Em carta direcionada ao presidente JairBolsonaro, a Anistia Internacional afirma que a flexibilização da posse e do porte de armas atenta “contra as garantias do direito à vida” e poderá provocar o aumento no número de homicídios no Brasil. O documento, apresentado nesta terça-feira (21), em Brasília, também traz críticas à expansão do conceito de excludente de ilicitude, proposto no pacote anticrime
do ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), e a outras políticas do governo, relacionadas a drogas, demarcações de terras indígenas, entre outros pontos.
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A diretora da Anistia Internacional para as Américas, Erika Guevara-Rosas, e a diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, tentaram marcar uma audiência com Bolsonaro, mas ele designou a ministra Damares Alves (Família, Mulher e Direitos Humanos) para recebê-las – o encontro deve acontecer até quinta-feira. A expectativa é que o ministro Santos Cruz também receba as representantes da entidade, enquanto Moro e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, já informaram que não têm agenda disponível para o encontro.
Compra de fuzis por cidadãos comuns
Uma das recomendações expedidas pela carta é a revogação do decreto que ampliou para 20 categorias profissionais o direito ao porte de arma e permitiu, inclusive, que cidadãos comuns possam comprar fuzis . A carta afirma que o decreto das armas pode “aumentar a letalidade das ações da polícia” e fazer com que “pequenos conflitos ou crimes sejam intensificados pela presença de armas de fogo”. As consultorias da Câmara e do Senado já identificaram ilegalidades no decreto, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, avalia colocar em votação um texto que derrubaria as medidas, caso o governo não faça mudanças no que já foi determinado.
"Há uma preocupação com a ampliação indiscriminada (do porte de armas), que pode significar maior vulnerabilidade. Não acreditamos que se resolverá o problema da segurança pública com mais armas, porque elas não significam garantia de vida para ninguém", afirmou Jurema Werneck.
Excludente de ilicitude
A possibilidade de que policiais não sejam punidos caso cometam crimes, em legítima defesa, motivados por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção” também é motivos de críticas da Anistia Internacional. Ainda dentro do pacote anticrime, o organismo considera que a ampliação do conceito de organizações criminosas pode servir de escudo para que movimentos sociais e entidades da sociedade civil sejam enquadradas na legislação.
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"Tentar mudar o conceito de legitima defesa policial com conceitos vagos e definições pouco claras das condições que permitem defesa pessoal, como medo e surpresa, que são muito subjetivos, coloca em risco a vida das pessoas. Principalmente no contexto em que execuções extrajudiciais já são realidade, e a medida, se for implementada, pode aumentar execuções cometidas pelas forças policiais", disse Erika Guevara-Rosas.
A diretora da Anistia Internacional para as Américas acrescentou que a “retórica antidireitos” apresentada por Bolsonaro durante a campanha eleitoral está se desdobrando em políticas públicas:
"A retórica do governo do presidente Bolsonaro é de suma preocupação, porque não só ameaça o progresso das últimas décadas, graças aos defensores dos direitos humanos, como abre a possibilidade de haver um regresso ao período histórico do país em que violações a direitos humanos se normalizavam".
A Anistia Internacional também critica a transferência da demarcação de terras indígenas para a Funai – alteração foi desfeita em comissão do Congresso, mas ainda está em vigor –; o decreto que permite ao governo “supervisionar” a atividade de organizações da sociedade civil; a política antidrogas que privilegia comunidades terapêuticas; a suspensão do trabalho do grupo de antropólogos que analisava os restos ósseos encontrados no cemitério de Perus; e o posicionamento crítica do governo brasileiro sobre o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos.
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"Caso (todas) as medidas (do governo) sejam colocadas em prática, vão significar grave ameça e violações de direitos humanos de muitas pessoas, populações e grupos do Brasil", reforçou Jurema Werneck.