No livro recém-lançado “Sem data venia: um olhar sobre o Brasil e o mundo”, o ministro Luís Roberto Barroso diz que dois colegas de Supremo Tribunal Federal (STF) que antes haviam votado pela prisão de condenados em segunda instância cederam à pressão “dos que pretendem que tudo permaneça como sempre foi”.
Embora não tenha mencionado os nomes, o placar no STF foi alterado no fim do ano passado, barrando a detenção após sentença de segundo grau, porque Gilmar Mendes e Dias Toffoli mudaram o entendimento que já tinham manifestado em julgamento anterior sobre o assunto.
Se antes tinham votado pelas penas antecipadas, em 2019 mudaram de ideia e votaram pela possibilidade de condenados aguardarem em liberdade até o trânsito em julgado — ou seja, até que o último recurso seja analisado nos tribunais. Em 2016, ambos haviam votado pela prisão depois de condenação por tribunal de segunda instância.
“A mais importante alteração (trazida pelo STF), sem dúvida, foi a possibilidade de execução de decisões penais condenatórias após o julgamento em segundo grau, fechando a porta pela qual processos criminais se eternizavam até a prescrição, dando salvo-conduto aos ladrões de casaca. Essa mudança, todavia, não duraria muito, justamente por haver se revelado extremamente eficaz”, escreveu Barroso.
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Segundo o ministro, “a corrupção contra-atacou com todas as suas forças e aliados, até conseguir desfazer a medida. Ressalve-se, com o respeito devido e merecido, o ponto de vista legítimo de quem entende que a Constituição impõe que se aguarde até o último recurso”.
Ainda no livro, Barroso afirmou que, em seguida, veio “a revanche dos que pretendem que tudo permaneça como sempre foi”. Ele conta que “a articulação para derrubar a possibilidade de execução das condenações criminais após a segunda instância foi o momento mais contundente da reação, logrando obter a mudança de posição de dois ministros do Supremo Tribunal Federal que, antes, haviam sido enfaticamente favoráveis à medida”.
A obra fala de temas que passaram pelo Supremo, como as decisões recentes no sentido de que o governo federal, os estaduais e as prefeituras têm atribuições no enfrentamento da Covid-19.
Segundo o ministro, a pandemia trouxe uma dimensão política que “se manifesta em uma enorme falta de liderança
e coordenação no seu enfrentamento no Brasil”. Ele afirma que “União, estados e municípios não foram capazes de construir uma estratégia harmônica, inclusive e sobretudo porque, no plano federal, ignoravam-se as recomendações da ciência e da medicina”.
'Desacerto político'
Ainda segundo Barroso, o governo federal é responsável pela crise atual. “O desacerto político, aliás, trouxe queda vertiginosa do real — moeda que mais se desvalorizou no mundo — num enorme e constrangedor desprestígio internacional. O país teve três ministros da Saúde em curto período e ainda assistiu à queda rumorosa do ministro da Justiça, em meio a outros sobressaltos. Tudo sem mencionar uma furiosa — quando não criminosa — campanha de desinformação por milícias digitais que infestam as redes sociais, produzida por vozes obscurantistas, truculentas e autoritárias”, anotou.