Se os fatos estão contra mim, pior para os fatos. Eles podem ser torcidos, retorcidos, distorcidos e… escondidos. Esse é o método antidemocrátrico e autoritário pelo qual Jair Bolsonaro lida com a realidade quando, pobre coitada, não lhe agrada. Ao seguir a linha que preconiza camuflar aquilo que é ruim, o presidente demonstra dois traços de sua personalidade perigosos para o Brasil: a tendência à promoção de inverdades e o seu baixo limiar de tolerância diante de uma frustação.
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O episódio dos índices sobre o desmatamento da Amazônia, no qual Bolsonaro desqualificou ofensivamente o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), demonstra claramente tal temperamento, estratégico no campo da política rasteira que move aqueles vocacionados às ditaduras, mas, ao mesmo tempo, inevitável às pessoas que não suportam ouvir um não pela frente – indivíduos assim, mais cedo ou mais tarde, podem explodir em incontinências verbais (se ficarem só no verbal, lucro total para a Nação).
A política da motosserra
Instituição conceituada em todo o mundo, em apenas sete meses de gestão Bolsonaro, o Inpe demonstrou que a floresta Amazônica foi ceifada em quatro mil e trezentos quilômetros quadrados. Em comparação com junho de 2018, vemos hoje um salto de 88% no desmatamento ; no mês passado, no espaço de vinte e cinco dias, foram arrasados mil e oitocentos quilômetros quadrados, o equivalente ao triplo apontado em 2018. Nesse afã das motosserras, desde que Bolsonaro tomou posse, as árvores vêm tombando a uma taxa que equivale a cerca de duas áreas de Manhattan (118,2 Km2) por semana. O dado é da revista britânica “The Economist”, uma das mais conceituadas do planeta, devorada em leitura por diversos presidentes – Bolsonaro, que tanto diz gostar de Donaldo Trump, deveria saber que o presidente americano a respeita nas informações.
Aqui, no entanto, é diferente: espertamente esconde-se o que é ruim. Pior: por intermédio de seu apático ministro Marcos Pontes, Bolsonaro demitiu o presidente do Inpe, Ricardo Galvão. Em sua política de esconde-esconde, o capitão da reserva agiu como os reis absolutistas que degolavam os mensageiros que lhes transmitiam más notícias – como se a culpa pela realidade não corresponder aos seus desejos fosse do portador da informação. No lugar de Galvão, o ministro Pontes colocou interinamente um militar (imagina se não!): o coronel da reserva da Aeronáutica Darcton Policarpo Damião, que anuncia grandes revoluções metodológicas. Se os fatos não entrarem no cabresto, é provável que assistamos, lembrando Lima Barreto, ao “triste fim” desse Policarpo, que não é o Quaresma.
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Falando-se em degola nos cargos, também o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Roberto Leal, estava por um triz, pelo menos até a quarta-feira (7). O órgão que dirige, valendo-se de sua competência institucional, averigou e descobriu suspeitas movimentações financeiras do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Repassou tais dados ao MPF. Eis o real. Eis que Bolsonaro não gostou desse real. Eis que Bolsonaro quer criar outro real – para esconder da gente aquilo que é ruim em seu filho.
Tem mais: como Bolsonaro já defendeu a ditadura militar e até torturadores, ele igualmente quer esconder a verdade histórica sobre o corpo de Fernando de Santa Cruz, assassinado nos porões do regime de exceção. O presidente inventou a versão de que companheiros guerrilheiros de Santa Cruz o assassinaram, não percebendo sequer que estava indiretamente chamando de mentirosas as próprias Forças Armadas que atestam o assassinato do oponente à ditadura. E lá veio, aí, uma degola em massa: o presidente trocou quatro dos sete membros da Comissão de Mortos e Desaparecidos, e entre os novos colocou inclusive (imagina se não!) um público entusiasta do regime: Felipe Barros, deputado federal pelo PSL. Nessa toada, na qual a verdade tem de se submeter a caprichos, idiossincrasias e oportunismo, é aconselhável que até mídia esportiva se cuide: quando o Palmeiras perder, Bolsonaro vai exigir que se diga que o time ganhou.