Andrés Manuel López Obrador
Reprodução/SkyNews
Andrés Manuel López Obrador

Pela primeira vez na História do México , um presidente promove na metade de seu mandato, com toda a força e recursos da máquina estatal, um referendo sobre sua continuidade no poder. Numa jogada que analistas e opositores consideram demagógica e populista, Andrés Manuel López Obrador, conhecido pelas iniciais AMLO, decidiu ativar um instrumento de participação popular aprovado por lei no ano passado, por iniciativa de seu partido, o Morena (Movimento de Regeneração Nacional), com o objetivo de usar o resultado para fortalecer a imagem de um líder conectado com seu povo.

A consulta será realizada neste domingo, e para que o resultado seja vinculante a participação deve superar 40%. Outra das faces desta operação política é a ofensiva do governo contra o Instituto Nacional Eleitoral (INE), acusado pelo presidente e seus aliados de não incentivar os mexicanos a votarem. Se a participação, finalmente, ficar abaixo do esperado, López Obrador redobrará os ataques ao organismo eleitoral, preveem analistas, debilitando uma instituição central da democracia mexicana.

"O que todos nos perguntamos é o que fará López Obrador com o poder que lhe dará o referendo. No caso do INE, está claro, ele quer capturar o organismo, já pensando nas eleições de 2024", afirma Jose Antonio Crespo, analista e autor do livro "AMLO na balança: da esperança à incerteza".

Nas legislativas de 2021, o Morena perdeu cerca de 20% de suas cadeiras no Parlamento e passou a depender mais de aliados para aprovar projetos de lei. O partido governista obteve resultados abaixo do esperado na Cidade do México, até então bastião sólido do chefe de Estado. Hoje, o panorama eleitoral mexicano é um paradoxo: a popularidade de López Obrador chega a 60% em algumas pesquisas, mas, deste total, explica Crespo, apenas 18% afirmam apoiar o presidente pelos resultados obtidos.

"Temos mais pobres, mais inflação, mais desemprego, muitos programas sociais foram suspensos, temos mais de 10 milhões de pobres sem ajuda do Estado. As pessoas gostam de pensar que vai melhorar, acham López Obrador honesto, uma pessoa com boas intenções. Isso explica os 60%, porque a opinião sobre o governo é ruim", aponta o analista.

Para ele, o presidente é "um bom demagogo, que sabe manipular o povo".

‘Selo de submissão’

Em artigo publicado no Washington Post, a cientista política, escritora e ativista social mexicana Denise Dresser considerou o referendo um "selo de submissão". O presidente, escreveu Denise, "torceu um instrumento criado para tirar governantes ruins, não para fortalecer legítimos. Foi manipulada uma iniciativa louvável, até transformá-la num exercício desprezível".

Além de um resultado abaixo do esperado nas legislativas do ano passado, López Obrador não conseguiu cumprir várias de suas promessas de campanha, entre elas uma taxa de crescimento em torno de 4% — a previsão para 2022 é de 1,2%. A inflação, como no resto na América Latina, virou uma dor de cabeça diária (entre março deste ano e o mesmo mês do ano passado o aumento acumulado foi de 7,45%), e cada vez fica mais claro que o apoio ao presidente tem a ver com uma conexão emocional com seus seguidores.

"López Obrador quer mostrar que o povo está do seu lado e que ele se submete ao povo, não às elites econômicas. O presidente não está correndo riscos, é essencialmente um referendo populista", afirma Antonio Ortiz Mena, vice-presidente da consultoria em estratégias globais Dentons Global Advisors-Albright Stonebridge Group.

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Para ele, "o presidente está enfraquecendo órgãos do Estado como o INE, e preparando o terreno para continuar sendo o dono do poder a partir de 2024, mesmo sem reeleição".

"Na década de 20 do século passado, tivemos um presidente chamado Plutarco Elias Calles, que manteve o controle do governo, mesmo depois de encerrado seu mandato. As pessoas passavam pelo palácio presidencial e diziam 'aqui mora o presidente, quem governa mora em frente'. Essa parte da história mexicana dá um pouco de medo" lembra Ortiz Mena.

Pesquisa recente divulgada pelo jornal El Financeiro mostrou que, para 52% dos mexicanos, o referendo é desnecessário. Quando perguntados sobre a continuidade de López Obrador, 63% dos entrevistados disseram apoiar a permanência do presidente.

"Reafirma-se o princípio constitucional de que o povo tem, em todo momento, o direito de mudar seu governo. São os conservadores frescos os que não gostam", declarou o chefe de Estado.

Na avaliação de Fernando Nieto, professor do Colégio do México, "a ideia do referendo não é ruim, trata-se de um esforço de incluir um instrumento novo num sistema presidencialista latino-americano. Porém, neste caso específico, parece parte de uma estratégia política do presidente".

"López Obrador está fazendo isso para cumprir uma promessa de campanha, atacar o INE e construir uma narrativa que o fortaleça", aponta Nieto.

Os cartazes espalhados pelo México não deixam dúvidas sobre as reais intenções de López Obrador: "AMLO não está sozinho. 10 de abril, vamos votar #quecontinueopresidente".

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