O candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, venceria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de maneira acachapante em um eventual segundo turno. O ex-capitão do Exército tem hoje 77% das intenções de voto nesse cenário, contra 23% do petista, segundo a projeção da 'pesquisa eleitoral' realizada pelo IPOF, o "Instituto de Pesquisa Oficial do Face", que não estimou o número de votos brancos e nulos.
O IPOF não é uma instituição verdadeira, mas sim uma criação do tecnólogo Sylvio Montenegro, de 61 anos de idade. A pretensa ' pesquisa eleitoral ' lançada por ele no Facebook recebeu 956 mil votos nos três dias em que esteve no ar, amostragem que, de acordo com o autor, é suficiente para "desmascarar" levantamentos divulgados por institutos como Datafolha, Ibope e CNT/MDA (que apontam vantagem de Lula sobre todos os outros candidatos até agora).
Morador de Fortaleza (CE), Sylvio afirma que já trabalhou com levantamentos eleitorais e que decidiu lançar a "pesquisa oficial do Face" por não confiar nos institutos tradicionais e no "sistema vigente". Ele alega que seu estudo é "confiável" e que tem como objetivo "mostrar somente a verdade dos fatos".
"Eu sempre bati de frente com relação a essas pesquisas. Sempre fica uma coisa muito vaga.
Então, no momento em que foi divulgada a pesquisa da CNT
, imediatamente coloquei a minha
no ar. Foi um número elevadíssimo de interações. Me causou grande surpresa. A pesquisa é uma coisa que merece ser analisada", defende.
Apoiador de Bolsonaro nas redes sociais, Sylvio minimiza a influência de seu círculo de amizades no resultado final do levantamento, negando qualquer possibilidade da chamada "bola de neve".
"O meu universo de seguidores é infinitamente pequeno diante desse 1 milhão de pessoas que votaram. Se fosse por isso, o Bolsonaro teria unanimidade", defende-se.
Checagem manual contra perfis fakes
O autoproclamado "diretor do IPOF" diz não confiar no sistema eleitoral brasileiro, pois ele "não pode ser auditado", e defende a adoção do voto impresso no País. Questionado sobre o que o faz acreditar mais nos números do Facebook
do que nos da Justiça Eleitoral, Montenegro explicou: "Quando você coloca uma pesquisa online, você vê o resultado na hora. Você vê a evolução do gráfico. O problema do sistema eleitoral brasileiro é que ninguém vê".
Montenegro assegura também que fez, por conta própria, uma análise dos perfis que participaram de sua pesquisa para se certificar de que não eram falsos (ou fakes , em inglês e no termo 'da moda').
"Eu fui vendo que os perfis eram consistentes. Fui olhando aqueles mais exaltados. Logicamente, eu não pude olhar um por um. Mas, devido ao grande número de pessoas, você acredita que haja 100 mil perfis falsos? O Bolsonaro não tem 1 milhão de robôs. Se essa pesquisa não fosse digna de confiança, o Lula não teria nenhum voto", afirmou.
A simulação de segundo turno entre Bolsonaro e Lula não foi a primeira 'pesquisa' lançada por Sylvio na internet. Antes, ele elaborou estudo que indicava vitória do ex-capitão do Exército ainda no primeiro turno, com 86,57% dos votos. Nesse levantamento, a soma das porcentagens de votos de todos os candidatos dá 100,01%.
Questionado se aceitaria cargo num eventual governo Bolsonaro, talvez até mesmo na área de pesquisas, Sylvio Montenegro não hesitou: "Com certeza. Sem nenhum problema".
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O que diz a lei sobre a pesquisa eleitoral de Montenegro?
A Lei nº 9.504/1997 define regras para a realização de pesquisas de opinião pública relacionadas às eleições. Entre as exigências, está a obrigatoriedade de registro do estudo junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a apresentação de "dados essenciais", como a metodologia e período de realização da pesquisa, o plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução e nível econômico dos entrevistados.
Montenegro afirmou em entrevista ao iG que, em seu entendimento, essas orientações atingem apenas empresas e partidos políticos, e não pessoas físicas. "Eu tô tranquilo. Agora, eu tenho esses dados. Se quiserem ver quem é esse 1 milhão de pessoas que votou [ sic ], eu tenho isso. Eu não sou uma instituição. Vão prender todo mundo que está fazendo enquete no Facebook ? Não vai ter lugar para prender tanta gente", afirmou o tecnólogo.
De acordo com o professor de direito eleitoral e advogado Guilherme de Salles Gonçalves, no entanto, o ato de Montenegro pode sim ser encarado como um crime, uma vez que ele tenta disfarçar sua enquete como uma pesquisa oficial.
"Isso é crime porque ele claramente tenta simular uma pesquisa e induz as pessoas a acreditarem que isso é uma pesquisa legal. Isso induz as pessoas a erro. Ele usa toda a formatação de pesquisa, o que faz com que um cidadão menos informado possa entender que isso é verdadeiro", explica Salles Gonçalves. "A regulação de pesquisa vale para qualquer um que queira contratar uma pesquisa eleitoral", complementa.
Segundo o advogado, as práticas de Montenegro constituem crime de divulgação de pesquisa eleitoral fraudulenta e difusão de pesquisa sem prévio registro. As penas previstas para esses crimes eleitorais vão de seis meses a um ano de detenção, além de multa de R$ 50 mil a R$ 100 mil.
Pesquisa eleitoral com 2 mil pessoas vale mais que enquete com 956 mil votos?
O professor Sérgio Praça, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas (CPDOC-FGV), explica que o 'estudo' do IPOF não é tão confiável quanto acredita seu autor.
"Esse quase 1 milhão de pessoas que votaram não é uma amostra estratificada balanceando homens e mulheres, nível de escolaridade, renda, idade, região... Não reproduz o que é o eleitorado. Podem ter votado 900 mil homens e 56 mil mulheres, por exemplo, sendo que o eleitorado é metade mulher e metade homem", explica Praça. "O cérebro humano é treinado para seguir um viés de confirmação, e o desafio da educação é evitar isso. É um desafio diário", conclui.
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Praça avalia que a iniciativa de Montenegro expressa a crise de credibilidade dos institutos tradicionais de pesquisas eleitorais, um fenômeno que cresceu após a inesperada vitória de Donald Trump nos EUA e de erros em eleições recentes no Brasil.
"Houve erros razoáveis nas pesquisas para a campanha de 2014 e essas discrepâncias são um
sinal amarelo para os institutos de pesquisa. Não necessariamente por um caráter malicioso deles, não acredito nisso de jeito nenhum. Mas os erros na pesquisa eleitoral
minam a credibilidade dos institutos", diz o professor.