Diante de uma multidão como fazia muito tempo não se via numa posse presidencial no Chile, o novo chefe de Estado do país, Gabriel Boric, de 36 anos, afirmou nesta sexta-feira, da sacada do Palácio de la Moneda, que "não estaríamos aqui sem as mobilizações de vocês".
Num discurso interrompido em vários momentos pelos aplausos dos milhares de chilenos que lotaram a histórica Praça da Constituição, Boric prometeu liderar "um governo do povo" e, lembrando a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), falou sobre um "passado de violência e opressão que não esqueceremos. Nunca mais pode voltar a se repetir".
Boric apelou à figura e a uma das falas mais emblemáticas do ex-presidente Salvador Allende (1970-1973), derrubado por Pinochet, para encerrar seu primeiro discurso como presidente do Chile:
— Como previra há quase 50 anos Salvador Allende, estamos de novo, compatriotas, abrindo as grandes alamedas por onde passem o homem livre, o homem e a mulher livres, para construir uma sociedade melhor. Continuamos, viva o Chile!
De terno e sem gravata, Boric tentou, em todo momento, mostrar-se próximo de seus seguidores e como defensor de uma necessária etapa de reconciliação entre todos os chilenos.
— Precisamos reparar as feridas que ficaram da explosão social (de 2019). Por isso, ontem retiramos as denúncias contra o Estado por violência. Vamos trabalhar pelo reencontro dos chilenos — comunicou o novo presidente.
Boric também pediu o respaldo da população ao trabalho da Convenção Constituinte, que está elaborando o projeto de Constituição que no segundo semestre deste ano deverá ser submetido ao chamado plebiscito de saída. A aprovação do texto é considerada crucial para o futuro do novo governo.
— Vamos apoiar o trabalho da Convenção, precisamos de uma Constituição que surja da democracia, de forma paritária, com participação dos povos indígenas, que seja para o presente e o futuro, que seja para todos e não para alguns poucos — frisou Boric.
O presidente pediu a presença de seus ministros nas ruas, em permanente contato com a sociedade. Questionou o sistema previdenciário atual, "um negócio", a situação de estudantes endividados por pagarem pelo direito básico e universal da educação, a situação dos camponeses que não têm água. Prometeu ajudar "as famílias de desaparecidos, que não deixaremos de buscar", e defendeu "as dissidências e diversidades de gênero discriminadas e excluídas por tanto tempo".
Em clara referência às comunidades mapuches, falou dos "povos despojados de suas terras, mas não de sua história", e lamentou a situação em que vive "a classe média asfixiada".
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— Juntos marchamos por um futuro digno, e este governo não será o fim desta marcha. Vamos continuar o caminho, que, sem dúvida, será longo e difícil — enfatizou Boric.
Numa breve mensagem à região e ao mundo, o novo presidente do Chile assegurou que em seu governo seu país "promoverá sempre o respeito dos direitos humanos em todos os lugares e sem importar a cor dos governos que os vulnere".
— Teremos autonomia política a nível internacional, sem subordinar-nos a outras
potências — enfatizou Boric.
Horas antes do discurso presidencial, a multidão derrubou algumas das grades que separavam os seguidores do presidente do palácio presidencial e houve corridas. Todos queriam estar perto do novo presidente. Famílias inteiras chegaram bem cedo à Praça da Constituição, no centro de Santiago, levando bandeiras que diziam, por exemplo, "Será um governo dos justos" e "Nova Constituição para um novo Chile".
Minutos antes do discurso, os manifestantes cantavam "Boric amigo, o povo está contigo". Alguns jovens se penduraram em grades de janelas de prédios antigos, para ver melhor o discurso do novo chefe de Estado.
Jornalistas de rádios locais comentaram que fazia muito tempo que não se via na capital chilena uma festa popular similar, para comemorar a posse de um novo governo. Avós que chegavam com seus netos, grupos de jovens vestindo camisetas com a inscrição "Boric presidente" e casais que disseram a meios locais terem chegado às 6 da manhã ao local, para garantir um bom lugar.
O jornalista Néstor Aburto, da emissora de rádio Bio Bio, que cobre a Presidência chilena há muito tempo, comentou nunca ter visto "tantas crianças brincando dentro do palácio presidencial numa posse. São filhos de funcionários do novo governo".
Antes de entrar ao palácio presidencial, Boric fez questão de aproximar-se de uma estátua do ex-presidente Allende e fazer uma reverência, gesto que provocou aplausos da multidão que acompanhou o momento de longe.
Em quase todo momento, o presidente esteve acompanhado pela nova primeira dama do Chile, Irina Karamanos, de 32 anos, uma de suas principais assessoras, e que forma junto a ele a imagem de um novo Chile que parece estar nascendo. Seu futuro dependerá, como admitiu o próprio Boric, da capacidade de seu governo de superar crises internas e externas, tensões sociais, enormes dificuldades econômicas e o desafio de reerguer o país e encontrar consensos com uma oposição que promete ser feroz.
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