A pandemia de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus
, provocou uma explosão na procura por bunkers nos Estados Unidos. Geralmente associados a milionários ou aos chamados preppers
, que se preparam para o apocalipse, esses abrigos subterrâneos têm atraído uma clientela variada, assustada com a crise e temerosa de que a situação possa se agravar no futuro.
Empresas ao redor do país relatam que o número de pedidos aumentou tanto nos últimos meses que tem sido difícil atender à demanda.
“Ao longo dos últimos dez anos, houve algumas catástrofes que geraram muita procura”, diz à BBC News Brasil o proprietário da empresa Survival Condo, Larry Hall, citando como exemplos o terremoto e tsunami que atingiram o Japão em 2011, o asteroide que caiu na Rússia em 2013 ou o medo da epidemia de ebola no meio da década.
“Mas este é o maior aumento que já vimos”, afirma Hall. “Com a Covid-19 , houve aumento de cerca de 800% (na procura).”
O objetivo de quem busca esses abrigos é garantir um local seguro para sobreviver a possíveis catástrofes, sejam terremotos, ataques nucleares, desastres naturais ou outras calamidades que possam desencadear instabilidade política, colapso econômico, saques e caos generalizado.
Apesar de várias empresas do ramo anunciarem que seus sistemas de filtragem de ar são eficazes contra o coronavírus, não é possível garantir que uma pessoa não será infectada ao entrar em contato com outras pessoas ou superfícies contaminadas dentro das instalações.
“Os bunkers não protegem contra a pandemia . Você tem o mesmo nível de proteção do que em sua sala de estar”, diz à BBC News Brasil o proprietário da empresa Hardened Structures, Brian Camden.
Mas, segundo Camden e outros empresários do setor, a pandemia alterou a percepção das pessoas sobre o risco de distúrbio civis.
“As pessoas estão preocupadas é com o depois, com os eventos que podem se seguir a uma pandemia. Com a possibilidade de quebra da ordem, escassez de alimentos, de mantimentos, de água, coisas do tipo”, afirma.
Clientela
Camden diz que, antes da pandemia, sua empresa, localizada no Estado da Virginia, recebia entre 20 e 30 ligações por semana. Agora, são mais de 50, e ele teve de parar de aceitar novos projetos.
Segundo o empresário, muitos clientes estão preocupados com as divisões no país. “Parece haver uma grande separação entre os ricos e os pobres. E a maioria dos meus clientes são os ricos, e eles querem se proteger”, afirma Camden.
Sua clientela é formada por profissionais liberais, médicos , atletas e políticos, interessados em bunkers construídos embaixo de casas fortificadas, cujos preços podem chegar a centenas de milhares de dólares dependendo do tamanho, das condições do terreno e das exigências de privacidade.
Detalhes como a espessura das paredes de concreto armado, o sistema de filtragem de ar e proteção contra pulsos eletromagnéticos, dispersão química, biológica e radiológica afetam o custo, assim como o número de pessoas e quanto tempo pretendem passar no bunker.
Mas não são apenas os milionários que estão investindo em bunkers. Esse mercado inclui desde estruturas básicas feitas de aço ou concreto e com espaço limitado até apartamentos subterrâneos amplos e luxuosos que podem custar vários milhões de dólares.
“A maioria dos meus clientes não é o que eu chamaria de megarrico”, diz à BBC News Brasil o proprietário da Northeast Bunkers, Frank Woodworth, que afirma ter observado um grande aumento na demanda desde o início do ano.
Os modelos construídos pela empresa de Woodworth, localizada no Estado do Maine, custam a partir de US$ 29 mil dólares (cerca de R$ 155 mil) por uma estrutura cilíndrica de aço, com piso de madeira e escada de acesso, 2,5 metros de diâmetro e 4 metros de comprimento. O preço aumenta com a inclusão de sistema de água potável, banheiro, cozinha, porta blindada e outros detalhes.
Comunidade
Enquanto alguns se preparam para enfrentar uma possível catástrofe sozinhos com suas famílias em um bunker, outros acreditam ser importante ter ajuda de uma comunidade para sobreviver.
O grupo Vivos, uma rede global de abrigos subterrâneos com unidades nos Estados Unidos e na Europa, registrou, no último ano, aumento de mais de 1.000% nos pedidos de informações e de mais de 400% nas vendas.
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O fundador e CEO da empresa, Robert Vicino, diz à BBC News Brasil que o perfil da clientela não mudou com a pandemia. “Mas a motivação sim, à medida que estão vendo a sociedade e sua segurança desmoronando”, afirma.
“Como resultado da atual ameaça do coronavírus e das possíveis consequências, a demanda cresceu exponencialmente, com as pessoas pedindo informação não mais como curiosidade, mas prontas para garantir uma vaga enquanto podem.”
Segundo Vicino, sua empresa tem tanto clientes de classe média quanto de alto patrimônio e oferece várias opções de bunkers em diferentes configurações e faixas de preço.
“Nossos membros não são preppers nem pertencem ao 1% da elite econômica”, diz à BBC News Brasil o arquiteto Dante Vicino. “São pessoas comuns, informadas sobre eventos globais e com um senso de responsabilidade, sabendo que devem proteger suas famílias nesses tempos potencialmente épicos e catastróficos.”
Uma das propriedades do grupo é a Vivos xPoint, um antigo conjunto de abrigos subterrâneos construídos pelo Exército americano durante a Segunda Guerra Mundial para guardar munição. Localizado no Estado de Dakota do Sul, o complexo tem 575 bunkers privados, cada um com 205 m², e pode acomodar mais de 5 mil pessoas.
Nessa comunidade, um bunker básico, de concreto, sai por US$ 35 mil (cerca de R$ 187 mil). Os proprietários podem equipar os abrigos e incluir as modificações que quiserem. Segundo Vicino, várias famílias já estão se mudando para o Vivos xPoint e usando seus bunkers como residência.
No Estado de Indiana, a empresa transformou um antigo bunker construído durante a Guerra Fria para resistir a ataques nucleares em uma mansão subterrânea que pode abrigar 80 pessoas.
Luxo
De acordo com Vicino, todos os abrigos do grupo foram construídos para durar centenas de anos e resistir a explosões nucleares e são equipados e abastecidos para funcionar por pelo menos um ano de maneira autônoma, sem necessidade de os moradores voltarem à superfície. As instalações resistem a agentes químicos e biológicos, terremotos, pulso eletromagnético, inundações e qualquer tipo de ataque armado.
Para os clientes em busca de uma experiência mais luxuosa, a empresa oferece o Vivos Europa One, localizado na Alemanha e descrito como “uma Arca de Noé moderna”. O complexo, construído pelos soviéticos durante a Guerra Fria para abrigar equipamento militar, oferece 34 apartamentos privados com preços a partir de US$ 2 milhões (cerca de R$ 10 milhões).
São 232 m² de área privada para cada família, com a possibilidade de adicionar um segundo andar. Cada comprador escolhe o modelo do projeto e os detalhes que quer incluir em seu apartamento, como academia, bar ou piscina. “Como se fosse um iate de luxo”, sugere a empresa.
O Survival Condo, bunker operado por Larry Hall, também atrai clientes milionários. Instalado em um silo construído pela Força Aérea americana na década de 1960 para abrigar um míssil balístico intercontinental capaz de carregar armas nucleares, o local é um prédio subterrâneo de 15 andares, transformado em condomínio de luxo com 14 apartamentos.
O empreendimento fica na zona rural do Kansas, mas sua localização exata é mantida em segredo. O apartamento mais barato, de 85 m², dois quartos e capacidade para no máximo cinco pessoas, custa a partir de US$ 1,2 milhão (cerca de R$ 6 milhões). Uma unidade de 335 m² tem preço inicial de US$ 4,5 milhões (cerca de R$ 24 milhões). A empresa não aceita financiamento.
Todos os apartamentos têm sala de estar, banheiro, cozinha, TV, lavadora e secadora de roupas e “janelas” que mostram paisagens projetadas em uma tela, para o morador esquecer que está embaixo da terra e saber se é dia ou noite, com a opção de vídeos ao vivo da rua.
O bunker foi construído para resistir a um ataque nuclear e é guardado por seguranças armados. Com uma porta de entrada de 15 toneladas e paredes de quase três metros de espessura, é equipado com sistema de filtragem de água e de ar e tem infraestrutura de energia e alimentação para abrigar 75 pessoas por um período de até cinco anos, em um ambiente de luxo autossuficiente e completamente isolado do resto do mundo.
Mas, assim como Vicino, Hall diz que o objetivo é garantir não apenas a segurança física dos moradores, mas também o bem estar psicológico. As áreas comuns incluem piscina, spa, sauna, academia, cinema, parede de escalada, bar, biblioteca, sala de aula, sala de jogos, clínica médica e dentária.
Pets são bem-vindos, desde que não sejam agressivos. Há produção de alimentos orgânicos por hidroponia e aquicultura e até um “mercado”, onde os moradores podem buscar produtos como enlatados — sem necessidade de pagar, já que o preço das unidades incluir um estoque de comida por cinco anos para cada pessoa.
Quarentena
Segundo Hall, no início da pandemia, muitos proprietários, especialmente aqueles com crianças pequenas, decidiram passar o período de quarentena no bunker. Apesar do salto na demanda, o empresário diz que o perfil de sua clientela não mudou. “São pessoas bem-sucedidas, muitos médicos, advogados, empresários, profissionais que têm filhos”, afirma.
Hall diz que tem clientes de todas as partes do mundo e, desde o início da pandemia, recebeu ligações de pelo menos três brasileiros interessados no bunker. Até agora, nenhum fechou o negócio.
O empresário conta que houve casos recentes de clientes que fecharam a compra em quatro dias, sem nem mesmo visitar as instalações pessoalmente, apenas com um tour virtual. Para ser aceito, é preciso não apenas comprovar recursos financeiros para pagar à vista, mas também passar por checagem de antecedentes criminais.
Com o sucesso da empreitada, Hall está construindo um segundo bunker em outro silo, também no Kansas — há no país 72 dessas instalações, construídas pelo governo americano durante a Guerra Fria para abrigar mísseis Atlas F. O empresário diz que está em negociação com um comprador que pretende adquirir o complexo inteiro, com 24 apartamentos.
Hall diz que a pandemia mudou a maneira como muitos encaram a ideia de adquirir um abrigo subterrâneo como proteção em caso de catástrofe. “Muita gente costumava zombar, dizer ‘você está sendo paranoico’, esse tipo de coisa. Mas, com a pandemia , começaram a levar a sério”.
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