O que é a teoria do eleitor mediano e como explica o modo 'de fisgar' indecisos
A indecisão faz parte da vida em diversos momentos, seja pequenos ou grandes. Como todos os fatores cotidianos, a escolha política também pode trazer muitos questionamentos e dúvidas. Em anos de eleições, os cidadãos precisam analisar planos de governo, coligações, ideologias, posicionamento e histórico dos muitos candidatos e, por fim, compor a escolha final de seus representantes. Como vimos nas pesquisas recentes, mais de 10 milhões de brasileiros ainda não decidiram em quem votar em 2018. Esse grupo de indecisos também é chamado de "eleitor mediano", que poderá, potencialmente, decidir a corrida eleitoral.
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Teoria política herdada da economia, o teorema do eleitor mediano
atua justamente no modo como os indecisos influenciam as estratégias de campanha, particularmente a da eleição majoritária absoluta, ou seja, na disputa à Presidência da República e aos governos dos estados, em que o candidato precisa conquistar 50% dos votos + 1.
Com essa suposição, o único objetivo é capturar a maior parte do eleitorado, o que quer dizer ter, na zona de votos, o centro do espectro dos eleitores. Quem tiver o discurso que "fisga o centro", eventualmente, vencerá a eleição.
À reportagem do iG , o sociólogo e professor de Ciência Política da Faculdade Cásper Líbero, João Alexandre Peschanski, explica que as regras do jogo definem o tipo de comportamento e a lógica de ação de partidos e eleitores. Em eleições majoritárias absolutas , por exemplo, haverá um tipo de atuação e a definição de mecanismos eficazes para que os candidatos consigam desenvolver racionalmente uma estratégia discursiva que capture o centro do eleitorado.
Vale lembrar que o teorema não se aplica ao modo como senadores são eleitos, já que estão inseridos em um sistema majoritário relativo, em que não é necessário atingir mais de 50% dos votos. Ou seja, com 20%, já é possível ganhar desde que os concorrentes permaneçam com taxas menores. Nas eleições legislativas e em eleições de outros países, como os Estados Unidos, a prática também não é eficiente.
Porém, mesmo com algumas exceções, essa tendência de buscar falar com indecisos já foi detectada em diferentes discursos de campanhas. Você se lembra de Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) durante o segundo turno das eleições de 2014, por exemplo? O esquema utilizado por ambos foi o mesmo. Naquele momento, o discurso dos candidatos se deslocou para o centro, a fim de captar eleitores que ainda não faziam parte do seu grupo de votantes. De certo modo, tornaram-se, pelo menos em muito das exposições de ideias, indissociáveis.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é outra figura que adaptou a abordagem eleitoral. A mudança foi perceptível numa comparação entre as eleições de 1989, contra Fernando Collor de Mello (PRN, atual PTC), e a de 2002, ao enfrentar José Serra (PSDB). Aos poucos, Lula foi desenvolvendo estratégias que o afastaram da posição ideológica forte, bastante evidente durante a primeira disputa, o que deu espaço a uma postura "mais moderada", tornando-se presidente no começo dos anos 2000.
É importante destacar que essa teoria cria "falas universalizantes" e faz com que os candidatos parem de "pregar aos já convertidos" para ampliar sua gama de votos. Entretanto, como uma ideia mais abstrata, ela deixa vários fatores de fora: instintos, emoções, histórico dos partidos, particularidade dos candidatos e todo um contexto, que podem mudar bruscamente o rumo das coisas.
A teoria do eleitor mediano é sempre eficaz?
O professor afirma que a proposta do teorema do eleitor mediano é de, principalmente, criar um parâmetro teórico que auxilie no processo de interpretação e comparação de eleições realmente reais.
Desse modo, se a corrida eleitoral funcionasse apenas com base na racionalidade, imagina-se que campanhas em pleitos decididos por sistema majoritário absoluto fossem realizadas com base na busca pelo centro indeciso do eleitorado, ou seja, do eleitor mediano.
“O ponto positivo dessa teoria é que podemos usá-la para comparar a vida política 'como ela é'. Assim, se algo que não bata com ela for identificado é porque existem coisas a se descobrir. Já o ponto negativo está na sua não aplicação em diversos casos. Não há como prever todos os fatores complexos da sociedade, nem entender tudo se baseando somente nela. Não tem como prever coisas como uma facada no Jair Bolsonaro, por exemplo”, explica o especialista.
Levando em consideração o atual período de eleições para governador de São Paulo, é possível identificar a busca pelo discurso de centro como uma das estratégias adotadas por João Doria (PSBD) e Paulo Skaf (MDB), que se aproveitam de seus nomes enquanto os demais candidatos precisam fazer "campanhas de apresentação" para conquistar eleitores diferentes e evitar a rejeição.
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Tal fator ocorre com menos frequência entre aqueles que concorrem à Presidência, já que costumam ser mais conhecidos no meio político. No cenário de 2018, por exemplo, Fernando Haddad (PT) é o mais “misterioso” para os eleitores que não residem na capital paulista.
Extremismo vence eleição?
Segundo o teorema, Jair Bolsonaro (PSL), por exemplo, não conseguiria vencer as eleições porque assume um posicionamento político polarizado. Para esse conceito, dentro de um sistema majoritário absoluto, o extremismo é uma estratégia que leva, normalmente, à derrota.
Entretanto, apesar do discurso "polêmico", as táticas de comunicação utilizadas nas campanhas do candidato do PSL são ardilosas e colocam a teoria 'em xeque'. Isso porque o teorema, conforme explicado anteriormente, não leva em conta elementos que configuram o chamado voto de campanha (que são aqueles conquistados pelo discurso e promessas dos candidatos) e também não mostra "o que pode acontecer no futuro".
Peschanski ressalta que a estratégia de comunicação de Bolsonaro é eficaz por reagrupar um nicho relativamente grande do eleitorado. E, desse modo, por mais que o candidato permaneça discursando para eleitores fiéis a sua figura, dado confirmado pela taxa de rejeição referente às propostas de seu governo, o mecanismo de que se apropria é eficiente e se fortalece, não na mensagem que passa, e sim no meio que a emite.
Portanto, a ‘inovação’ trazida pelo candidato está na maneira com que monopoliza o discurso de forma a transparecer convicção. Ele se torna o dono da última palavra, aquele que decide quando a conversa acaba e é justamente isso que chega de forma tão direta às pessoas, algo extremamente significativo do ponto de vista discursivo. Nesse caso, em específico, não se trata das propostas, e sim da forma de se comunicar.
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“Essa é uma estratégia muito nova, é uma forma de entendimento da comunicação política que foi abraçada pelas tecnologias de mídia do século 21. Os outros candidatos estão atrás de Bolsonaro nesse quesito, eles têm maneiras de comunicar bem mais robóticas, os meios que utilizam para interagir ao longo do processo não são inovadores", aponta.
O sociólogo conclui que, ao contrário do representante do PSL, que não reproduz um discurso de centro ideal para o eleitor mediano , os demais concorrentes têm mais chances de seguir essa tendência para as eleições à Presidência, tendo particularidades em seus discursos que podem agradar os indecisos.