Há vinte anos, no apagar do século passado, o então presidente do Congresso, Antônio Carlos Magalhães, decidiu imitar os senhores feudais da Idade Média e ordenou a construção de um fosso d’água para evitar que manifestantes furibundos contra a política econômica do governo FHC invadissem o prédio e subissem na cúpula.
Houve grita e debates sobre a tentativa de o Congresso Nacional manter distância do público, diante da emergência das multidões em Brasília. Os trabalhos contaram com a participação do arquiteto Oscar Niemeyer. O plano do criador dos palácios e da Brasília monumental contava com espaços de segurança. Foi assim que Oscar propôs a instalação de uma barreira aquática suplementar, que denominou carinhosamente de “espelho d’água”. Houve quem pensasse até em erguer pontes levadiças como no Castelo de Branca de Neve. Mas desistiram, pois desfiguraria a pureza funcional imaginada por Oscar.
A perfuração de vias secretas permite uma fuga rápida
e segura dos políticos, como se desaparecessem do palco
dos acontecimentos para ressurgir em local insuspeito
Mesmo tendo uma função de segurança, os fossos se revelaram inócuos, pois não tardou os manifestantes atravessarem o Rubicão para escalar mais uma vez as cúpulas do prédio. As invasões cada vez mais raivosas e as perguntas de repórteres exigem inovações mais eficazes. Agora, os poderosos de Brasília estão implantando soluções que consideram infalíveis. Estas lembram os recursos menos conhecidos dos veneráveis palácios da aristocracia: a perfuração de vias secretas, que permitiam uma fuga rápida e segura dos políticos como se desaparecessem do palco dos acontecimentos, para ressurgir em local insuspeito.
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Diante da crescente insatisfação popular, os presidentes dos Três Poderes se alinham para criar sendas alternativas e evitar possíveis assédios, como o que viveu o senador Eduardo Bolsonaro na semana passada, ao sair correndo pelos corredores da Câmara dos Deputados tão logo os repórteres o avistaram. Com um túnel, ele poderia ter se desmaterializado: bastaria que destampasse um buraco secreto e entrasse por ele, como em um musical da Broadway.
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Esconderijo providencial
O presidente do STF, Dias Toffoli, abriu uma passagem que liga o prédio principal ao anexo, para enaltecer o projeto de Niemeyer e, de quebra, conter a fúria da turba.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, comunica-se secretamente com Alcolumbre através de um túnel que une a sua residência à do vizinho Alcolumbre.
Davi Alcolumbre, presidente do Congresso e do Senado, costuma usar dutos camuflados na Câmara dos Deputados para sair durante as sessões sem ser notado.
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O melhor de tudo é que Oscar Niemeyer também havia pensado em passagens secretas, como as do Pallazzo Ducalle de Veneza, sua inspiração para criar Brasília. Alguns prédios são dotados de catacumbas de estuque concebidas por ele, que têm pouco alcance — foram pensadas em um cenário menos complexo. É o caso da passagem que liga o prédio do Supremo Tribunal Federal ao anexo. Ela foi usada em momentos tensos durante a Operação Lava Jato.
Com o recrudescimento da indignação popular, porém, o presidente do STF Dias Toffoli mandou escavar uma passagem mais longa e profunda. As obras já começaram no subsolo do prédio, onde funcionava a TV Justiça, que foi retirada de lá, sob pretexto de que o ambiente, infestado de ratos, punha em perigo as equipes que trabalhavam lá. O túnel, equipado com garagem, permitirá que ministros e autoridades transitem pelas dependências do STF protegidas do olhar da plebe. “Não se trata de projeto de garagem”, Toffoli comunicou em um texto oficial, “mas de uma decisão que, ao mesmo tempo, visou (sic) promover a sinergia entre as equipes de comunicação do tribunal e restabelecer o projeto histórico original de Niemeyer”.
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Outros palácios são dotados de galerias confidenciais similares. No Palácio da Alvorada, um atalho subterrâneo liga a residência de Bolsonaro a um recanto oculto no Lago Paranoá. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mantém um túnel que une a sua residência à do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), localizadas na área nobre do Lago Sul. O ministro da Justiça, Sergio Moro, também costuma utilizar dutos de emergência. Entra e sai “à francesa”. Para isso, recorre à saída de emergência próxima à sala da presidência da Comissão de Constituição e Justiça, para a qual é sempre chamado.