Mensagens de celular obtidas pela CPI da Covid revelam que, mesmo após o momento em que diz ter recebido propina de um integrante do Ministério da Saúde , o policial militar Luiz Paulo Dominguetti seguiu oferecendo vacinas à pasta por um preço cinco vezes superior ao da primeira proposta. O material consta do aparelho telefônico de Dominguetti apreendido pela comissão parlamentar.
Em depoimento à CPI da Covid , o policial militar ofereceu ao Ministério da Saúde 400 milhões de doses por US$ 3,50 dólares cada. Em 9 de março, segundo mensagens do celular analisadas pela comissão, Dominguetti tentou vender vacinas por US$ 17,50 a dose, valor acima do praticado pelos laboratórios.
À CPI da Covid, Dominguetti alegou que, em fevereiro, Roberto Ferreira Dias, então diretor de logística do Ministério da Saúde, insistiu para aumentar o preço em US$ 1 dólar, ou seja, US$ 4,50, o que, segundo a versão do policial militar, corresponderia ao pagamento de propina. Naquela ocasião, Dominguetti atuava em parceria com Cristiano Carvalho, representante no Brasil da empresa norte-americana Davati Medical Supply. A empresa é acusada de fraude no Canadá.
Nas mensagens trocadas entre Cristiano e Dominguetti, não há referência a um pedido de propina. O ex-diretor de logística do ministério da Saúde é citado apenas como um contato a ser "explorado" na pasta.
Em uma mensagem enviada em 9 de março, Dominguetti disse a Cristiano, seu parceiro de negócio, ter conversado por telefone com o tenente-coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do ministério da Saúde, sobre a nova proposta de vacinas encaminhada ao ministério da Saúde. Blanco, segundo Dominguetti, estaria ajudando a convencer Roberto Dias, então diretor de logística da pasta, que demonstrava resistência nas tratativas.
Nas mensagens analisadas pela CPI, Cristiano cobrava Dominguetti insistentemente.
— Dias esta nos bastidores bloqueando. Sabe que tem o poder da câmera — disse, corrigindo-se na sequência: "caneta".
Dominguetti informou, então, Cristiano que Blanco já teria chegado no ministério.
— Hoje precisa ser resolvido — disse Cristiano.
— Blanco me ligou. Vai te ligar — informa Dominguetti.
Você viu?
— Fechou? — questionou Cristiano.
— Tá chorando no valor. 17,50 — respondeu Dominguetti.
Segundo Dominguetti, Blanco então fez com que a oferta chegasse ao ministro Eduardo Pazuello. "Dias subiu neste momento para falar com ministro", escreveu o policial militar. "Pai nosso que estais no céu!", respondeu Cristiano, torcendo para que o negócio fosse destravado.
— Pela informação que eu tenho, devido ao preço da vacina, 17,50, o ministério não tem capacidade econômica nesse momento para adquirir toda a capacidade de doses. A gente ofereceu 3,50 e não fecharam, né? E agora tá 17,50 — diz Dominguetti em um áudio a Cristiano.
O negócio não foi fechado. Em junho, o policial militar procurou dois senadores da CPI para denunciar Roberto Dias, alegando que o ministério da Saúde abriu mão de comprar 400 milhões de doses de vacinas -- e ainda solicitou pagamento de propina.
Em depoimento à CPI nesta quarta-feira, Roberto Dias negou que tenha solicitado pagamento de propina para Dominguetti.
— Não houve negociação. O que houve foi a verificação da existência das 400 milhões [de doses] — disse sobre as conversas com Dominguetti.
Dias foi exonerado na semana passada do Ministério da Saúde, pressionado pelas suspeitas de envolvimento em irregularidades na compra da Covaxin, a vacina indiana, e na negociação com Dominguetti sobre a oferta de doses de AstraZeneca.