Caso Flordelis: a história e os mistérios do assassinato de Anderson do Carmo
Marido da sexta deputada federal mais votada do Rio, o pastor foi morto a tiros na porta de casa; dois filhos da parlamentar estão presos pelo homicídio
Por Matheus Alleoni e Matheus Collaço |
06/07/2019 05:00:33A morte de Anderson do Carmo, que aconteceu na noite do último dia 15 de junho, tomou conta do noticiário nacional. O pastor, que era marido de deputada federal Flordelis, foi executado a tiros na entrada de casa, poucos minutos após ele e a parlamentar voltarem de um passeio.
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A morte do Anderson ganhou enorme repercussão por conta da parlamentar e a tragédia ficou conhecida como " caso Flordelis
". O casal era fundador da igreja Ministério Flordelis, no Galo Branco, em São Gonçalo e a pastora foi a sexta deputada federal mais votada no Rio de Janeiro nas últimas eleições. Eles também ganharam fama pelo tamanho da família: eles são pais de 55 filhos, a grande maioria adotados.
A história
À princípio, o crime era tratado como uma tentativa frustrada de assalto. O principal indício era o depoimento da própria Flordelis, que estava com o marido no momento dos tiros e disse que Anderson morreu "tentando defender a família".
No entanto, a investigação mudou de rumos rapidamente e começou a apontar que, na verdade, a morte do pastor havia sido premeditada. Ainda no velório de Anderson, Flávio dos Santos, filho biológico de Flordelis, foi detido pela polícia por envolvimento no crime.
Logo após a prisão, a deputada se irritou e defendeu o filho. "Isso é uma grande mentira, uma inverdade. É especulação. Não vou permitir que ninguém acuse nenhum dos meus filhos sem ter provas", declarou.
Pouco tempo depois, os policiais também prenderam Lucas dos Santos, filho adotivo do casal. Ele foi detido na casa onde Anderson do Carmo foi morto. No mesmo dia do enterro, os dois prestaram depoimento na Delegacia de Homicídios de Niterói. Flordelis, que acompanhou os filhos, voltou a defendê-los.
"É ridículo. Estão acusando sem provas. Ele [Anderson] morreu defendendo a família, é nisso que eu acredito", disse.
Os dois permaneceram detidos e tiveram prisão temporária decretada no dia 20 de junho. Nesse meio tempo, de acordo com a polícia, Flávio confessou que deu seis tiros no padrasto. O depoimento do acusado, no entanto, tinha contradições. Uma das linhas de investigação é que os irmãos teriam se voltando contra Anderson por conta de um suposto caso extraconjulgal do pastor. Flordelis, novamente, negou.
No dia 21, toda a família foi convocada para prestar depoimento e um dos filhos de Flordelis, que não teve a identidade revelada, implicou a própria mãe e três irmãs no crime. O jovem afirmou que não ouviu barulho de carro ou moto em fuga. Flordelis havia dito que viu duas motos seguindo o carro e que, depois de o casal entrar em casa, Anderson voltou para buscar algo no carro. O filho ainda relatou que encontrou Flávio ao lado de Anderson, que estava caído no chão. A parlamentar não se pronunciou sobre a informação.
Dois dias depois, quando o crime completou uma semana, a deputada foi às redes sociais e, novamente, defendeu os filhos. “Acusam meus meninos, mas eu tenho esperança de os acusadores estarem errados e quero muito confiar na Justiça. É uma dor, às vezes, insuportável", escreveu
Já no dia 25, um novo capitulo surgiu na investigação. A defesa de Flávio dos Santos colocou em dúvida a suposta confissão do enteado de Anderson do Carmo. O advogado Anderson Rollemberg, que defende o filho biológico de Flordelis, disse que seu cliente contou não ter confessado o crime.
“Ele falou pra mim que não confessou. Não existe confissão . A autoridade diz que houve confissão, mas [ele] disse pra mim que não confessou [o crime ]”, justificou. Rollemberg também contesta o vídeo que a polícia diz ter gravado com a confissão de Flávio sobre o assassinato. “Vocês viram o vídeo? Eu não vi o vídeo”.
Questionado pela imprensa se poderia pedir a anulação do depoimento, o advogado respondeu: “Não tenha dúvida”.
“Se ela [a confissão] existe, eu estou dizendo desde já que ela não é idônea. Quem nos garante que ele [Flávio] assinou [o depoimento] de livre e espontânea vontade”, questionou. Ele afirma também que Flávio não prestou depoimento formal à polícia.
Um dia depois, Flodelis, pela primeira vez, admitiu a possibilidade dos filhos estarem envolvidos no crime. “ Se for provado que foram os meus filhos, eu quero que eles sejam punidos, quero justiça. Seja quem for que cometeu tal ato. Quero justiça pelo o que aconteceu ao meu marido”, afirmou. No entanto, ela voltou a dizer que ainda acreditava na inocência dos filhos.
Em uma nova entrevista, dias depois, a parlamentar mudou de opinião e disse que "não acreditava mais em nada".
Já nesta sexta-feira (5) , a deputada voltou às redes sociais para desabafar contra as pessoas que a acusavam de participação no crime. "Já me sentenciaram sem que eu tivesse um julgamento. Acusar sem ter certeza é um ato indecente e covarde. Tem aparecido tanta gente pra me julgar, me intimidar, me desejar mal. Deixem eu chorar em paz pela perda do meu marido, meu cúmplice, meu amigo", escreveu.
Os mistérios
Quase um mês após a morte, diversas pontas permanecem soltas na investigação. Celulares e arma do crime desaparecidos, a real motivação, o número de tiros que atingiram o pastor e até uma explicação para a fogueira encontrada no quintal da casa de Flordelis são alguns dos temas que a polícia ainda precisa entender.
1 - Arma do crime
Até o momento, a única arma que foi relacionada ao crime é a encontrada no quarto de Flávio dos Santos, filho de Flordelis que está preso. Apesar de ser o principal suspeito, a defesa sustenta que a arma pode ser sido plantada pelos investigadores.
Além disso, a polícia revelou que ainda não recebeu o laudo do Instituto de Criminalística sobre o teste realizado na arma, uma pistola 9mm. A corporação pediu agilidade no processo, para que a investigação possa continuar.
2 - Celulares desaparecidos
Ainda não foram encontrados os aparelhos de Anderson do Carmo e de Flávio dos Santos . Porém, a polícia já sabe que o aparelho que pertencia ao pastor foi utilizado após o crime e mensagens foram enviadas a grupos da família.
Uma testemunha, inclusive, disse ter visto uma neta do casal atirando o aparelho no mar . O homem seria o mototaxista que levou a jovem até uma praia de Niteroi e viu o momento em que ela se livrou do celular.
Em depoimento, Michele do Carmo, irmã do pastor assassinado, disse ter visto o celular do irmão na casa de Flordelis após o crime. Até o momento, este é o último ponto em que a investigação sabe do paradeiro do aparelho. Porém, nem mesmo esta informação foi confirmada ou desmentida.
3 - Causa da morte e autoria
Inicialmente apontado como principal suspeito, principalmente após confessar o crime , Flávio dos Santos voltou atrás e afirmou ao seu advogado que não matou o pai adotivo. Com isso, a defesa entrou com um pedido de anulação da confissão , afirmando que ela não foi obtida de forma idônea.
Com isso, a polícia ainda não sabe quem é o verdadeiro autor do crime. Seguidas vezes, Flordelis chegou a afirmar que acreditava na participação dos filhos no caso, mas acabou voltando atrás, preferindo se manter na linha da ‘busca por justiça’ .
Além disso, outro ponto que segue incerto é de como se deu a morte do pastor. Na confissão, Flávio disse ter atirado seis vezes no pai, mas exames apontaram pelo menos 30 disparos. A polícia, no entanto, não sabe precisar quantos orifícios são de entrada ou de saída, nem quantos foram realmente dados na vítima.
4 - Motivação
No início da investigação, a parlamentar afirmava que a morte tinha acontecido durante uma tentativa de roubo. Porém, conforme os fatos foram surgindo, a possibilidade de um latrocínio, um roubo seguido de morte, acabou caindo por terra.
Na sequência, surgiu a informação de que a morte poderia ter sido motivada por um caso de adultério de Anderson, o que teria causado a ira dos filhos e da deputada. A hipótese ganhou força pelo fato de o corpo ter sido alvejado diversas vezes na região do órgão sexual. Entretanto, a ideia foi descartada por Flordelis , que ressaltou confiar no marido.
Por fim, um dos filhos do casal revelou à polícia que a própria Flordelis poderia ter participação no assassinato e que um dos acusados teria recebido uma proposta de R$ 10 mil para matar o pastor. Em depoimento , ela negou que os filhos tenham recebido qualquer quantia, mas revelou que existia uma desavença entre o pastor e o filho Lucas.
5 - Saída após o crime e fogueira
Durante as investigações, policiais descobriram dois pontos que não condizem com a linha do tempo montada até o momento. Em uma primeira visita ao local do crime , dois dias após a morte, os agentes encontraram marcas de uma fogueira feita no quintal da casa. O material foi rechido e passa por perícia.
Outro ponto é a saída de Flávio logo após o crime. Segundo a polícia, câmeras de segurança flagraram o rapaz deixando a residência e voltando cerca de 15 minutos depois. Em depoimento, Flordelis afirmou que o filho foi chamar a polícia, mas os investigadores desconfiam que possa haver um sentido oculto nessa movimentação.