O Parlamento russo abriu caminho nesta sexta-feira para aprovar um texto com duras penas de prisão e multas para quem publicar “informações falsas” sobre o Exército, em mais uma medida de repressão interna em meio à invasão da Ucrânia.
Os deputados da câmara baixa do Parlamento russo (Duma) aprovaram, por unanimidade, uma emenda que prevê penas de até 15 anos de prisão se forem divulgadas informações que busquem “desacreditar” as Forças Armadas. Autoridades russas já deixaram claro que o próprio ato de chamar a invasão à Ucrânia de “guerra” — o Kremlin usa o termo “operação militar especial” — é considerado desinformação. Outra emenda contempla punições para quem pede “sanções contra a Rússia”, justamente quando o país enfrenta grandes penalidades de países ocidentais pelo ataque à Ucrânia .
Os textos se aplicam tanto à mídia quanto aos indivíduos que trabalham nela. Se forem aprovadas pela câmara alta, reforçarão o arsenal das autoridades em sua guerra de informação, paralela à ofensiva na Ucrânia. O presidente da Comissão de Política da Informação da Duma, Alexander Khinshtein, disse ainda que a “lei se aplica a todos os cidadãos, não apenas aos da Rússia”.
Para controlar ainda mais as informações que a população russa recebe sobre o conflito, as autoridades aumentaram a pressão sobre os poucos meios de comunicação independentes que continuaram trabalhando no país apesar do clima hostil.
Nesta sexta, o regulador russo Roskomnadzor anunciou ter limitado o acesso aos sites da edição em russo da BBC britânica e da emissora internacional alemã Deutsche Welle, bem como ao portal independente Meduza e à rádio Svoboda, antena russa da RFE/RL (Rádio Free Europe/Radio Liberty), um meio financiado pelo Congresso dos EUA. Também foi difícil acessar, em alguns momentos, a rede social Facebook, cuja sede fica nos Estados Unidos.
Na quinta, a rádio Ekho Moskvy (Ecos de Moscou), fundada por dissidentes soviéticos em 1990 e que simbolizava as novas liberdades da Rússia, foi “liquidada” por sua diretoria. A TV Rain, a jovem estação de TV independente que se autodenomina “o canal otimista”, disse que suspenderia as operações indefinidamente.
"O Kremlin pretende controlar a narrativa de sua 'operação militar especial' na Ucrânia ainda mais intensamente do que controla a mídia", disse ao New York Times Aleksei A. Venediktov, editor-geral da Ecos de Moscou, de propriedade da Gazprom, a gigante estatal de energia.
Na terça-feira, as autoridades tiraram a rádio do ar pela primeira vez desde a tentativa de golpe soviético em 1991 e, na quinta-feira, seu conselho de administração decidiu fechar totalmente as portas.
Dmitri Muratov, jornalista que dividiu com Maria Ressa o Prêmio Nobel da Paz no ano passado, disse que seu jornal Novaya Gazeta, que sobreviveu ao assassinato de seis de seus jornalistas, pode estar prestes a fechar também.
"Tudo o que não é propaganda está sendo eliminado", disse Muratov ao jornal New York Times.
A rede de TV opositora Dozhd também anunciou a suspensão de suas atividades, depois de ter sido bloqueada pela Roskomnadzor por sua cobertura da invasão. Na quinta, a TV exibiu o balé “O Lago dos Cines” após interromper o funcionamento de suas operações. A obra foi usada nas transmissões de rádio e televisão da era soviética durante a década de 1980, após a morte de líderes como Leonid Brezhnev, Yuri Andropov e Konstantin Chernenko, enquanto o governo elaborava planos de sucessão. Mais tarde, os bailarinos também surgiram na TV durante o golpe de 1991 contra Mikhail Gorbachev, que contribuiria para o fim da União Soviética.
O site de notícias Znak, por sua vez, disse que estava terminando seu trabalho “por causa do grande número de restrições que surgiram recentemente sobre a operação da mídia na Rússia”. A The Village, agenda cultural de referência em Moscou, decidiu fechar seu escritório na capital russa e transferi-la para Varsóvia (Polônia).
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Muitos jornalistas independentes fugiram do país esta semana, temendo repressões ainda piores.
O presidente da Duma, Vyacheslav Volodin, culpou nesta sexta-feira as redes sociais com sede nos Estados Unidos de serem “usadas como armas para espalhar ódio e mentiras”.
Valeri Fadeev, presidente do Conselho de Direitos Humanos do Kremlin, acusou a mídia estrangeira de espalhar notícias falsas sobre o conflito na Ucrânia.
"Lançamos um projeto para combater a enorme quantidade de notícias falsas vindas da Ucrânia e de países ocidentais."
Operação policial contra ONG
Os fechamentos ocorrem em um ano particularmente difícil na Rússia para a mídia independente, a oposição política e a sociedade civil. Inúmeras publicações e jornalistas foram rotulados de "agentes estrangeiros", categoria que os obriga a realizar procedimentos administrativos pesados, com o risco de serem processados judicialmente por qualquer falta.
O principal opositor do Kremlin, Alexei Navalny, foi preso em seu retorno à Rússia, após sobreviver a uma tentativa de envenenamento. Seu movimento foi desmantelado.
A Justiça russa decidiu em dezembro fechar a fundação Memorial International, ONG mais conhecida do país e símbolo da defesa das liberdades civis. O veredicto foi confirmado após um recurso na segunda-feira.
A ONG, guardiã da memória das milhões de vítimas dos crimes na União Soviética, anunciou nesta sexta-feira que uma operação policial estava em andamento em seus escritórios em Moscou, levantando temores de seu fechamento efetivo.
Outra organização não governamental, a ONG Assistência Cívica, que ajuda migrantes, também foi alvo de batidas policiais.
De acordo com um observatório de direitos humanos na Rússia, OVD-Info, mais de 8 mil pessoas foram presas no país, a maioria em Moscou e São Petersburgo, desde 24 de fevereiro por terem se manifestado contra a invasão da Ucrânia. Embora a repressão afete sobretudo os russos, também há quem aponte para organizações estrangeiras.
— Com informações de agências internacionais