A presença dos Estados Unidos em conflitos ao redor do mundo não é novidade, por se tratar de uma das maiores economias do mundo e com um arsenal bélico do tamanho que o país do Tio Sam possui. E na disputa territorial entre a Venezuela e a Guiana pela região de Essequibo não é diferente.
Essequibo possui um território de aproximadamente 159 mil quilômetros quadrados, ficando entre a Guiana e a Venezuela. A região é conhecida por ser rica em minerais (ouro e diamante, por exemplo), além de enormes depósitos de petróleo e de outros hidrocarbonetos.
No último domingo (3), o presidente Nicolás Maduro convocou um referendo popular que defendeu a soberania venezuelana sobre esse território.
O porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Matthew Miller, disse em uma coletiva de imprensa realizada na segunda-feira (4) que a nação norte-americana pede "a Venezuela e Guiana que continuem a buscar uma solução pacífica para sua disputa. Isso não é algo que possa ser resolvido por meio de um referendo".
Segundo Miller, o governo de Joe Biden apoia as fronteiras delimitadas em 1899 entre os países. "Até que haja um acordo entre as duas partes ou que um órgão competente decida a questão".
Para a diretora acadêmica de pesquisa e pós-graduação stricto sensu-ESPM e cientista política, Denilde Holzhacker, a disputa entre a Guiana e a Venezuela é algo que afetará diretamente os Estados Unidos. "A região que é considerada central para o ponto de vista da segurança americana. Qualquer instabilidade é vista como uma questão estratégica para os Estados Unidos. Há, sim, ao longo do tempo, desde o governo Chaves, uma relação de muito confronto com os governos venezuelanos, tendo ações de repressão e de contenção do poder venezuelano".
Além da questão geopolítica na região, a exploração de petróleo também é vista como primordial na maneira como os Estados Unidos deverão seguir nessa disputa. "O que não dá para a gente saber ainda é como vai ser o desenrolar de cada passo [das ações norte-americanas]. Então se essa é só uma ameaça, se é uma forma dos Estados Unidos demonstrarem que se tiver alguma ação efetiva, eles vão defender Guiana. Isso geraria uma maior tensão e uma maior disputa com a Venezuela", explica Holzhacker.
Movimentações norte-americanas
Seguindo o padrão que os Estados Unidos normalmente têm tomado nos conflitos pelo mundo — com exceção de Israel e o Hamas, em que ele está diretamente ligado —, a cientista política diz que o país deve assumir medidas de aumento nas sanções políticas contra a Venezuela.
"Se a gente olhar o caso da Ucrânia e Rússia antes da guerra: a posição americana foi de ampliar as sanções. Então, o cenário é de que as sanções americanas voltem contra o Maduro e a Venezuela, interrompendo as conversações que estavam sendo feitas".
As conversações citadas pela cientista política se tratam dos acordos feitos pela gestão Biden com Maduro, com o intuito de que se tenham eleições presidenciais no próximo ano. O governo Biden tem flexibilizado as sanções que haviam sido impostas contra a Venezuela, além de voltar a comprar o petróleo venezuelano.
Para Holzhacker, Maduro "quer continuar no poder e não fazer as concessões para ter eleições e a participação da oposição. De certa forma, se essa for a resolução, é uma resolução que pode ser favorável para os objetivos internos do Maduro."
Guiana e Venezuela sobre participação dos Estados Unidos
O presidente da Guiana, Irfaan Ali , afirmou nesta quarta-feira (6) que está autorizando que os Estados Unidos tenham uma base militar no país. "A Força de Defesa de Guiana está em alerta máximo e se colocou em contato com sua homólogos militares, incluindo o Comando Sul dos Estados Unidos", disse o presidente.
Para Holzhacker, a fala soa como uma tentativa de mostrar internacionalmente que o país não "está sozinho". "Mostra que o páis pode ter o apoio de um aliado importante na região, e, por outro lado, buscar os caminhos via organizações internacionais, para a condenação da Venezuela".
Em resposta a fala do presidente Ali, a Venezuela emitiu um documento que diz: "Venezuela denuncia ante a comunidade internacional, e especialmente ante a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), a atitude imprudente de Guiana, que atuando sob o mandato da transnacional americana Exxon Mobil, está abrindo a possibilidade de instalação de bases militares a uma potencia imperial".
A disputa por Essequibo e a entrada dos Estados Unidos
A disputa pela região completou mais de dois séculos
. Em 1811, após a independência da Venezuela da Espanha, o território de Essequibo começou a fazer parte do país.
Em 1814, o Reino Unido Comprou a região onde hoje é a Guiana Inglesa, através de um tratado firmado com os Países Baixos. Entretanto, a definição precisa da fronteira entre a Guiana e a Venezuela não estava expressa no documento.
Mais de vinte anos depois, o país europeu decidiu nomear o explorador Robert Shomburgk para que pudesse mapear a fronteira, que acabou incluindo uma região de 80 mil quilômetros quadrados no território inglês. A partir de 1841, a disputa oficialmente começou.
Entrada dos Estados Unidos
Com o passar das décadas, os Estados Unidos passaram a ser um dos agentes envolvidos na disputa, sendo um contraponto ao Império Britânico. Na época, a onda de imperialismo norte-americano estava começando a ganhar força devido à chamada Doutrina Monroe, que vendia ideia da "América para americanos". Dessa forma, tentava-se acabar com a influência europeia no continente americano ao máximo.
Em 1886, após 46 anos da expedição de Robert Shomburgk e a criação da Linha Schomburgk, ela foi novamente ampliada, incorporando mais uma parte do território para a Guiana Inglesa.
Em 1895, como uma maneira de ajudar a sua então aliada Venezuela, os Estados Unidos começaram a denunciar a definição da fronteira proposta pelo Reino Unido. Para eles, a definição deveria ser realizada através de uma arbitragem internacional.
Em 1899, então, a Sentença Arbitral de Paris foi emitida, sendo favorável ao Reino Unido. A decisão foi contestada em 1949, após um memorando do advogado norte-americano que defendia a Venezuela fazer denúncias de uma suposta imparcialidade do juiz do caso. A Venezuela passou a usar o vazamento do memorando como forma de considerar a sentença "nula e sem efeito".
Apenas em 1966 o Reino Unido firmou o Acordo de Genebra, que reconhecia as reivindicações da Venezuela, e que buscava soluções para resolver a disputa. Entretanto, o governo venezuelano não via legitimidade na instituição para fazer a divisão.
Descoberta do petróleo
A disputa ganhou mais vigor quando em 2015, petroleira norte-americana ExxonMobil descobriu grandes poços de petróleo na região. Até hoje, 46 postos foram descobertos pela empresa norte-americana, elevando as reservas do país para 11 bilhões de barris (0,6% do total do mundo).
A exploração foi altamente criticada pelo governo venezuelano: "A Guiana não é uma vítima, não tem títulos sobre o território em disputa, é uma ocupante de fato e tem violentado reiteradamente o acordo de Genebra e a legalidade internacional, outorgando unilateralmente concessões no território terrestre e em águas de delimitação pendente".