Mais de uma semana de paralisação de caminhoneiros, milhões de brasileiros sem abastecimento de comida, combustível e remédios. O Brasil vive o caos durante os dez últimos dias. O movimento grevista tem apoio de uma parte de população, mas por outro lado, alguns direitos básicos do cidadão precisam funcionar. É neste cenário que entra o Comando de Choque da PM de São Paulo.
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Na manhã desta quarta-feira (30), eu tive a oportunidade de bater um papo com o Tenente Coronel Cássio do Comando de Choque
, ele é um dos responsáveis pelos planejamentos e ações das forças de elite da PM de São Paulo e me explicou como atuaram os mais de três mil e quinhetos homens e mulheres durante os dias de greve.
“Estou na PM há 28 anos e já são 16 no Choque. Hoje, como Chefe do Estado Maior do Comando de Policiamento de Choque tenho a função de assessorar o Comandante do Choque, o Coronel Gasparian e fazer os Batalhões funcionarem, como em qualquer grande empresa. Nós temos cinco grande unidades e elas precisam trabalhar juntas”, diz o Tenente Coronel.
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Confira a entrevista e conheça o trabalho do Comando de Choque:
Quais os Batalhões do Choque, suas especializações e as principais diferenças entre as tropas do Choque?
O Primeiro é a ROTA
. O Segundo de Choque faz o patrulhamento de motos e em grandes eventos. O Terceiro tem o Canil e faz també o controle de multidões. O Quarto Batalhão de Choque tem as unidades especiais, COE
e GATE e por último o Regimento de Cavalaria.
A ROTA faz uma atividade que chamamos de patrulhamento tático, a atividade é desenvolvida com viatura com quatro ou cinco PMs. Eles atuam em ocorrências de alto risco na área onde eles estão patrulhando.
Por exemplo, a região do Jabaquara tem o seu policiamento de área. A ROTA vai trabalhar lá no apoio às equipes da região. Os PMs ficam ouvindo o rádio e quando tem alguma ocorrência mais grave, eles vão no apoio.
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O Segundo com a ROCAM
faz um trabalho parecido com a ROTA, mas eles possuem as motocicletas que oferecem a possibilidade de resposta rápida pela mobilidade e de entrar em qualquer rua ou viela. Os PMs do Segundo de Choque também atuam em grandes eventos como jogos de futebol e show, além de fazer a escolta de grandes figuras públicas nacionais e internacionais.
O Terceiro Batalhão de Choque tem duas grandes funções. A primeira de Canil, um dos mais antigos e modernos do Brasil. Com uma alta taxa de apreensão de drogas. Eles também atuam no controle de multidão na hora que precisamos fazer desinterdições ou quando existe confronto com black blocs, por exemplo. As ações tendem a ser preventivas, elas visam desestimular a quebra da ordem.
E o COE e GATE são chamados em quais tipos de ocorrência?
O Quarto Batalhão é o de operações especiais. O COE é especializado em ações furtivas de alto risco. Mas também faz salvamento de pessoas em áreas de mata. Esse grupamento não faz patrulhamento tático. Ele é acionado para ocorrências especiais.
Já o GATE é a unidade de ações táticas especiais e combate a terrorismo. A expertise deles são ações com a presença de reféns. Mas eles também atuam como Esquadrão Antibombas. Em São Paulo, a demanda dessa equipe aumentou com o crescimento de ocorrências de explosão de caixa eletrônico. Essa força especial também faz varredura em prédios que vão hospedar autoridades, ação preventiva.
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E a Cavalaria? Como ela se encaixa dentro do Choque?
A especialidade deles é fazer ação contra tumulto e também o patrulhamento de rotina. O PM com o cavalo tem uma grande vantagem no local onde atua, a visão fica privilegiada. É uma equipe que atua em áreas de grande aglomeração, jogos, parques e centros urbanos com grande número de pessoas.
Qual a diferença do Choque e da PM que a gente vê na rua?
Nossas equipes atuam em locais que a gente chama de pontos vermelhos. Os locais que possuem números altos de roubo, assaltos, latrocínios e crimes no geral. A diferença é que a gente não tem uma área fixa de atuação.
Então, a gente pode apoiar qualquer local. Não só na cidade de São Paulo, mas no Estado todo. Onde existe uma crise, nossos homens vão apoiar. Todas as vezes que um Batalhão de área tem uma crise, a gente vai atuar. Às vezes, a crise é tão grave que foge ao controle e nós somos chamados. Como ocorreu durante a greve de caminhoneiros.
Por que o Choque foi chamado para esse tipo de ação e não os batalhões de área?
Os Batalhões de área participaram sim, atuaram bastante. Mas como eu disse, em algumas situações, a capacidade deles foi superada e daí o Choque vai atuar. A gente não pode esquecer nunca que durante a greve existiam outras demandas. A PM não pode parar.
Enquanto conversamos, alguém pode invadir a redação e vocês vão precisar dos Policiais da área para atender vocês. Fazendo sol, chuva, mesmo com greve esse tipo de serviço não pode parar. Pra isso o Choque existe, para não deixar o Batalhão de área sem efetivo.
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Na Anchieta, nós tivemos problemas com a paralisação, mas as equipes de área conseguiram resolver. Já na Rodovia Régis Bittencourt, o nosso apoio foi solicitado e estamos indo para lá para apoiar.
Junto com tudo isso, vale lembrar que os treinamentos dos nosso PMs são específicos e eles contam com equipamentos iguais aos das melhores forças policiais do mundo.
Qual a diferença entre o trabalho do Exército e do Choque nessas ações? Teve coordenação?
Você viu?
Nós sabemos que teve uma coordenação grande em outros estados. Aqui em São Paulo não houve atuação em grande volume do Exército porque eles só vão atuar se nossos recursos se esgotarem. E isso não aconteceu ainda. Mas existe uma coordenação, as equipes conversam caso exista necessidade.
Quais foram as ações do Choque durante a greve dos caminhoneiros?
Vale ressaltar que São Paulo não ficou bloqueada totalmente em nenhum momento, alguns pontos momentâneos talvez. Mas no total, eu tenho a percepção que o direito de ir e vir não foi prejudicado.
Outro fator importante é que os serviços primordiais não deixaram de operar. A PM organizou a escolta de combustível e isso garantiu o básico para uma cidade como São Paulo.
Outra ação relevante nossa foi garantir o direito do caminhoneiro que queria deixar a paralisação e voltar para casa, continuar o trabalho deles. Eles tiveram sua liberdade garantida pelo Choque.
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Em torno de 70% dos veículos deixaram as estradas depois que a gente chegou na região em que estavam. Às vezes, o cara quer ir embora, mas fica com medo. A força Policial estava lá para garantir esse direito. Isso foi um fator importante para começo do fim da greve.
Como que é a logística para coordenar as ações de cinco batalhões com especificidades tão diferentes?
A gente procura aplicar um método que chamamos de controle situacional. O nosso comandante, o coronel Gasparian fica na sala de crise no centro de operações da PM que é um local onde as informações chegam e de onde as decisões saem. Dali saem coordenadas para as equipes e também o trabalho de comunicação com outras tropas, como a Rodoviária.
Onde que cada tropa trabalhou?
Em todos os lugares, Campinas, Paulínia, Vale do Paraíba, Castelo Branco, onde havia crise. Sempre em apoio dos colegas que estavam lá trabalhando na área. Normalmente, a gente já escolhe quem vai de acordo com o tipo de problema que vamos encontrar.
Como as tropas do choque foram recebidas pelos manifestantes, caminhoneiros, povo?
Nesse em específico fomos recebidos muito bem, como a gente garantiu a livre circulação dos próprios caminhoneiros, eles viram na gente a possiblidade de tomar o destino de casa. Eles agradeciam e havia muita simpatia pública.
Para os caminhoneiros que estão com medo o que você pode dizer?
Podem ficar tranquilos. Eu recomendo que em qualquer situação, ele disque 190. Esse é o contato universal com o cidadão. Nos fomos para pontos de bloqueios em que fomos acionados pelos próprios caminhoneiros que queria ir embora. As equipes estavam lá para garantir o direito de deixar a manifestação.
Vou te encaminhar um vídeo que ilustra bem essa situação. Não foi uma ação do Choque, mas ela ilustra exatamente a resposta dessa sua pergunta.
Tem alguma situação que te marcou durante a greve?
Eu acho que a história do vídeo foi um pouco surpreendente. Mas também é marcante você chegar na escolta de um caminhão de combustível e ver veículos como o do SAMU, Resgate, Policiamento encostar para abastecer. Isso é significativo. É algo que não dá para aferir, mas dá para imaginar que muitas vidas foram salvas com isso.
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Outra história marcante foi a de um transplante de pulmão. A pessoa foi transportada por uma viatura. As pessoas aplaudiam a passagem do Choque e a pista liberada.
Houve alguma situação de confronto durante a paralisação?
Não houve situação de confronto. Alguns pontos de resistência foram maiores, mas sem nada grave.
Que lições que a população e o Choque podem tirar dessa situação?
Para nós é bom pela experiência que adquirimos. Em 96 e 2006, nós tivemos momentos parecidos. A PM passa por isso e nossos métodos vão evoluindo. Fizemos bastante negociação e isso vai dando bagagem, isso ajuda. A presença do Choque é importante para desestimular.
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Para população, eu como cidadão penso que é importante para notarem a força que tem. Você nota a popularidade que a coisa ganhou. O Governo agiu com muita assertividade, o que facilitou o trabalho do Comando de Choque e também a solução da crise.