BRASÍLIA - O ministro Rogério Schietti Cruz da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça ( STJ) votou a favor de um recurso do Ministério Público Federal ( MPF ) que pede que os seis réus no caso do atentado ao Riocentro , em 1981, no Rio de Janeiro, sejam julgados por crimes contra a humanidade. Schietti é relator do caso e foi o único dos dez ministros a votar nesta quarta-feira, já que, após seu voto, houve um pedido de vista feito pelo ministro Reynaldo Soares .
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Em seu pronunciamento, Schietti defendeu que o atentado deve ser considerado como um crime contra a humanidade e, por isso, não pode ser prescrito, como entendeu o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). Ele disse também que a lei de Anistia não interfere neste caso, uma vez que o atentado ocorreu após a promulgação da lei, em 1979.
"É possível concluir que o atentado do Riocentro fez parte de uma série de ataques orquestrada por integrantes do DOI-CODI e do SMI contra a dita ameaça comunista, personificada nos agentes opositores do Regime Militar", afirmou.
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De acordo com ele, os autores dos "sucessivos ataques a bomba em bancas de jornal, redação de jornais, prédio da OAB
, além do ocorrido no Riocentro", eram agentes do Serviço Nacional de Informações e do Destacamento de Operações de Informações e a prática teria ocorrido em um "contexto de ataque sistemático a aqueles que publicamente contrariavam o governo militar, em clara tentativa de forçar um movimento de repressão", o que permite configurar os atos como crimes contra a humanidade.
O ministro afirmou também que as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o governo brasileiro nos casos da Guerrilha do Araguaia e do assassinato do jornalista Vladimir Herzong, ambas relacionadas a crimes praticados na ditadura, servem como base para classificar o atentado dessa forma e também para orientar o judiciário brasileiro.
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Em relação a esses dois julgados, a conclusão que se pode tirar é que nesse intervalo de nove anos, entre as duas decisões, a Corte Interamericana de Direitos Humanos foi clara em reconhecer a desídia estatal na apuração de eventuais crimes contra a humanidade perpetrado durante tal regime - afirmou.
Essa é a segunda tentativa de punir os culpados pelo atentado. Em 1999, seguindo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), a Justiça militar concluiu que os responsáveis estavam anistiados. Entre os envolvidos estão militares que trabalhavam no Destacamento de Operações de Informações (DOI) e no Serviço Nacional de Informações (SNI), durante o período da Ditadura Militar.
PROCESSO
No julgamento desta quarta, os ministros do STJ analisaram um recurso do MPF contra a decisão de segunda instância que trancou a ação. Na ocasião, o TRF-2 considerou o caso como julgado, citando a decisão do Supremo Tribunal Militar (STM) e a lei de Anistia. Os desembargadores também negaram a possibilidade de crime contra a humanidade, por acreditarem que não se trata de um crime de governo.
Após essa decisão, o MPF recorreu. No entendimento do Ministério Público, os crimes ocorreram após a Lei da Anistia e foram cometidos no contexto de uma ditadura. Por isso, são considerados crimes contra humanidade e imprescritíveis tanto pelo direito internacional quanto pela decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Brasil em 2010.
ENTENDA O CASO
No dia 30 de abril de 1981, durante um show para comemorar o Dia do Trabalhador, no Complexo do Riocentro, na Barra da Tijuca, um grupo de militares - contrários ao processo de abertura política que o Brasil vivia e o fim das ações ostensivas da repressão - organizaram uma ação armada que pretendia culpar grupos de esquerda pela violência. A ideia era criar uma sensação de caos onde os núcleos da comunidade de informações voltassem a ganhar espaço no governo do general João Figueiredo, então presidente da República.
As investigações do MPF apontam que os militares estavam organizados em pelo menos quatro equipes operacionais para o atentado. Foram denunciados por homicídio doloso duplamente qualificado por motivo torpe, associação criminosa armada e transporte de explosivo o coronel reformado Wilson Luiz Chaves Machado, o ex-delegado Claudio Guerra e os generais reformados Nilton de Albuquerque Cerqueira e Newton Araujo de Oliveira e Cruz.
Já o general reformado Edson Sá Rocha foi denunciado por associação criminosa armada e o major reformado Divany Carvalho Barros por fraude processual. As penas de Wilson Machado, Claudio Guerra e Nilton Cerqueira podem chegar a 66 anos e 6 meses de reclusão, e a de Newton Cruz a 67 anos.
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Além disso, o MPF pede ainda que os denunciados sejam condenados à perda do cargo público, com o cancelamento de aposentadoria, à perda de medalhas e condecorações obtidas e a pagar indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 500 mil, a ser dividido pelos denunciados.