Há um ano, em cima de um carro de som em meio à Praça da República, em São Paulo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmava para a multidão de militantes que o acompanhava: “eles sabem que eu não cometi um crime”. O petista tinha acabado de ser condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, a 12 anos e um mês de prisão em um dos processos da Operação Lava Jato, o caso do tríplex do Guarujá.
No julgamento, os desembargadores foram unânimes ao entender que a compra e reforma do tríplex do Guarujá foram oferecidas pela construtora OAS ao ex-presidente e representaram vantagem indevida no valor de R$ 2,4 milhões. Os magistrados não só confirmaram a condenação como aumentaram a pena, que foi de 9 anos e seis meses para 12 anos e um mês.
Relator da Lava Jato no TRF-4, o desembargador João Pedro Gebran Neto embasou a decisão em elevar a pena do ex-presidente Lula alegando culpabilidade "extremamente elevada" nos crimes cometidos pelo petista. "Trata-se de ex-presidente da República que recebeu valores no decorrer da função que exercia de esquema de corrupção que se instalou durante seu mandato, com o qual se tornara tolerante e beneficiário”, justificou Gebran.
Na sessão, que durou 8 horas e 15 minutos (além de 1 hora de intervalo), os desembargadores consideraram em seus votos que Lula recebeu propina da empreiteira OAS na forma de um imóvel no Guarujá, a propina foi oriunda de um esquema de corrupção na Petrobras e o dinheiro saiu de uma conta da OAS que abastecia o PT em troca de favorecimento da empresa em contratos na Petrobras.
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Embora não tenha havido transferência formal para Lula, os desembargadores entenderam que o imóvel foi reservado para ele, o que configura tentativa de ocultar o patrimônio (lavagem de dinheiro). Além disso, embora possa não ter havido "ato de ofício", na forma de contrapartida à empresa, somente a aceitação da promessa de receber vantagem indevida mediante o poder de conceder o benefício à empreiteira já configura corrupção.
Para os magistrados, os fatos investigados na Operação Lava Jato revelam práticas de compra de apoio político de partidos idênticas às do escândalo do mensalão e o então juiz federal Sérgio Moro – cuja imparcialidade foi contestada pela defesa – era apto para julgar o caso.
Prisão inevitável
Com a condenação unânime na segunda instância, era questão de tempo até que o ex-presidente fosse preso. À defesa do petista, restou entrar com embargos de declaração contra a sentença. Os advogados decidiram também entrar com um pedido de habeas corpus preventivo no Supremo Tribunal Federal (STF).
O julgamento dos embargos de declaração ocorreu no dia 26 de março e foi negado pela Oitava Turma do TRF-4. No entanto, Lula ainda não podia ser preso, pois no STF seu pedido ainda estava em análise e uma liminar concedida pelos ministros da Corte garantiu que ele permanecesse em liberdade até que o Supremo decidisse sobre o habeas corpus.
A decisão veio no dia 4 de abril, quando, por 6 a 5, os ministros entenderam que Lula poderia ser preso após o fim dos recursos na segunda instância. Menos de 24 horas depois, o juiz federal Sérgio Moro, responsável pela condenação de Lula em primeira instância, determinou a prisão do ex-presidente que deveria se entregar até às 17h do dia 6 de abril – o que não ocorreu.
Ao saber que ia ser preso, o ex-presidente saiu da sede do Instituto Lula, em São Paulo, e seguiu para o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde passou a noite. No dia seguinte, uma multidão se reuniu em volta do sindicato e Lula não dava sinais de que iria se entregar.
Afrontando a decisão de Sérgio Moro , Lula não se apresentou à Polícia Federal após às 17h e permaneceu no sindicato cercado por apoiadores. A PF preferiu evitar um confronto com os militantes e negociou com a defesa do ex-presidente a melhor maneira do condenado se entregar.
No dia 7 de abril, após rezar uma missa em homenagem à ex-primeira-dama Marisa Letícia e fazer um discurso acalorado aos seus apoiadores, o líder petista se entregou e foi escoltado até a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba para cumprir sua pena.
Recursos no STJ e STF
Em novembro do ano passado, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Felix Fischer, negou um recurso apresentado pela defesa de Lula que pedia a revisão da condenação do ex-presidente no caso do tríplex do Guarujá.
No recurso especial, encaminhado ao STJ no início de setembro, a defesa do ex-presidente pediu que fossem suspensos os efeitos da condenação de Lula até que o processo seja julgado definitivamente na corte superior. Se o recurso fosse deferido, Lula poderia ser liberto e, além disso, voltaria a ficar elegível.
O caso agora deve ser julgado pela 5ª Turma do STJ, no entanto, o tribunal está de recesso e ainda não há data para o julgamento do recurso.
Já em dezembro, entre os inúmeros habeas corpus impetrados por Lula no STF, a Segunda Turma do Supremo começou a julgar um recurso em que a defesa do petista pede a anulação da condenação, alegando a suspeição de Moro para julgar o caso tríplex, uma vez que o ex-juiz aceitou o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro. Neste caso, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes e também não tem prazo para ser retomado.
Também no STF , as ações diretas de constitucionalidade (ADCs) que tratam da validade da prisão condenatória após o fim dos recursos na segunda instância da Justiça devem ser julgadas no dia 10 de abril. Na ocasião, os ministros podem rever o entendimento atual sobre o início do cumprimento da pena, o que pode beneficiar Lula.
Outras denúncias contra Lula além do tríplex do Guarujá
Além do processo sobre o tríplex, o ex-presidente responde ainda a outras sete ações penais, sendo quatro na Justiça Federal em Brasília, duas em Curitiba e uma em São Paulo. No Paraná, o petista é réu em ações sobre propina da Odebrecht mediante à compra de um terreno para o instituto do ex-presidente e de um apartamento em São Bernardo do Campo (SP), e sobre o sítio em Atibaia (SP) – caso que já está pronto para receber uma sentença .
Já na capital federal, o ex-presidente responde por suposto crime de tráfico de influência no BNDES para favorecer a Odebrecht, por tráfico de influência na compra de caças suecos da Saab, por supostamente ter favorecido montadoras com a edição de medida provisória em 2009 e por criação de organização criminosa no caso conhecido como "Quadrilhão do PT".
E em São Paulo, Lula (condenado no caso tríplex do Guarujá ) é réu por lavagem de dinheiro de R$ 1 milhão em acordos com Guiné Equatorial. O ex-presidente nega todas as acusações. No caso em que era investigado por suposta tentativa de obstrução à Justiça no episódio que levou o ex-senador Delcídio do Amaral à prisão, Lula foi absolvido em julho do ano passado.