O segundo turno das eleições presidenciais na França, no próximo domingo (24), deve ser mais um termômetro das mudanças políticas vistas nos últimos tempos em diversos países do mundo, ainda que repita um duelo já visto em 2017.
Se, por um lado, o atual mandatário Emmanuel Macron é favorito à vitória com uma candidatura de centro, por outro, a ultranacionalista Marine Le Pen continua a mostrar fôlego e deve obter seu melhor resultado nas urnas, segundo as pesquisas de intenção de voto.
As sondagens indicam que o presidente tem cerca de 55% da preferência, contra 45% de sua oponente. Há cinco anos, Macron obtivera uma vitória avassaladora contra Le Pen no segundo turno, com 66% dos votos.
"Essa desintegração dos votos no centro nos dá uma perspectiva para a dinâmica interna francesa. O que a gente tem observado é que Le Pen conseguiu absorver a frustração que atingiu várias camadas da população francesa em temas como inflação, queda no poder de compra, questões que afetam o dia a dia dos franceses e que têm gerado essa insatisfação com o governo Macron", diz o professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Pedro Brites, em entrevista à ANSA.
O especialista ainda aponta que a candidata da extrema direita atenuou seu discurso para "ampliar sua base eleitoral", deixando inclusive de pedir a saída da França da União Europeia, e afirma que o avanço do ultranacionalismo é um fenômeno mundial.
"Você tem a Le Pen tentando normalizar o discurso, a imagem, para ser mais amigável, ter menos agressividade. É uma tentativa de mostrar um lado mais familiar, menos austero, e isso tudo também trouxe mais eleitores que talvez não tenham tanto contato com esse histórico mais clássico da extrema direita francesa. Talvez estejam votando mais contra o sistema atual", pontua.
O presidente da Fundação da Liberdade Econômica e coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, Márcio Coimbra, também vincula a força de Le Pen ao contexto global.
"É uma tendência no mundo inteiro que a gente está vendo: o enfraquecimento do centro e o fortalecimento dos extremos. Mas o mundo já está num refluxo em relação a isso. A eleição de Biden é um efeito disso, e isso precisa também ser confirmado por outras eleições - a eleição francesa é fundamental nesse sentido", destaca Coimbra.
Para o cientista político, "o mundo ainda está se reorganizando, com tendência a voltar para o centrismo, mas não há uma garantia real disso", e a "eleição francesa e a brasileira são duas bases para dar esse termômetro".
Europa
Já para a União Europeia, não há dúvidas de que uma eventual mudança no Palácio do Eliseu provocaria consequências.
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"O governo Macron vem buscando, principalmente desde a saída de Angela Merkel, esse protagonismo na União Europeia - que está, de certa forma, carente desde a saída dela. Macron, em alguma medida, vem ocupando esse espaço. Já no caso da Le Pen, pode-se colocar em xeque essa posição que a França atingiu por conta das iniciativas de Macron, de globalizar a França e, de certa forma, voltar o país para uma posição mais efetiva", ressalta Brites.
Para o professor, esse seria "um dos principais aspectos" de uma eventual vitória de Le Pen: uma União Europeia que acabou de passar pelo trauma do Brexit precisaria lidar com problemas em um dos seus pilares.
Coimbra destaca que a eleição da candidata de extrema direita provocaria poucas mudanças internas, já que esses temas ficam mais a cargo do primeiro-ministro, que é eleito pelo Parlamento - onde Le Pen não terá maioria -, mas geraria alterações mais profundas na política externa.
"O partido de Marine Le Pen não tem uma força local a ponto de eleger deputados, ele tem uma força geral para tentar eleger a presidente. Certamente não fará uma maioria. Então teríamos uma Le Pen como presidente e um primeiro-ministro do partido do Macron, e aí você teria uma situação de desgaste e de imobilismo de Le Pen, e não se saberia para que lado a França iria", acrescenta.
Guerra na Ucrânia
Um dos fatores que marcaram a campanha eleitoral para a Presidência francesa em 2022 foi a eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia, que afetou profundamente a União Europeia.
Macron assumiu um papel de liderança, telefonando diversas vezes para o presidente russo, Vladimir Putin, para tentar acabar com o conflito, mas esse ativismo não se traduziu em votos no primeiro turno.
"Para o francês, vale muito mais a gestão local do que internacional. A internacional é só quando afeta a situação local. Se você tiver, por exemplo, um avanço da imigração ucraniana que tire o emprego dos franceses, aí então você vai ter desconforto em relação à guerra. Mas, até agora, Macron tem agido muito bem, de maneira muito firme, dentro do que se espera, mas eu não vejo isso causando um maior impacto dentro da eleição francesa neste momento, apesar de ver isso contando muito mais a favor dele do que contra", ressalta Coimbra.
Brites segue na mesma linha e lembra que a popularidade do presidente aumentou no começo do conflito. "O problema me parece que, com o prolongamento da guerra, ela deixou de estar na agenda do cidadão médio, que acaba se voltando para questões internas", diz o professor da FGV.
Para o especialista, "mesmo sendo um tema importante, ele não é prioritário a partir do momento em que você não tem um risco iminente de ataque ao território francês como parecia no início, quando ninguém sabia o que ia acontecer".
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