Em 2015, o cabo da Polícia Militar do Rio Tarcísio de Assis Nunes permaneceu um mês preso por agredir a mulher. Segundo a decisão judicial que decretou a prisão do policial à época, ele "já agrediu/ameaçou a vítima por diversas vezes". Na avaliação da PM, no entanto, mesmo após a denúncia de violência contra a mulher, o cabo ainda tinha condições de seguir patrulhando as ruas do estado. No processo administrativo aberto pela corporação para avaliar a conduta do agente após o episódio, a PM concluiu que ele cometeu uma "transgressão leve": na época, o cabo sofreu uma repreensão — segunda punição mais branda possível na corporação. Como o EXTRA revelou ontem, Nunes foi preso no dia último 17 de abril após ser flagrado por uma câmera de segurança espancando novamente a mulher, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense.
Depois do primeiro caso, ele voltou a trabalhar normalmente. Quando foi preso, em 2015, Nunes foi solto porque "a vítima e o réu se reconciliaram e a vítima não tem mais interesse na prisão do acusado", de acordo com a decisão judicial que o libertou. Antes de ser preso de novo, no mês passado, por ter dado chutes, socos, chineladas e um golpe de judô na mulher, o cabo estava lotado no 22º BPM (Maré), onde integrava o Grupamento de Ações Táticas (GAT) — unidade operacional responsável pelas operações do batalhão.
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O EXTRA teve acesso à ficha disciplinar atualizada do agente na Polícia Militar. A punição de Nunes pelo primeiro caso de violência doméstica foi menor do que a que sofreu um ano depois, quando se atrasou para render um colega no serviço de custódia de presos no Hospital do Joca, em Belford Roxo: nessa ocasião, a transgressão foi considerada média e ele ficou dois dias detido no batalhão. As punições administrativas para praças da PM vão de uma simples repreensão até a expulsão do agente da corporação por decisão do comandante-geral. Na ficha disciplinar, comportamento do agente, mesmo após o primeiro caso de agressão, é considerado bom.
As imagens do novo caso de agressão — que fazem parte de um Inquérito Policial Militar (IPM) aberto pela Corregedoria da PM — mostram o policial se aproximando da mulher, que estava sentada no jardim da casa. Eles começam a discutir e, subitamente, Nunes dá um soco no rosto da companheira. Em seguida, ele chuta a mulher, a puxa e a joga no chão com uma banda. De acordo com um relatório de análise das imagens, feito pela Corregedoria, Nunes "tem conhecimentos de técnicas de artes marciais, uma vez que a banda que aplicou se assemelha com o golpe de judô 'de-ashi-barai'".
As agressões não pararam mesmo com a mulher caída no chão. O policial ainda tira o chinelo e bate com o calçado no rosto da companheira. Em seguida, eles entram na casa e se afastam da câmera. Antes do casal entrar na casa, é possível ver uma criança saindo do imóvel. Segundo o relatório da Corregedoria, é a "filha do casal, menor de idade (6 anos), que aparentemente ouviu todo o ocorrido".
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No dia seguinte, policiais militares do 39º BPM (Belfor Roxo) foram acionados para a residência e levaram o casal para a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) do município. Na unidade, a mulher relatou que as agressões continuaram. Segundo o depoimento, Nunes passou a ameaçar a mulher e a filha, "dizendo que iria matar as duas, transtornado, ao mesmo tempo em que pegou o seu revólver e efetuou um disparo para o alto".
Ainda segundo o relato, o cabo, em seguida, "apontou a arma para a cabeça da comunicante proferindo os seguintes dizeres: 'Eu vou te matar e matar tua filha'". Por fim, Nunes ainda teria dito que colocaria fogo na casa, "mesmo com os apelos da filha, pedindo para o pai não matar a mãe". O PM teria respondido à menina: "Vou pensar se não mato você, mas sua mãe vai morrer". De acordo com a mulher, o policial possui mais de uma arma em casa.
No dia 16 de abril, diante do relato, a juíza Maria Izabel Pena Pieranti, do Plantão Judiciário, decretou medidas protetivas a favor da mulher. O cabo não poderia se aproximar dela e nem manter mais nenhum tipo de contato. No dia segunte, o juiz Glauber Bitencourt Soares da Costa, do 1º Juizado Especial Criminal de Belford Roxo, decretou a prisão do PM.
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O PM não permaneceu nem duas semanas na cadeia: no dia 29, a prisão foi revogada pelo mesmo magistrado, que levou em conta uma "declaração prestada pela vítima de forma escrita, na qual afirma não se sentir ameaçada pelo marido e de não possuir receio em sua soltura". Na mesma decisão, o juiz não concedeu nenhuma medida protetiva.
Procurada para saber se instaurou procedimento administrativo para avaliar a conduta do cabo no novo caso de agressão, a PM respondeu que "o caso segue os trâmites referentes ao registro na Polícia Civil e, paralelamente, é objeto de um Inquérito Policial Militar (IPM) em curso na Corregedoria da Polícia Militar".