Morreu na manhã de terça-feira, aos 103 anos, o cientista britânico James Lovelock, criador da teoria de Gaia, segundo a qual a Terra funciona como um organismo vivo. Autor influente entre ambientalistas e ecólogos nas décadas de 1970 e 1980, ele passava por complicações de saúde após ter sofrido uma queda em sua residência, em Dorset (Inglaterra).
No meio científico, Lovelock é uma figura que sempre foi controversa, mas que provocou reflexões importantes. A teoria de Gaia (batizada com o nome da deusa grega que representa a Terra) postulava que o planeta como um todo possui uma espécie de consciência própria, um mecanismo orgânico de autorregulação que atua para criar condições para a vida.
Por seu apelo místico, a hipótese atraiu inicialmente muitos adeptos do movimento Nova Era, que ajudaram a impulsionar a militância ambientalista no fim do século 20. No meio acadêmico, porém, até hoje a hipótese de Gaia enfrenta obstáculos, por ser considerada uma abordagem falha para a questão do ponto de vista filosófico, atribuindo intenção a fenômenos da natureza.
O debate que a teoria provocou, porém, ajudou a consolidar a ideia de que existem de fato alguns mecanismos de autorregulação no planeta, alguns deles desencadeados atualmente pela mudança climática. No meio ambientalista, formado em medicina, é um dos grandes responsáveis pela ideia mais bem aceita de que a Terra pune os humanos quando estes destroem os ecossistemas.
A ideia de Gaia, criada na década de 1960, ganhou muita popularidade a partir da década seguinte, após a bióloga Lynn Margulis ajudá-lo a desdobrar e modernizar sua ideia. Após os anos 2000, uma forma menos esotérica da teoria aumentou sua aceitação acadêmica.
No Brasil, um dos cientistas que inspirados pelo mecanismo de Gaia é Antonio Nobre, pioneiro no estudo do transporte de umidade da Amazônia que ajuda a sustentar outros biomas do continente. Sua ideia ficou conhecida como teoria dos "rios voadores".
A despeito da notoriedade que Lovelock ganhou ao longo das décadas, algumas de suas posições — particularmente a defesa das usinas nucleares — o colocaram em conflito com a comunidade ambientalista.
Por ser uma fonte de energia que não emite CO2, ele acreditava que a energia atômica merecia um papel maior no combate ao aquecimento global, a despeito de outros risco que oferecia.
Também foi alvo de críticas a sua defesa da contracepção como forma de combate à mudança climática, para que a redução do crescimento populacional freasse a demanda por combustíveis fósseis no planeta. A declaração não foi bem recebida por ativistas dos direitos reprodutivos.
O legado que James Lovelock deixa, porém, vai além da elaboração da teoria de Gaia e da vocação para o polemismo. Formado em medicina, o cientista teve importantes trabalhos em infectologia, particularmente sobre a transmissão do vírus da gripe. Foi também pioneiro de estudos sobre criogenia, a preservação de organismos vivos por meio do congelamento.
Um dispositivo que o cientista inventou (um detector de moléculas por captura de elétrons) foi uma ferramenta importante na década de 1960 para estudo dos clorofluorcarbonos, gases que danificam a camada de ozônio.
No imaginário público, Lovelock deixa um legado importante por ter contribuído para a ideia de que os humanos não são um elemento apartado da natureza.
"Nós somos a elite inteligente da vida animal na Terra, e quaisquer que sejam nossos erros, a Terra precisa de nós. Esta pode parecer uma afirmação estranha depois de tudo o que eu disse sobre a forma a qual os humanos se tornaram algo quase como um organismo de doença planetária no século XX", escreveu o cientista em seu livro "The Vanishing Face of Gaia", de 2009.
"Mas a Terra levou 2,5 bilhões de anos para evoluir um animal capaz de pensar e comunicar seus pensamentos. Se nós nos extinguirmos, ela tem poucas chances de evoluir outra espécie dessas."
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