O ex-presidente Michel Temer e seu amigo João Batista Lima Filho, conhecido como Coronel Lima, presos nesta quinta-feira (21) , integram uma organização criminosa que atua no desvio de dinheiro público há 40 anos. Segundo o Ministério Público Federal, a prisão de Temer não foi surpreendente, mas sim necessária.
Além do ex-presidente e de Lima, outros oito pedidos de prisão foram feitos, entre eles contra o ex-ministro Moreira Franco. De acordo com o procurador Eduardo El Hage, a organização criminosa liderada por Michel Temer continuou operando após a Lava Jato, inclusive no ano passado. “Estranho seria se Michel Temer não estivesse preso (...) A forma como ele praticava os crimes é algo que nos causou muita surpresa, mesmo depois de três anos da Lava Jato”, disse Eduardo El Hage, procurador da República.
Na entrevista coletiva da Polícia Federal e do MPF foi explicado que a organização criminosa liderada por Temer existe há 40 anos. "Coronel Lima, desde a década de 1980, já atuava por meio da Argeplan. É visível um crescimento exponencial nas contratações nos períodos em que Michel Temer ocupou cargos públicos", disse a procuradora da República, Fabiana Schneider. Segundo ela, o Coronel Lima era o responsável por entregar o dinheiro do esquema.
Além disso, a procuradora também citou que foi identificado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) uma tentativa de depósito de R$ 20 milhões, em outubro de 2018, na conta da Argeplan. Isso ocorreu, disse ela, depois da prisão do coronel Lima, em abril em 2018.
Os procuradores explicaram que Lima atuava desde os anos 1980 junto à Argeplan, embora só tenha formalizado sua participação na empresa no começo dos anos 2000. Para o MPF, essa atuação oculta de Lima se dava no sentido de esconder a organização criminosa que integrava, além de proteger a imagem pública do ex-presidente.
De acordo com o procurador Sérgio Pinel, o grupo de Temer movimentou ao menos R$ 1,8 bilhão fruto de propina ao longo dos anos. Ao justificar as prisõs, o procurador afirmou que há indícios de que até hoje as propinas estavam sendo pagas.
"Essa foi a soma de valores que a organização criminosa teria desviado. (...) Esse valor é firmado e colocado na peça para mostrar o quão perigosa é a organização criminosa", explicou o procurador da República Eduardo El Hage, que complementou a afirmação.
O MPF narra que Temer foi responsável pela escolha de Othon Luiz Pinheiro da Silva para chefiar a empresa Eletronuclear. A escolha teria o objetivo de conseguir contrapartidas para o núcleo criminoso liderado por Temer.
Ainda de acordo com a investigação, a Argeplan foi escolhida para participar do consórcio de obras da usina nuclear de Angra 3 mesmo sem ter capacidade técnica. "Ele [Othon] foi colocado na Eletronuclear e, em contrapartida, foi exigida a contratação da Argeplan. Ela foi subcontratada pela empresa para uma tarefa que ela não tinha capacidade de executar. É uma empresa do Coronel Lima que fazia obras de pouquíssima complexidade, mas foi contratada como forma de verter todo o dinheiro público para Temer", explicou o procurador Eduardo El Hage.
Segundo o procurador, a suspeita de atuação do grupo de Temer na construção da usina nuclear Angra 3 ganhou força a partir de uma delação de um funcionário da Engevix, feita após duas operações que investigavam a empresa e a Eletronuclear.
O procurador regional da República José Augusto Vagos explicou ainda que o pedido de prisão de Temer se embasa na garantia da ordem pública. Ele informou que havia destruição de provas na Argeplan para impedir investigações. "São evidências muito fortes que geraram esses pedidos de prisões". Ele citou ainda Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Rocha Loures como membros da organização criminosa e que já estão presos.
De acordo com a Polícia Federal, agentes cumprem hoje 26 mandados de busca e apreensão nos estados do Rio de Janeiro , de São Paulo, do Paraná e também no Distrito Federal.
Veja a lista dos mandados de prisão expedidos pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro:
- Michel Miguel Elias Temer Lulia, ex-presidente - prisão preventiva
- João Batista Lima Filho (coronel Lima), amigo de Temer e dono da Argeplan - prisão preventiva
- Wellington Moreira Franco, ex-ministro do governo Temer - prisão preventiva
- Maria Rita Fratezi, arquiteta e mulher do coronel Lima - prisão preventiva
- Carlos Alberto Costa, sócio do coronel Lima na Argeplan - prisão preventiva
- Carlos Alberto Costa Filho, diretor da Argeplan e filho de Carlos Alberto Costa - prisão preventiva
- Vanderlei de Natale, sócio da Construbase - prisão preventiva
- Carlos Alberto Montenegro Gallo, administrador da empresa CG IMPEX - prisão preventiva
- Rodrigo Castro Alves Neves, responsável pela Alumi Publicidades - prisão temporária
- Carlos Jorge Zimmermann, representante da empresa finlandesa-sueca AF Consult - prisão temporária
Defesa de Michel Temer critica prisão
O advogado criminalista Eduardo Pizarro Carnelós, responsável pela defesa de Michel Temer, não poupou críticas a investigação que levou à prisão do emedebista. De acordo com Carnelós, que se manifestou através de uma nota oficial, o encarceramento de Temer representa "um atentado ao Estado Democrático e de Direito".
O criminalista ainda disse que não existem provas contra Temer, e acusa a investigação de "exibir o ex-presidente como troféu aos que, a pretexto de combater a corrupção". Segundo o advogado, a delação não apresentar indícios de que o emedebista participou do esquema.
A prisão do emedebista aconteceu por conta da Operação Descontaminação , que investiga reformas em usinas. A delação do José Antunes Sobrinho, dono da Engevix, foi fundamental para o surgimento da operação, que é desdobramento das operações Radioatividade, Pripyat e Irmandade, todas oriundas da Lava Jato .
O empresário contou à Polícia Federal que, em 2014, pagou R$ 1,1 milhão em propina, a pedido do Coronel Lima e do ex-ministro Moreira Franco, também presos. Ainda segundo o delator, o ex-presidente tinha conhecimento do esquema. A Engevix fechou um contrato para realizar um projeto na usina de Angra 3.
A investigação ainda apurou um contrato assinado com a AF Consult, consórcio integrado pela Argeplan, empresa que pertence ao Coronel Lima, com o objetivo de repassar dinheiro de propina ao ex-presidente.
Para Bretas, Michel Temer era "o líder da organização criminosa" e o "responsável pelos atos de corrupção" descritos na decisão. Ele foi detido em São Paulo e será encaminhado para a sede da Polícia Federal do Rio.