Presidente do Senado, Davi Alcolumbre
Jefferson Rudy/Agência Senado
Presidente do Senado, Davi Alcolumbre

Um parecer de 2015, mantido em sigilo pelo Senado, vem sendo usado pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM), para não divulgar as notas fiscais de gastos custeados com verba parlamentar dele e dos demais senadores.

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No documento, ao qual O Globo teve acesso, a advocacia do Senado relata que, há quatro anos, o então senador João Capiberibe (PSB) queria obter as notas fiscais do adversário Gilvam Borges (MDB). Capiberibe usou o Serviço de Informação ao Cidadão do Senado para pedir acesso às notas .

No pedido, o parlamentar destacou que a Lei de Acesso à Informação (LAI) garante que qualquer cidadão, sem necessidade de apresentar o motivo, receba informações públicas de órgãos e entidades. Capiberibe alegava, ainda que no site do Senado só era possível verificar o tipo de despesa e o valor da nota fiscal (no portal da Câmara dos Deputados, todas as notas são disponibilizadas, na íntegra, desde 2013).

No dia 22 de julho de 2015, a Diretoria-Geral do Senado pediu um parecer jurídico aos advogados da Casa, para saber sobre a possibilidade de atender integralmente ao pedido de Capiberibe. Quase oito meses depois, em 4 de abril de 2016, o advogado-geral adjunto do Senado, Fábio Fernando Moraes Fernandes, emitiu decisão onde considera que cada senador pode manter em sigilo, quando julgar necessário, as notas com gastos de gabinete.

O presidente da Casa na ocasião era Renan Calheiros (MDB-AL). Com base nesse mesmo entendimento, Alcolumbre se negou a revelar ao Globo as notas que detalham seus gastos de R$ 1 milhão em três pequenas gráficas de Brasília. No Senado, o documento é guardado como um trunfo, já que outros senadores também poderão se recusar a detalhar seus gastos.

Depois que o caso veio a público, Alcolumbre se comprometeu divulgar o conteúdo das notas fiscais emitidas a partir de julho. Mas não garantiu a divulgação das notas emitidas antes disso. As notas fiscais são a única forma de o cidadão obter informações detalhadas sobre os produtos e serviços adquiridos pelo político com verba de parlamentar.

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Para se ter uma ideia, apenas em 2017 os senadores gastaram R$ 26,6 milhões de cota parlamentar. O dinheiro é pago aos parlamentares através de reembolso. Ou seja, o político gasta dentro das regras (com passagens aéreas, gráficas, hotéis, restaurantes, etc) e depois entrega a nota fiscal. A nota serve, inclusive, para comprovar que o gasto está de acordo com as normas.

As revelações do Globo levaram o Ministério Público Federal a iniciar uma investigação preparatória sobre as notas secretas e a cobrar explicações ao gabinete de Alcolumbre sobre o sigilo dos gastos. O TCU também investiga o caso, e a Justiça Federal deu 20 dias para o senador se explicar. Transparência Brasil e Contas Abertas rebatem o parecer.

A reportagem submeteu o parecer do Senado a duas entidades que atuam na área de Transparência: a ONG Contas Abertas e a Transparência Brasil. Ambas são enfáticas ao dizer que a decisão de Alcolumbre é "arbitrária" e fere a Lei de Acesso à Informação, aprovada pelo próprio Congresso. As duas entidades encontraram erros "graves" no parecer elaborado pelo Senado.

Marina Atoji, da Transparência Brasil, aponta que o parecer usa como jurisprudência uma ação civil pública (que tramitou na 2ª vara Federal de Novo Hamburgo - RS) que foge ao objeto das notas fiscais e “não tem nada a ver" com prestação de contas de despesas de exercício de mandato. Ela classifica como inadmissível o argumento, incluído no parecer, de que "os membros do parlamento não se acham obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato".

Segundo Marina, essa prerrogativa dos senadores não tem relação com a área de acesso à informação, mas com a garantia de inviolabilidade do mandato frente a "opiniões, palavras e votos". Ou seja, é uma prerrogativa importante para atividades de fiscalização e apuração de irregularidades, como CPIs. "O princípio constitucional da publicidade (regulamentado pela LAI) e o dever de prestar contas nada têm a ver com isso e se sobrepõem a isso", pontua Marina.

A Transparência Brasil ressalta que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, já manifestou entendimento contrário ao Senado, assim como outros ministros. Um dos casos relatados por Barroso é exatamente sobre acesso a notas fiscais de senadores. No Mandado de Segurança 28.178, que relatou em 2015, o ministro diz que, "em se tratando de despesas ligadas à função, a regra geral é a publicidade ampla".

O decano Celso de Mello também se manifestou nesse sentido em outro mandado de segurança relacionado a notas fiscais de senadores. Na decisão, o ministro diz que "[os princípios da publicidade, moralidade e responsabilidade] não permitem que temas, como os da destinação, da utilização e da comprovação dos gastos pertinentes a recursos públicos, sejam postos sob inconcebível regime de sigilo".

Marina Atoji também afirma que as notas fiscais não podem ser equiparadas a documentos como declaração de imposto de renda ou relatório de bens. Indicam apenas o pagamento de um débito. E, ainda que contenham informações de cunho privado (conta bancária, endereço residencial, qual seja), a Lei de Acesso a Informações determina que deve ser assegurado o acesso ao restante da informação não sigilosa, como o valor pago e a razão do pagamento.

Gil Castelo Branco, da Contas Abertas, concorda que já está mais do que cristalizado, no meio jurídico do país, o entendimento de que o cidadão tem o direito de conhecer todos os detalhes de uma despesa pública e ter acesso às notas fiscais correspondentes. "O homem público tem o dever de prestar contas. É inclusive contraditório que a Câmara dos Deputados disponibilize, há vários anos, as notas fiscais na íntegra, e o Senado não o faça".

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Na avaliação de Castelo Branco, o parlamentar só tem o direito de não divulgar despesas pessoais, realizadas com os seus próprios recursos. "Com o seu dinheiro, pode comer um sanduíche ou caviar sem dar satisfação à sociedade. Mas com recursos públicos, o parlamentar tem, sim, que detalhar o gasto e apresentar a respectiva nota fiscal. Afinal, foi o contribuinte quem pagou", concluiu. 

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