O governo da Rússia disse que está pronto para receber inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) na central nuclear de Zaporíjia, ocupada pelos russos desde março, e que a própria agência afirmou estar “fora de controle”. Enquanto isso, o local voltou a ser alvo de ataques, e os dois lados voltaram a trocar acusações sobre quem seria o responsável.
Segundo nota que circulou entre diplomatas em Viena, emitida pelo representante russo na agência e obtida pela Bloomberg, Moscou convidou uma missão internacional para realizar “atividades dentro do quadro de implementação das salvaguardas, assim como [para] o monitoramento da segurança nuclear”. Essa nota é um dos passos necessários para o envio de uma missão de inspetores a Zaporíjia, mas ainda não há uma data para que essa viagem aconteça.
A maior central nuclear da Europa foi ocupada pelos russos no começo de março, após uma batalha apontada como de extremo risco pela Aiea — instalações chegaram a ser danificadas por foguetes e por disparos de artilharia, mas não houve danos aos seis reatores em operação. Mesmo com a “troca” no comando, ela ainda é operada por funcionários ucranianos, que, de acordo com relatos de Kiev, trabalham em regime de “semiliberdade”. Estima-se que 500 militares russos estejam na central, também usada como local de armazenamento de armas e equipamentos de combate
A Aiea afirma que, na prática, não há meios de constatar a segurança das atividades no local — em entrevista à Associated Press, na quarta-feira passada, o diretor-geral da agência, Mariano Grossi, afirmou que a central estava “fora de controle”, e a sequência de combates em seus arredores eleva os riscos de um acidente de grandes proporções.
Na sexta-feira, russos e ucranianos trocaram acusações sobre ataques que danificaram estruturas como cabos de transmissão de energia e tubulações próximas aos reatores. O Ministério da Defesa russo afirmou que chegou a ocorrer um pequeno incêndio, rapidamente controlado, e que houve uma redução das atividades de geração de energia até que os problemas fossem sanados. No sábado e no domingo, o local voltou a ser atacado com foguetes, e novamente os dois lados evitaram assumir a responsabilidade e trocaram acusações.
"Qualquer ataque contra uma usina nuclear é uma coisa suicida. Espero que os ataques terminem e, ao mesmo tempo, espero que a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) consiga ter acesso ao local", ressaltou o secretário-geral da ONU, António Guterres, durante entrevista coletiva em Tóquio, no Japão.
As declarações foram dadas em meio às cerimônias que lembraram os 77 anos dos ataques com bombas atômicas dos EUA contra Hiroshima e Nagasaki, nos últimos movimentos da Segunda Guerra Mundial. Segundo estimativas, mais de 210 mil pessoas morreram.
Questões de segurança
Apesar da disposição russa para receber os inspetores, Grossi ressaltou que ainda se trata de uma instalação nuclear ucraniana, em solo ucraniano, e que a viagem até Zaporíjia também depende do aval de Kiev.
Uma das questões envolvidas é a segurança dos inspetores, que precisarão passar por zonas de combate. Teoricamente, os dois lados precisam concordar com um cessar-fogo durante o transporte e o período de inspeções. Em entrevista, o presidente da Energoatom, a estatal ucraniana do setor nuclear, Petro Kotin, defendeu o estabelecimento de uma zona desmilitarizada, para que os especialistas da Aiea e outras organizações internacionais possam trabalhar em segurança.
“A equipe da Aiea precisa ir a Zaporíjia assim como foi a Chernobyl e ao Sul da Ucrânia no começo do ano”, escreveu Grossi no Twitter, no domingo, se referindo a visitas anteriores de inspetores à Ucrânia, já durante o conflito. “Precisamos montar uma missão de segurança e de salvaguardas, e oferecer a assistência indispensável e abordagem imparcial necessárias.”
O futuro (e a segurança) de Zaporíjia interessa a Kiev e a Moscou: a Ucrânia depende da central nuclear para manter seu fornecimento de energia, enquanto os russos já fazem planos para integrar as instalações à sua rede de energia, como parte da estratégia de ocupação de parte do território ucraniano. Embora a Ucrânia afirme ser inviável, especialistas no setor dizem que tal operação, embora seja legalmente questionável, uma vez que se trata de uma ocupação à força, é tecnicamente possível, e não deve demandar grandes obras ou operações complexas.
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