do Projeto de Lei Paulo Gustavo, que prevê o repasse de R$ 4,2 bilhões dos recursos já aprovados e não utilizados do Fundo Nacional de Cultura (FNC) a estados e municípios. Nas redes, a dupla vêm criticando o projeto, argumentando que ele pode destruir “a política pública nacional, de responsabilidade do governo federal”.