Com a chegada de ferramentas digitais de comunicação, o processo de construção de um novo político passou por muitas transformações. Fatores como tempo de rádio e TV e campanha de rua ainda têm suas importâncias, mas, de acordo com especialistas ouvidos pelo iG , montar uma estratégia de comunicação por meios digitais se tornou indispensável. Até mais do que ter um conhecido no poder público que sirva como a figura do ‘padrinho político’.
Diante desse contexto de mudanças, o cientista político da Universidade de São Paulo (USP) João Alexandre Peschanski explica que atualmente o que chama atenção é o modo como políticos passaram a manter contato com potenciais eleitores. “Hoje importa muito o modo como você vive nas redes. Antes disso o peso das campanhas televisivas era enorme antes”, diz Peschanski.
Campanha online x Campanha de rua
O especialista considera que as redes sociais e a internet foram responsáveis por democratizar o campo político e diminuir a quantidade de recursos para que um candidato seja eleito. “Hoje em dia, cada vez mais os orçamentos estão menos influentes, principalmente para eleições legislativas”, destaca.
Um dos políticos que teve sua trajetória nas eleições gerais de 2018 marcada pelas redes sociais foi o deputado estadual Arthur do Val (DEM-SP), conhecido por ser dono do canal ‘Mamãe, falei’ no YouTube. Ele foi o segundo deputado mais votado em São Paulo, com 470.606 votos, perdendo apenas para Janaina Paschoal (PSL-SP).
Arthur do Val era empresário, até que seu descontentamento político o levou a criar seu canal em maio de 2015. No início os vídeos tinham pouca audiência, mas a popularidade do canal cresceu após a aproximação dele com MBL (Movimento Brasil Livre) e depois que ele começou as fazer vídeos de dentro de manifestações de rua, em 2016.
O coordenador nacional do MBL Renan Santos , no entanto, nega essa aproximação do movimento com um apoio político. “O MBL está sendo muito relacionado a movimentos de renovação, mas isso é uma coisa que a gente não é. O nosso movimento é mais de ativismo e a gente quer se manter afastado de uma política partidária”, afirma.
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Por conta disso, o deputado acredita que o seu principal diferencial para sua eleição foi a autenticidade. “As pessoas não estão mais buscando vendedores de candidatura, aquele cara que vai levantar a mãozinha e falar que representa o povo e que vai lutar pela vontade dele”.
Do outro lado da moeda está a campanha de rua, que, mesmo com o poder das redes sociais, ainda ocupa uma função essencial. “Você conhecer pessoalmente um político é transformador porque você começa, de algum modo, a humanizar a pessoa que quer o seu voto”, explica Peschanski.
A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), oitava mais votada em São Paulo, com 246.409 votos, é um dos casos de destaque no uso dessa estratégia corpo a corpo. “Não acho que redes sociais substituam campanha presencial”.
Para ela, o contato na rua diretamente com os eleitores, que ela chama de ‘olho no olho’, possibilita que ela preste conta do seu trabalho e tire dúvidas do eleitor. “Mostra que é uma campanha coletiva”, afirma.
A deputada, assim como diversos voluntários que a ajudaram se eleger, frequentava estações de metrô e entradas de escolas e faculdades para apresentar sua candidatura para o público. Para ela, isso constrói mais credibilidade para a campanha.
A estratégia não parou no ‘olho no olho’. Samia criou uma plataforma online, onde as pessoas podiam se inscrever e tornar-se multiplicadores da campanha, compartilhando conteúdos, contagiando outras pessoas e indo para rua divulgar a candidata. “Muita gente que eu nem conheço se inscreveu”, diz.
Michel da Silva ainda busca seu espaço na política, mas confia na campanha popular. Nascido e criado na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, e cofundador de um jornal comunitário, ele pensa que um político é formado na rua.
Embora ele ainda não tenha muitos seguidores, a construção de sua base de apoio é feita a partir de conversas presenciais. Ele até pretende aumentar a atenção às redes sociais, mas considera que a principal porta de entrada é o corpo a corpo, sendo esse o principal termômetro para medir os resultados.“Você discute tanto política que as pessoas começam a te perguntar: você vai virar candidato quando?”.
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Movimentos de formação política
Na onda de movimentos de renovação política, são várias as iniciativas que criam novos quadros de lideranças. Uma delas é Acredito , fundado em 2017 como um entidade suprapartidária que cria uma rede de apoio para os candidatos aliados ao grupo. Sua liderança mais conhecida é a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), que teve sua base de eleitores formada com apoio dos cinco mil voluntários do grupo.
Em 2018, o movimento realizou diversos eventos com foco em renovação política nos municípios em que atua. As pessoas são convidadas a se tornarem voluntárias, o que facilita a aproximação de candidatos apoiados pelo Acredito com a população. “Estar dentro do Acredito hoje é uma porta de entrada para quem quer se candidatar”, diz Samuel Emílio , coordenador nacional do movimento.
Emílio explica que uma vez que alguém aceita contribuir como voluntário, é alocado para uma função que tenha mais aptidão. Se o voluntário tem bom domínio de redes sociais, por exemplo, o foco dele vai ser ajudar nessa parte. “A gente dá uma série de tarefas para eles fazerem”, afirma.
Além da comunicação digital, o Acredito também estimula seus voluntários a fazerem panfletagem, adesivar carros, fazer campanhas na rua, organizar eventos em suas casas para receber os candidatos ou assistirem lives do movimento junto com amigos e familiares. Para Emílio, essas iniciativas são até mais importantes do que uma forte presença online. “Redes sociais não virou o jogo para a gente, mas o voluntariado virou”.
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Ainda na onda de movimentos que propõem renovação, o RenovaBR é outra iniciativa que tem trazido novos quadros para o meio político. Por meio de um curso de formação, ele tem como objetivo fazer com que jovens se engajem na política. “Entendendo que a política não é um caminho óbvio, uma opção de escolha paras as pessoas, nosso objetivo é motivar a entrada de nossos alunos no espaço político e fazê-los se transformem em candidatos”, diz o coordenador de processos seletivos do RenovaBR, Rodrigo Cobra.
No ano passado, o RenovaBR formou sua primeira turma, com 133 alunos. Desse total, 117 se lançaram candidatos e 17 foram eleitos. Nove deles se tornaram deputados federais, sete, deputados estaduais e um se tornou senador. O valor gasto com a capacitação desses alunos foi de pouco mais de R$ 9,8 milhões e as arrecadações somaram R$ 18,5 milhões, sendo que 93% desse valor veio de pessoas físicas.
Durante o curso, Cobra explica que a ideia é que os professores não façam nenhum tipo de tutoria em relação às opiniões dos alunos, se limitando a passar conteúdos como comunicação política e estimulando o estudo de dados e estatísticas.
Para evitar que os estudantes sejam associados ao RenovaBR, ao fim das aulas o coordenador conta que os estudantes se tornam “desalunos”. “Ele fica livre para tomar suas posições, tem as suas próprias ideias e votar da maneira que entender melhor. Nossa intenção não é ser um player político”, completa o coordenador.
Segredo do sucesso
Segundo o cientista político João Alexandre Peschanski, o que a pessoa que deseja ser eleita precisa fazer é estabelecer algum vínculo territorial ou identitário com determinado grupo de eleitores que seja suficiente para ganhar a eleição. O público veria no candidato a representação de algo. “E aí não importa muito se a pessoa mora longe ou se ela te conhece”, conta.
Na avaliação do cientista político da USP, embora o uso de redes sociais seja um recurso que será cada vez mais utilizado, as ferramentas também podem ser negativas, já que não há regularização que determine suas regras de uso, o que abre espaços para casos de difusão de mentiras e a utilização massiva de robôs, por exemplo.
“Há campanhas mais problemáticas em que você fala horrores do candidato oponente, você afasta o eleitor do oponente”, diz o cientista político.
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Um dos exemplos que Peschanski cita nesse caso ocorre em comunidades religiosas. Por serem fortes no Brasil, elas causam grande impacto no resultado de eleições e podem ajudar a eleger um candidato, principalmente na política local. “É uma forma de transmissão de confiança e também de indicação de voto direta ou indiretamente”, diz.
Para que a renovação chegue a níveis municipais, o coordenador do RenovaBR aponta como principal desafio a alta necessidade de representantes que entendam dinâmicas locais das cidades brasileiras. E a melhor forma de fazer isso, segundo Cobra, é unir o conhecimento acadêmico com temáticas próximas da vida dos cidadãos.
A medida tomada pelo RenovaBR nesse sentido foi a regionalização da aplicação do curso por meio de aulas com professores, que falam sobre a realidade fiscal dos municípios e do Brasil como um todo, e ex-secretários das cidades, por exemplo, a fim de trazer elementos que não tão vistos nas atividades acadêmicas.