Pouco mais de um ano após o início da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro se encontra cercado por instabilidade em diferentes frentes. Nesta quarta-feira (24), o país ultrapassou a marca de 300 mil mortes por Covid-19 , sem sinais de diminuição do ritmo de contaminação ou de aceleração da vacinação.
A condução errática do governo federal levou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do Bolsonaro, a subir o tom das cobranças. No setor econômico, a cobrança foi tornada explícita por meio de uma carta: empresários, banqueiros e economistas cobraram medidas concretas de enfrentamento à pandemia. Outra má notícia veio em formato de pesquisa: seguindo o Datafolha, 54% dos brasileiros reprovam a gestão de Bolsonaro na crise sanitária, maior nível desde o começo da crise sanitária.
Em quatro pontos, entenda os principais fatores que explicam a crise:
- Paciência do Congresso Nacional se esgotando
- Distância cada vez maior com o Judiciário
- Popularidade em queda, avaliação negativa do governo em alta
- Desgaste na economia e com diversos personagens do setor
Lira manda recado
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), passou um recado claro durante um discurso em plenário na noite desta quarta-feira: a paciência do Congresso com a condução do governo no momento mais grave da pandemia está se esgotando.
Horas após participar de reunião no Palácio da Alvorada, Lira fez uma referência indireta a um processo de impeachment . Nas palavras do presidente da Câmara, “tudo tem limite”: "mas será preciso que essa capacidade de ouvir tenha como contrapartida a flexibilidade de ceder. Sem esse exercício, a ser praticado por todos, esse esforço não produzirá os resultados necessários. Os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns, fatais. Muitas vezes são aplicados quando a espiral de erros de avaliação se torna uma escala geométrica incontrolável. Não é esta a intenção desta presidência. Preferimos que as atuais anomalias se curem por si mesmas, frutos da autocrítica, do instinto de sobrevivência, da sabedoria, da inteligência emocional e da capacidade política".
O discurso de Lira foi construído com outras lideranças, que argumentaram junto ao presidente da Câmara que a Casa não poderia “afundar junto com o governo”.
No fim da semana passada, o presidente do Senado , Rodrigo Pacheco, já havia manifestado insatisfação após Bolsonaro comparar restrições impostas por governadores a um “estado de sítio”: "não há mínima razão fática, política e jurídica, para sequer se cogitar o estado de sítio no Brasil. Volto a dizer que o momento deve ser de união dos Poderes e ações efetivas para abertura de leitos, compras de medicamentos e vacinação”.
Judiciário distante
A tentativa de Bolsonaro de trazer o Poder Judiciário para o comitê de enfrentamento à pandemia também não prosperou. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) , Luiz Fux, esteve na reunião, mas afirmou que não fará parte do grupo. Como existe a possibilidade de formulação da políticas públicas conjuntas, que eventualmente poderão ser questionadas junto ao próprio STF, Fux e os outros integrantes da Corte definiram que a participação não poderia ocorrer.
"Conforme deliberado neste plenário em nossa última sessão, ficou explícito na reunião que o Supremo Tribunal Federal não fará parte do comitê, uma vez que cabe ao Poder Judiciário aferir a legitimidade dos atos que serão praticados. Eu explicitei em minha fala que este Supremo tem sido o guardião imediato da saúde do povo, diante de centenas de decisões tomadas ao longo da pandemia, sempre observando a ciência", disse Fux em plenário, após o encontro.
Na terça-feira, outro movimento do STF foi contrário aos interesses do Palácio do Planalto. O ministro Marco Aurélio Mello barrou a ação em que o governo federal questionava decretos em que os governadores do Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Bahia estabeleceram medidas de restrição de circulação, em função do agravamento da pandemia.
Popularidade em queda
Em meio à sequência de recordes diários na média móvel de casos de coronavírus, a última pesquisa Datafolha mostra que 54% da população avaliam como ruim ou péssima a atuação presidencial na crise sanitária. A avaliação negativa sobre a postura do governo no enfrentamento à Covid-19 deu um salto de seis pontos percentuais em dois meses – o índice era de 48% em janeiro.
Quando perguntados sobre a administração do país em geral, a reprovação chega a 44%, mesmo patamar de junho do ano passado, último ponto antes de uma sequência de queda turbinada pelo pagamento do auxílio emergencial. Depois de chegar a 32% em dezembro, o índice voltou a subir até repetir o maior valor desde o início do governo.
O governo é tido como ótimo ou bom por 30% – eram 31% em janeiro – e como regular por 24% – eram 26% há dois meses. A aprovação também é maior do que a média entre empresários (55%), moradores do Sul (39%) e evangélicos (37%). A reprovação, por sua vez, tem seus maiores índices entre quem concluiu o ensino superior (55%), pretos (55%), aqueles com renda mensal acima de dez salários mínimos (54%) e entre moradores do Nordeste (49%).
Desgaste na economia
A relação com o mercado, que já não atravessava o melhor momento, ganhou um novo capítulo nesta semana. Cerca de 200 economistas, banqueiros, empresários e acadêmicos assinaram juntos uma carta intitulada “País Exige Respeito; a Vida Necessita da Ciência e do Bom Governo” . O texto classifica o cenário atual como “desolador” e não se esquiva ao apontar que o governo “subutiliza ou utiliza mal os recursos de que dispõe, inclusive por ignorar ou negligenciar a evidência científica no desenho das ações para lidar com a pandemia ”.
A carta enviada ao governo é assinada por nomes como Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central ; Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda; Roberto Setubal, copresidente do Conselho de Administração do Itaú Unibanco; e Pedro Parente, presidente do Conselho de Administração da BRF. Ao todo, documento leva a assinatura de quatro ex-ministros da Fazenda, além de cinco ex-presidentes do Banco Central e do BNDES .
De acordo com o grupo, “o efeito devastador da pandemia sobre a economia tornou evidente a precariedade do nosso sistema de proteção social” e, além do auxílio emergencial, “não devemos adiar mais o encaminhamento de uma reforma no sistema de proteção social, visando aprimorar a atual rede de assistência social e prover seguro aos informais”.