Quando carros da Polícia Federal passaram pela última curva do entorno do Parque Guinle, começou a ser escrita, no início da manhã de ontem, mais um triste capítulo da história de um estado que viu seus últimos quatro governadores irem para a cadeia. Wilson Witzel, o atual morador do Palácio Laranjeiras e alvo de um processo de impeachment , não chegou a ser preso, como queria a Procuradoria Geral da República (PGR), mas o ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu afastá-lo por 180 dias da administração fluminense por suposto envolvimento em desvios de recursos da Saúde.
Assim como a residência oficial do governador, a casa de seu vice, Cláudio Castro, foi alvo de um mandado de busca e apreensão. E a do presidente da Assembleia Legislativa ( Alerj ), André Ceciliano, também. Ou seja, hoje, parte do alto escalão do cenário político do Rio está sob investigação por suspeita de corrupção.
Uma outra figura importante da política teve a residência vasculhada por policiais federais, e acabou recebendo voz de prisão. O pastor Everaldo Pereira, presidente nacional do PSC (partido de Witzel e Castro) abriu a porta de sua cobertura no Recreio para os agentes e, após dizer “não tem dinheiro em casa”, foi obrigado a seguir para a Superintendência da Polícia Federal, na Praça Mauá. Em sua delação premiada, homologada no último dia 12 pelo STJ, o ex-secretário de Saúde Edmar Santos disse que era Everaldo quem realmente mandava na pasta, coordenando um esquema de pagamentos de propina.
Batizada de Tris in Idem (uma referência ao fato de Witzel ser o terceiro governador do Rio , depois de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, investigado pela suposta adoção de um mesmo modelo de desvio de recursos), a operação de ontem foi um desdobramento da Placebo, que apura superfaturamento de contratos.
O procurador federal Eduardo El Hage comentou que se sentia “num túnel do tempo” enquanto trabalhava no caso: "constatamos pagamentos de vantagens indevidas por meio de transportadoras de valores, como fazia Cabral. É como se estivesse revendo fatos que já tinha investigado".
De acordo com a Polícia Federal, oito pessoas que estavam em liberdade foram presas, além de Everaldo, dois filhos do pastor e o ex-secretário de Desenvolvimento Econômico Lucas Tristão (outras três denunciadas já se encontravam na cadeia). Mas, segundo fontes da investigação, a procura por provas de corrupção pode ser revelar mais importante que a detenção temporária dos suspeitos.
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Ao todo, foram cumpridos 83 mandados de busca e apreensão em seis estados — parte dos suspeitos tem imóveis fora do Rio, como o secretário da Casa Civil, André Moura, cuja família mora em Sergipe. No Palácio Laranjeiras, a procura por arquivos físicos e digitais foi motivada pela quebra de sigilo de dados eletrônicos. O Ministério Público Federal (MPF) encontrou duas mensagens de e-mail do governador que o mostram intermediando contratos da primeira-dama, a advogada Helena Witzel, com o Hospital Jardim Amália Ltda (Hinja), que pertence à família do ex-prefeito de Volta Redonda e ex-deputado estadual Gothardo Lopes Netto. Apontado como braço direito de Witzel, ele é uma das pessoas presas.
O estado tem contratos com a GLN Serviços Hospitalares e Assessoria Ltda., também da família de Gothardo e cujo endereço é o mesmo do Hinja. O governo paga à empresa R$ 445 mil mensais e R$ 5,3 milhões anuais para custeio de assistência oncológica. Segundo a investigação, Helena não participou diretamente da negociação do contrato, mas o hospital se comprometeu a lhe dar R$ 30 mil por mês, com um adiantamento de R$ 240 mil. No entanto, aponta o Ministério Público Federal, a primeira-dama acabou recebendo R$ 280 mil. O MPF afirmou não ter localizado provas da prestação dos serviços.
O escritório de advocacia de Helena ainda recebeu R$ 554,2 mil de quatro entidades de saúde. O Ministério Público Federal informou que parte do dinheiro acabou parando em contas bancárias do governador. Witzel e a mulher foram denunciados por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Comissão está mantida
Eleito em 2018 com uma bandeira de combate à corrupção e o apoio da família Bolsonaro, o ex-juiz federal Wilson Witzel também se notabilizou por um duro discurso contra o crime, chegando a defender “um tiro na cabecinha” de traficantes armados. Ontem, levou um outro duro golpe da Justiça. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes manteve a tramitação do processo de impeachment contra o governador na Assembleia Legislativa. Ele revogou uma decisão do presidente da Corte, Dias Toffoli, que havia determinado a formação de uma nova comissão parlamentar para analisar o caso. O processo estava suspenso; agora, o governador tem um prazo de três sessões plenárias para apresentar sua defesa aos 69 dos 70 deputados que votaram por sua abertura (um se absteve).
Em um pronunciamento, Witzel questionou o fato de ter sido afastado por uma decisão monocrática — a Corte Especial do STJ julgará a medida na próxima quarta-feira. Ele acusou o ministro Benedito Gonçalves de ter sido “induzido” por Lindora Araújo, subprocuradora-geral da República, que, nas suas palavras, “está se especializando em perseguir governadores e desestabilizar os estados com investigações rasas”. Em nota, ela o orientou a manifestar e rebater seu descontentamento nos autos.
Com Chico Otavio, Carolina Brígido, Daniel Biasetto, Juiana Dal Piva, Maiá Menezes, Vera Araújo e Rafael Nascimento de Souza