Em meio à ampla deterioração das relações entre os EUA e a Rússia, um dos responsáveis russos pelo díálogo em um campo estratégico, o de controle de armas nucleares, afirmou que as conversas com Washington se encontram congeladas, mais um impacto direto da Guerra da Ucrânia. O anúncio ocorre após uma série de declarações do presidente Vladimir Putin e integrantes de seu governo mencionando o uso de armas atômicas, e após o teste de um novo míssil com capacidade de realizar um ataque nuclear.
"Hoje, a situação é tal que não há necessidade de falar sobre quaisquer perspectivas de negociações de estabilidade estratégica com os Estados Unidos. Infelizmente, todas as ações de Washington são direcionadas na direção diametralmente oposta", afirmou à Tass o diretor do Departamento de Não-Proliferação e Controle de Armas do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Vladimir Yermakov. "Em qualquer diálogo, e ainda mais no diálogo estratégico, é necessário, no mínimo, ter um parceiro com mentalidade adequada. No momento, esse diálogo está formalmente "congelado" do lado americano".
Citada por Yermakov, a "estabilidade estratégica" consiste em compromissos acertados por potências nucleares, no caso as duas maiores no mundo, EUA e Rússia, nos quais tomam ações para evitar um ataque inicial, para evitar incentivos ao aumento dos arsenais e para dar algum grau de previsibilidade e transparência em momentos de tensões elevadas.
Nos últimos anos, uma série de mecanismos acertados nas décadas passadas sobre essa estabilidade foram quebrados por parte dos EUA, a começar pelo Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, assinado em 1987 e rasgado pelo ex-presidente Donald Trump em 2019. O texto bania o uso de mísseis balísticos, de cruzeiro e lançadores de mísseis com alcance entre 500 km e 5,5 mil km. Hoje, apenas um acordo nuclear segue em vigor, o Novo Start, firmado em 2010 e renovado em 2021, após um impasse que por pouco não o invalidou.
Na entrevista à Tass, Yermakov sinalizou que o diálogo só voltará a acontecer quando Moscou considerar que a invasão da Ucrania, chamada internamente de "operação militar especial", estiver concluída.
"Aparentemente, será possível retornar a uma conversa substantiva sobre as perspectivas de retomada de um processo de negociação russo-americano em grande escala na agenda estratégica somente após a implementação de todas as tarefas definidas no âmbito de uma operação militar especial. na Ucrânia", disse Yermakov à Tass.
Nas últimas semanas, autoridades russas, incluindo o presidente Putin, passaram a incluir menções às armas nucleares em seus discursos, e o teste do míssil intercontinental Sarmat, no dia 20, foi apontado como elemento a mais de preocupação. Após o lançamento, Putin afirmou que a nova arma "garantirá de maneira confiável a segurança da Rússia contra ameaças externas e dará o que pensar para aqueles que, no calor da retórica agressiva frenética, tentam ameaçar nosso país".
Ainda não houve resposta por parte de Washington.
No caso das negociações entre Moscou e Kiev, o chanceler russo, Sergei Lavrov, apontou que as conversas estão ocorrendo, embora sem uma perspectiva positiva à frente. Em entrevista à Xinhua, o diplomata afirmou que "um acordo só poderá ser alcançado quando Kiev começar a ser guiada pelos interesses do povo ucraniano, e não por 'conselheiros de longe'", referência aos aliados europeus e aos EUA.
"Quanto às relações russo-ucranianas, a Rússia está interessada em uma Ucrânia pacífica, livre, neutra, próspera e amigável. e simplesmente laços familiares entre russos e ucranianos. Estes definitivamente restauraremos os laços", disse Lavrov, em uma opinião que certamente não é compartilhada por Kiev.
O chanceler ainda acusou os países da Otan de tentarem atrapalhar as negociações, que hoje, segundo Lavrov, ocorrem de maneira virtual.
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"Expressando publicamente seu apoio ao regime de Kiev, os países da Otan estão fazendo de tudo para impedir a conclusão da operação [militar] e de acordos políticos", afirmou à Xinhua, exigindo ainda que a aliança pare de enviar armas aos ucranianos. Para ele, um aspecto importante para o sucesso das negociações de paz é a suspensão das sanções internacionas aplicadas à Rússia.
Ataques em Donbass
No campo militar, as forças russas intensificaram os ataques contra Donbass, no Leste do país e, desde o final de março, principal campo de batalha da guerra. Segundo militares ucranianos, a Rússia tenta capturar áreas de Lyman, na regoão de Donetsk, e de Popasna, na vizinha Luhansk, mas não teriam obtido grandes sucessos.
"Nós sofremos grandes perdas, mas as perdas russas são muito, muito maiores", afirmou o assessor presidencial ucraniano Oleksiy Arestovych. "Eles sofreram perdas colossais".
Em entrevista a uma TV local, o governador de Luhansk, Serhiy Gaidai, disse que a artilharia é intensa, "mas eles não conseguem passar por nossas defesas". Ele afirmou que duas escolas e 20 casas foram destruídas nos arredores de Popasna na sexta-feira, mas que os civis estão conseguindo ser retirados. Contudo, o chefe da administração militar de Popasna, Mykola Khanatov, afirmou que dois dos ônibus que faziam o transporte das pessoas para áreas mais seguras foram atingidos por disparos, mas não deu detalhes sobre possíveis vítimas.
Os russos, por sua vez, afirmaram ter atingido 389 alvos nas últimas horas, segundo o major-general Igor Konashenkov, porta-voz do Ministério da Defesa russo. Um dos ataques teria sido realizado com mísseis de cruzeiro do tipo Kalibr, lançado a partir de um submarino no Mar Negro, no que seria a primeira ação do tipo desde o início do conflito. Por sua vez, as autoridades da região de Bryansk, que faz divisa com a Ucrânia, afirmam ter impedido que uma aeronave ucraniana entrasse na área — um terminal de combustíveis foi atingido, mas não foram dados detalhes.
Fora de Donbass, o chefe do conselho regional de Dnipro, na região centro-leste da Ucrânia, disse que houve ataques russos na área de Kryvyi Rih, e uma vila próxima à região de Zaporíjia também foi atingida. Publicações feitas em rede sociais mostraram estragos em Kharkiv, mas não puderam ser verificadas de forma independente.
Em Mariupol, um dos mais violentos cenários da guerra, equipes vasculham as ruas agora em ruínas para recuperar corpos dos mortos nos intensos combates. Estima-se que 100 mil civis ainda estejam na cidade, vivendo em condições "catastróficas".
"Estávamos com fome, a criança sestava chorando, foi quando os disparos do Grad [tipo de foguete] atingiram os arredores de nossa casa", afirmou à Reuters Viktoria Nikolayeva, que se escondeu com a família em um porão. "Foi quando pensamos que era o fim".
Hoje, Mariupol, está sob controle da Rússia, com a exceção da usina siderúrgica Azovstal, último foco de resistência de ucraniana, e a retirada dos civis e da cidade é um ponto central das negociações.
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