
Um smartphone contrabandeado da Coreia do Norte revelou níveis chocantes de controle que a ditadura exerce sobre sua população. As informações são da BBC.
O aparelho, que por fora parece um celular comum, emitia alertas quando o usuário usava gírias da Coreia do Sul e até corrigia automaticamente o termo “Coreia do Sul” para “estado fantoche”, segundo uma investigação da BBC.
O telefone também fazia capturas de tela a cada cinco minutos, armazenando as imagens em uma pasta oculta, inacessível para o dono do aparelho, mas presumivelmente acessível às autoridades norte-coreanas.
Ao tentar digitar a palavra “oppa” (irmão mais velho em coreano, mas que na gíria sul-coreana também significa namorado), o sistema corrigia automaticamente para “camarada”, mais alinhado à ideologia comunista. Um alerta surgia na tela advertindo que “oppa” só poderia ser usado para se referir a irmãos mais velhos, segundo a BBC.
Essas práticas bizarras, que parecem saídas de um livro de George Orwell, mas com tecnologia do século XXI, foram reveladas após o grupo de mídia Daily NK, sediado em Seul, conseguir contrabandear o celular no final do ano passado.
Este é apenas mais um exemplo da rígida repressão do regime de Kim Jong-un contra a tecnologia moderna, revelando que a ditadura pode estar vencendo a guerra da informação.
“Os smartphones agora são parte fundamental da maneira como a Coreia do Norte tenta doutrinar as pessoas”, disse à BBC Martyn Williams, especialista em tecnologia norte-coreana e membro do Stimson Center, em Washington.
Williams alerta que a Coreia do Norte está “começando a levar vantagem” nessa guerra informacional.
Em mais um sinal do endurecimento, desde 2023, usar expressões ou sotaque sul-coreano passou a ser oficialmente considerado crime de Estado por ordem de Kim.
Grupos conhecidos como “esquadrões de repressão juvenil” patrulham as ruas, monitorando o comportamento dos jovens norte-coreanos.
A dissidente norte-coreana Kang Gyuri, de 24 anos, contou à BBC que era frequentemente parada e repreendida por usar roupas e penteados no estilo sul-coreano. Ela fugiu do país em 2023, cruzando o mar de barco, e hoje vive na Coreia do Sul.
Segundo Kang, os fiscais também confiscavam seu celular e liam suas mensagens em busca de termos proibidos.
Esse endurecimento seria uma resposta às tentativas do governo sul-coreano de enviar mensagens subversivas para o Norte, mostrando aos cidadãos como a vida é diferente fora da ditadura.
Embora jornais e canais estrangeiros sejam proibidos na Coreia do Norte, algumas transmissões clandestinas conseguem enviar informações durante a madrugada via ondas de rádio curtas e médias.
Milhares de pen drives e cartões micro-SD, contendo dramas sul-coreanos e músicas de K-pop, também cruzam a fronteira todos os meses, muitas vezes escondidos em caixas de frutas.
Grande parte desse trabalho é financiada pelo governo dos EUA, embora alguns alertem que cortes recentes de verbas durante o governo Trump podem dar vantagem a Kim.
“O motivo desse controle todo é que grande parte do mito em torno da família Kim é inventado. Muito do que eles dizem ao povo é mentira”, afirma Martyn Williams.
Para dissidentes como Kang, o primeiro contato com o mundo exterior veio justamente por meio dessas transmissões clandestinas e dos K-dramas, que a fizeram perceber que a vida não precisava ser assim.
“Me sentia sufocada e, de repente, surgiu uma vontade enorme de fugir”, contou ela.
“Eu achava normal o Estado nos restringir tanto. Pensava que outros países viviam assim também. Mas aí percebi que isso só acontecia na Coreia do Norte”, relatou.