O mundo da arquitetura, planejamento urbano e paisagismo recebeu uma notícia devastadora: o renomado arquiteto e urbanista chinês Kongjian Yu morreu em um acidente de avião em Mato Grosso do Sul , na noite de terça-feira (23), quando participava de uma expedição com cineastas para documentar seus trabalhos .
Kongjian Yu nasceu em 1963 em uma aldeia no interior da província de Zhejiang, na China. Cresceu em um ambiente rural, onde convivência direta com paisagens naturais e sistemas de irrigação tradicionais moldou desde cedo sua sensibilidade ao ciclo da água, à terra e ao uso consciente dos recursos.
Sua experiência de vida contrastava com o modelo urbano massivo que, nas últimas décadas, transformou paisagens naturais em paisagens cimentadas, agravando inundações, escoamento rápido de águas pluviais e degradação ecológica.
Ele seguiu carreira acadêmica, estudando arquitetura paisagística, urbanismo e temáticas ambientais. Em sua trajetória acadêmica, fez parte do ambiente da Graduate School of Design (GSD) da Universidade de Harvard, onde obteve doutorado e, posteriormente, manteve vínculos como professor visitante.
Ao retornar à China, envolveu-se em ensino e na fundação de programas acadêmicos focados em paisagismo e planejamento ecológico. Em 1998, fundou sua própria firma, a Turenscape, com a missão de integrar ecologia, paisagismo e planejamento urbano, tentando tornar as cidades mais adaptáveis, resilientes e harmônicas com a natureza.
Ao longo de décadas, ele lecionou na Universidade de Pequim (Peking University), fundou a Faculdade de Arquitetura e Paisagismo e atuou como diretor, além de gerir a Turenscape como principal desenhista-chefe. Também foi figura ativa no debate intelectual em torno de urbanismo ecológico, redação de artigos, lançamento de livros e liderança de revistas especializadas (como Landscape Architecture Frontier) sobre temas de infraestrutura verde e resiliência urbana.
Conceito das “cidades-esponja”
A marca central da obra de Kongjian Yu foi o desenvolvimento e a promoção do conceito de cidade-esponja (sponge city), uma abordagem que busca repensar como as cidades lidam com a água da chuva, enchentes, escoamento e secas.
Em vez de confiar exclusivamente em infraestrutura “cinza”, como tubulações severas, drenagens rígidas e escoamentos forçados, as cidades-esponja incorporam infraestrutura verde e ecológica: superfícies permeáveis, áreas vegetadas, jardins de chuva, pântanos urbanos, canais naturais, zonas inundáveis controladas, trilhas molhadas, reservatórios naturais e estruturas paisagísticas que “retêm, filtram e infiltram” a água no solo.
O ideal é que estas intervenções funcionem como esponjas: absorvendo o excesso de água durante chuvas intensas (reduzindo enchentes) e liberando lentamente essa água para o solo, rios e lençóis freáticos, ajudando também no combate à seca e no equilíbrio ecológico.
Kongjian era um defensor apaixonado de que o planejamento urbano deveria “acolher a água, não combatê-la”.
Ele dizia que as cidades poderiam recuperar uma função ecológica: ao invés de forçar a água a sair rapidamente, deveriam lhe dar espaço para “respirar”
Seu trabalho não era apenas teórico: ele liderou projetos práticos de cidades-esponja em dezenas de cidades na China e também projetos internacionais, integrando ecologia, paisagismo e urbanismo.
Em 2013, o governo chinês adotou oficialmente o conceito de cidade-esponja como parte de sua política nacional de urbanismo e gerenciamento de águas pluviais, promovendo pilotagem em dezenas de cidades para testar e difundir o modelo.
Com isso, a partir da década de 2010, o termo “cidade-esponja” tornou-se referência amplamente citada em debates sobre adaptação urbana às mudanças climáticas, resiliência hídrica e infraestruturas naturais.
Em reconhecimentos internacionais, Kongjian Yu recebeu prêmios como o Oberlander Prize 2023 de arquitetura paisagística, e também prêmios da IFLA (Federação Internacional de Arquitetos Paisagistas) e outros, por seu impacto global, vinculado ao conceito de cidades-esponja.
Filosofia, impacto e desafios
A filosofia de Kongjian Yu ia além de uma mera técnica de drenagem. Ele enxergava o paisagismo urbano como uma arte da sobrevivência, afirmando que as cidades, para sobreviver ao agravamento das crises hídricas e climáticas, precisariam dialogar com os ecossistemas. Ele criticava modelos puramente estéticos ou ornamentais de paisagismo urbano, preferindo intervenções funcionais, resilientes e de baixo custo de manutenção.
Em entrevistas e artigos, questionava que muitas estratégias de adaptação climática focavam demais em carbono e energia, enquanto negligenciavam o ciclo da água, um componente crítico das catástrofes hidrológicas.
Também alertava para a necessidade de políticas públicas, regulamentações urbanísticas e incentivos financeiros para que cidades adotassem infraestrutura verde e não apenas soluções pontuais.
No plano prático, os projetos da Turenscape sob sua liderança foram implementados em centenas de cidades chinesas e também em países como Rússia, Tailândia, Estados Unidos, França e Indonésia. Exemplos notáveis incluem o Parque Houtan em Xangai, o Qunli Stormwater Wetland Park, entre outros, que combinam espaços públicos, reservas hídricas e áreas verdes como sistemas de retenção e purificação da água.
Entretanto, o conceito também enfrentava críticas e desafios em sua operacionalização: como escalar para cidades muito grandes, como garantir manutenção contínua, como lidar com eventos climáticos extremos além do previsto, além de convencer tomadores de decisão e munícipios a investir em soluções menos visíveis mas de retorno ecológico e social.
Ainda assim, muitos especialistas consideravam seu trabalho como um dos caminhos mais promissores para tornar as cidades mais adaptáveis e justas em face da crise climática.