As eleições municipais são, em certa medida, um bom termômetro para o pleito presidencial. Quanto mais forte um partido sai das eleições que elegem prefeitos e vereadores, maior é a tendência dele possuir mais capilaridade pelo Brasil. “Com base no que acontece em eleições municipais, também vão se costurando acordos para 2022”, ressalta Flávia Martins, doutora em Ciência Política pelo IESP/UERJ e mestre pela UFPR, já antevendo o que pode vir a acontecer no próximo pleito. Bolsonaro se reelege ou outro candidato assume a presidência?
“A eleição de um presidente é a somatória do eleitorado nacional. E os partidos ainda são muito importantes para fazer essa relação entre o eleitorado e o presidente da República”, observa a cientista política Maria do Socorro Braga, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Ufscar.
Flávia Martins lembra que, este ano, o Brasil acompanhou um retorno à política . “Enquanto que em 2018 a gente estava buscando saídas fora da política, agora me parece que vai haver mais espaço a um debate de saídas por dentro dela”, diz.
O Bolsonaro e os Bolsonaros
Dos treze candidatos a prefeito para os quais o presidente Jair Bolsonaro manifestou apoio , apenas dois saíram vitoriosos: Gustavo Nunes (PSL, em Ipatinga/MG) e Mão Santa (DEM, em Paraíba/PI).
Não foram eleitos Celso Russomanno (Republicanos, em SP), Bruno Engler (PRTB, em BH/MG), delegada Patrícia (PODE, em Recife/PE), Coronel Menezes (Patriotas, em Manaus/AM), Ivan Sartori (PSD, em Santos/SP), Oscar Rodrigues (MDB, em Sobral/CE), Doutor Serginho (Republicanos, em Cabo Frio/RJ), Morgana Macena (MDB, em Cabedelo/PB) e Julia Zanatta (PL, em Criciúma/SC).
Além disso, dos 78 candidatos que fizeram uso do nome “Bolsonaro” , somente um foi eleito: um autêntico Bolsonaro. E o "filho 02" do presidente não teve um desempenho tão notável como nas eleições municipais passadas. Carlos Bolsonaro (Republicanos) foi reeleito vereador na capital do Rio de Janeiro com cerca de 35 mil votos a menos do que em 2016.
“Aquela onda bolsonarista que a gente viu em 2018 não aconteceu em 2020. Ele não elegeu qualquer político assim fácil , pelo contrário”, pontua Maria do Socorro Braga. Na análise da cientista política, as eleições municipais de 2020 teriam funcionado como um plebiscito em relação ao presidente da República e ao seu governo, “revelando a percepção, que não foi positiva, do eleitorado sobre sua administração”.
Presidente sem partido
As urnas deram outro recado importante para o presidente Jair Bolsonaro. “Os partidos que vêm apoiando mais o presidente, o chamado Centrão , saíram fortalecidos. Essa base deve cobrar um preço muito mais alto para continuar apoiando ele nos próximos dois anos”, diz Braga.
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O Progressistas (PP) e o Partido Social Democrático (PSD) são as duas siglas com maior número de prefeituras do Centrão . Eles irão comandar, respectivamente, 685 e 655 cidades a partir de 2021. Em seguida, há o Partido Liberal (PL) com 345, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) com 212 e o Republicanos com 211.
Maria do Socorro Braga acredita que Bolsonaro pode vir a se filiar a alguma legenda do Centrão. “É bem possível que ele se filie ao PP, dado o desempenho da sigla nessas eleições e sua capilaridade pelo país”, analisa.“Mas é possível também o Republicanos, uma vez que parte dos seus filhos também já se filiaram a esse partido ”, complementa.
Ela observa que criar um novo partido, como o Aliança pelo Brasil, não parece ser viável. “Não é como lá em 2018, que ele foi considerado um outsider apesar de já estar há 30 anos na vida política. Agora Bolsonaro tem também atrás dele uma vidraça, uma vitrine, em relação a sua administração”. Por isso, no entendimento de Braga, o presidente “precisa sim de um partido agora muito mais do que antes”.
O caminho até 2022
Na avaliação de Flávia Martins, principalmente a filiação ao Republicanos seria uma alternativa para o presidente. Ela pontua que, apesar do voto do eleitor brasileiro muitas vezes estar vinculado à imagem individual do candidato, quem organiza as eleições , em termos de estrutura, são os partidos. Por isso, ela analisa que, em 2020, o fato de Bolsonaro não estar ligado a nenhum partido pesou contra ele.
“Talvez ele tenha entendido algumas coisas da lógica da relação entre Executivo e Legislativo que possam mudar a compreensão dele, inclusive em termos de que ele precisa do apoio para governar”, afirma Martins.
A cientista política também comenta que, a partir das eleições municipais deste ano, deve ocorrer uma reorganização partidária no Brasil. “Ocorreu um fortalecimento de partidos de direita que souberam se estabelecer nesse novo contexto político e deve haver uma reconfiguração do campo da esquerda”, afirma.
Martins explica que partidos de direita como DEM, PP e PSD cresceram e “souberam fazer dos limões, uma limonada”, o que pode soar como uma ameaça para Bolsonaro.
Ela também pontua que, embora as siglas de esquerda não sejam consideradas vitoriosas, houve a emergência de algumas legendas como não se via há um tempo. O destaque do PCdoB e do PSOL, por exemplo, configura novos nomes que podem passar a atuar de forma mais significativa dentro do jogo político.