Rafael Lozano insiste que a mensagem importante aqui é: vidas podem ser salvas
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O renomado médico mexicano é diretor de sistemas de saúde do Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME, na sigla em inglês) da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, autor de um modelo que prediz como será a propagação da covid-19 em diversos países do mundo.
No fim de junho, foram acrescentados três cenários possíveis ao modelo matemático, que é uma das referências utilizadas pela Casa Branca para tomar decisões e traçar estratégias.
Os cenários levam em conta medidas adotadas por países ou regiões para projetar quantas pessoas serão infectadas ou morrerão da doença causada pelo novo coronavírus em 1º de outubro.
"Mais do que contar mortos, os cenários buscam quantificar quantas vidas podem ser salvas. Isso muda muito a mensagem", afirma Lozano à BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC) por videochamada desde a cidade americana de Seattle.
A insistência de Lozano no enfoque otimista faz sentido. Em junho, América Latina e Caribe se tornaram o novo epicentro da pandemia, depois de China, Europa e EUA ocuparem esse posto.
Nos últimos 14 dias, o Brasil e outros países do subcontinente americano somaram 872 mil casos novos, pouco mais de um terço do total global (2,6 milhões), segundo dados do Centro Europeu de Controle e Prevenção de Doenças.
Se formos considerar as mortes por covid-19 registradas no fim de junho, morriam cerca de 5 mil pessoas no mundo por dia. A cada 10 mortes, 2 ocorriam no Brasil e 3 em outros países da América Latina e do Caribe.
Segundo cálculos do IHME, em 1º de outubro, a América Latina e o Caribe (contando o Caribe inglês) somarão 438 mil mortes.
Mais especificamente, o Brasil deve superar 166 mil mortes e o México 88 mil, enquanto outros seis países ultrapassarão a barreira das 10 mil mortes: Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Guatemala e Peru.
E esses números nem são os projetados pelo cenário mais fatalista.
O modelo
O IHME não é o primeiro nem o único instituto medindo o curso da pandemia de covid-19 a partir do número de pessoas suscetíveis à doença, daquelas expostas ao vírus, de infectados e de recuperados.
Mas a equipe do instituto vai além e está em contato com governos da Colômbia, do Peru , do Brasil , do Chile e dos EUA, entre outros tomadores de decisão.
"A grande vantagem do modelo que estamos usando é que nos baseamos em uma série de variáveis que ajudam não apenas a estabelecer dados concretos como também em que momento haverá uma demanda maior por leitos hospitalares", diz Lozano.
Para isso, são levados em consideração "elementos como o número de pessoas que circulam pelas ruas, quando as normas de distanciamento social entraram em vigor e o grau de aceitação destas normas, ou que proporção da população usa máscara."
Além disso, leva em consideração outros determinantes "menos tradicionais" entre modelos matemáticos, segundo ele, como densidade demográfica, perfis de mortalidade no país ou padrões sazonais de pneumonia — que atualmente estão no auge no hemisfério Sul.
Mas talvez o mais interessante seja como seu gráfico interativo simplesmente mostra o efeito que diferentes decisões políticas e individuais têm na trajetória da pandemia.
Os 3 cenários
Lozano explica que, ao construir o modelo matemático, conversaram com governantes, equipes técnicas e encarregados de setores de saúde pública das partes mais distintas do mundo.
"Primeiro, eles queriam saber em que momento haverá uma pressão maior por leitos", conta Lozano, tanto gerais quanto em unidades de terapia intensiva (UTI), e também por respiradores artificiais.
Depois, segundo Lozano, os países queriam entender quando é o momento de sair da mitigação da pandemia, do distanciamento social severo.
"E agora, estamos com o debate entre não fazer nada ou forçar muito a abertura, e é sempre bom para o político e a população em geral ter em vista esses cenários."
O primeiro cenário é o "pessimista". Ele supõe que as medidas de quarentena (obrigação de ficar em casa, fechamento de escolas e serviços não essenciais, proibição de eventos coletivos etc.) vão se flexibilizando de forma contínua e constante.
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Segundo Lozano, "se as medidas preventivas forem flexibilizadas, estimamos para a região da América Latina e do Caribe que haverá cerca de 900 mil mortes em 1º de outubro".
"Não há governo que possa aceitar esse tipo de cenário, mas não mostrá-lo é deixar de informar", afirma o pesquisador.
Nos outros dois cenários, as projeções também se baseiam na ideia de que as medidas vão sendo relaxadas, mas aqui, se a taxa diária de mortes atinge a marca de 8 por 1 milhão de habitantes, o país volta a impor medidas de restrição de circulação por seis semanas.
A diferença desses dois cenários está na utilização ou não de máscaras.
Na projeção que o IHME chama de "tendência atual", a população não usa máscaras de forma abrangente. Mesmo assim, como resultado, a estimativa de mortes por covid-19 para toda a região passa a ser 438 mil em 1º de outubro.
No terceiro cenário, em que, além da volta de medidas de distanciamento , o uso de máscara passa a ser generalizado, as mortes cairiam para 389 mil.
"É uma ação que mistura a responsabilidade dos indivíduos, toda vez que saímos para as ruas, com a dos governantes, que são os que estão gerando essas válvulas de escape para reabrir a economia", diz Lozano.
Quais são as projeções para o Brasil?
O modelo matemático da Universidade de Washington aponta três perspectivas para o Brasil.
No cenário "pessimista", em que a flexibilização do distanciamento social segue em frente mesmo quando a situação se agrava, o país atingiria a marca de 4,5 mil mortes por dia em 7 de setembro. Em comparação, o Brasil registra em 7 de julho uma média de quase mil mortes por dia.
No cenário considerado como "tendência atual", o país estaria em torno do patamar de 900 mortes por dia. E caso haja uma adoção abrangente de máscaras pela população, haveria cerca de 760 mortes por dia.
Em números absolutos, o modelo prevê 340 mil mortes no pior cenário, 166 mil na perspectiva de abre e fecha e 147 mil com uso abrangente de máscaras.
A Universidade de Washington também estima que, por causa da subnotificação, o número de casos novos diários de covid-19 é seis vezes maior que o oficial. Ou seja, segundo o modelo, 250 mil pessoas contraem atualmente o vírus no país por dia. Em comparação, os dados oficiais indicam uma média de 40 mil casos por dia.
Daqui a um mês, seriam 900 mil no pior cenário, cerca de 110 mil na tendência atual e quase 100 mil com uso abrangente de máscara.
O caso do Equador
Ao analisar os gráficos, os cenários parecem não oferecer soluções simples para os governos da região.
O exemplo mais dramático é o do Equador, onde o IHME projeta uma segunda onda a partir de agosto.
Segundo o modelo, se as medidas de flexibilização avançarem sem qualquer recuo, o país sul-americano passará das 4.781 mortes registradas em 6 de julho para mais de 21,3 mil em 1º de outubro. No cenário em que o distanciamento é readotado, morreriam 20,2 mil. Na projeção que considera uso abrangente de máscaras, as mortes totalizariam 19,5 mil.
"A epidemia no Equador é completamente diferente da epidemia no Brasil, no México e na Colômbia. É muito parecida com a europeia. Teve seu crescimento nos meses de março e abril e depois um platô por muitos meses", explica Lozano.
Segundo ele, a pequena diferença entre os três cenários do Equador mostram que quando os níveis de propagação do vírus são muito elevados, as intervenções perdem sua eficácia.
Os bem-sucedidos Paraguai e Uruguai
Por outro lado, as projeções preveem um crescimento considerável de infecções e mortes em países que têm sido elogiados mundialmente por suas exitosas estratégias de contenção do coronavírus.
É o caso do Paraguai, que em 6 de julho tinha 20 mortes pela covid-19 e pode ter 271 mortes em 1º de outubro, segundo o IHME. Nos mesmos três meses, o Uruguai passaria de 28 para 340 mortes.
Em relação a esses dois países, Lozano afirma que a explicação dos números está na sazonalidade e na prevalência de pneumonias . "O inverno no Sul é dentro e fora de casa, e não apenas fora, como acontece nos países europeus. Isso faz uma enorme diferença."
Segundo Lozano, do IHME, "a narrativa sobre a pandemia deve começar em busca de esperança, de saídas".
Para isso, ele acredita que é importante fornecer dados que permitam aos governos tomar medidas fundamentadas, mas também que as pessoas possam avaliar e decidir se devem ou não visitar seus avós ou encontrar seus amigos.
Descobrir qual é a prevalência de casos na área, se a reunião ocorrerá em um espaço aberto ou fechado e quanto tempo durará, por exemplo, "permite que um comportamento mais colaborativo reduza a propagação do vírus ", defende o médico mexicano.
"O que precisamos é melhorar nossos indicadores para que as pessoas possam avaliar a situação dia a dia e se sentirem confiantes em sair."
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