Se tem uma pessoa a quem Joe Biden terá que agradecer se for confirmada a sua vitória sobre a hegemonia republicana na Geórgia , ela é Stacey Abrams. É o que dizem muitos democratas e autoridades locais. A advogada tributária e ex-líder da minoria na Assembleia Legislativa da Geórgia chegou a ser, brevemente, considerada para compor a chapa de Biden no papel de vice-presidente e teve papel fundamental na campanha dele.
Graduada pela Faculdade de Direito de Yale, uma das mais prestigiadas do mundo, Abrams passou quase uma década trabalhando no restabelecimento da coalizão multirracial pelo direito ao voto que deu início ao movimento pelos direitos civis dos anos 1960 e abalou o domínio de conservadores brancos no estado. Ela tem sido cada vez mais apontada como herdeira da liderança do movimento personificado por dois icônicos georgianos: o reverendo Martin Luther King Jr. (1929-1968) e o deputado John Lewis (1940-2020). A virada de Biden no estado, que teve uma forte participação dela, cimentou essa ideia.
“Esta cidadã americana adoraria agradecer-lhe do fundo do coração!!”, exclamou a premiada atriz Viola Davis para Abrams no Twitter na sexta-feira. A ex-secretária de Estado Hillary Clinton também entrou na fila da louvação. Depois que Abrams publicou um tuíte agradecendo os ativistas pelo esforço para preservar o direito ao voto na Geórgia, Hilary respondeu: “E obrigada a VOCÊ, Stacey. Obrigada.”
A Geórgia não direcionava seus 16 votos no Colégio Eleitoral a um presidente democrata desde Bill Clinton em 1992. Mas, 28 anos depois, o estado sulista de tradição republicana estava até ontem prestes a se tornar azul (a cor do Partido Democrata), em grande parte devido aos esforços dessa líder política.
“Que horas é o desfile de Stacey Abrams?”, perguntou no Twitter Lisa Lucas, uma executiva editorial, repercutindo o ponto de vista dos líderes políticos e empresariais negros que acreditam que Abrams merece grande parte do crédito pela participação recorde de comunidades negras na eleição.
Sete anos atrás, quando ainda estava na legislatura estadual, Abrams fundou o New Georgia Project (Projeto Nova Geórgia, em tradução livre), uma organização sem fins lucrativos que registrou cerca de 100 mil novos eleitores, e então criou a Fair Fight (Disputa Justa), uma entidade voltada para o combate à supressão de votos.
Em 2018, Abrams se tornou a primeira mulher negra a ganhar a indicação democrata para governadora. Perdeu em uma disputa acirrada para o republicano Brian Kemp, em meio a alegações de que os partidários dele tomaram medidas para suprimir o voto negro. De acordo com uma investigação da Associated Press na véspera da eleição, Kemp, então secretário de Estado da Geórgia, cancelou em massa mais de um milhão de registros de eleitores entre 2012 e 2018, e congelou outros cerca de 53 mil registros durante a disputa governamental, a maioria deles pertencentes a eleitores negros.
"Eu meditei por dez dias. Então comecei a conspirar", disse Abrams à Vogue, depois de perder 55 mil votos naquela eleição .
Desde sua derrota para Kemp, Abrams ajudou a registrar cerca de 800 mil novos eleitores e lutou contra as regras de “correspondência exata”, usadas para desqualificar as cédulas por erros de digitação e pequenos erros. A líder política não estava sozinha nesse esforço, juntando-se a uma coalizão que incluía grupos de direitos ao voto como o ProGeorgia , a Coalizão da Geórgia pela Agenda do Povo e o Projeto Nova Geórgia.
Mas Abrams, uma poderosa oradora pública, tornou-se a cara desse esforço. Como a Vogue notou em um perfil da advogada em 2019: “Ela inspirou 1,2 milhão de democratas negros na Geórgia a votarem nela (mais do que o número total de votos obtidos pelos democratas para governador em 2014)” e “ganhou a maior porcentagem de democratas brancos eleitores do estado em uma geração”.
Alguns dos apoiadores do presidente Trump , liderados pelo colaborador da Fox News, Byron York, porém, criticaram Abrams por sua recusa em conceder formalmente, reconhecendo a derrota, na eleição de 2018. O argumento era o de que seu comportamento criou um precedente para a recusa de Trump em aceitar os resultados em 2020.
"À luz da guinada de Biden na Geórgia , muitos democratas elogiaram Stacey Abrams. Na verdade, sua conduta na corrida para governador em 2018 poderia se tornar um modelo para a postura pós-eleitoral de Trump", escreveu York.
Mas há diferenças críticas. Abrams nunca cedeu, mas fez um discurso anunciando o fim de sua campanha. Depois seguiu em frente, concluindo: "a democracia falhou com os georgianos".