Após três anos e meio de um debate que dividiu o Reino Unido , finalmente chegou o grande dia. Uma jornada melancólica para muitos, mas que era aguardada com ansiedade por uma parcela significativa da população - 17,4 milhões dos 66 milhões de britânicos, segundo o plebiscito do Brexit .
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A partir das 23h (20h em Brasília) desta sexta-feira (31), a segunda maior economia da União Europeia não será mais considerada um Estado-membro do mais bem-sucedido projeto de integração política, social e econômica do mundo.
O Brexit determina o fim de uma união de 47 anos que jamais foi plena: ao contrário de outros 19 países da UE , a "ilha rebelde" nunca quis adotar o euro, e o sentimento europeísta entre os britânicos raramente foi majoritário.
"Uma vez que sairmos, não voltaremos nunca mais à União Europeia", afirmou o eurodeputado (até as 23h desta sexta) Nigel Farage, que liderou a campanha pelo Brexit em 2016, ao lado do atual primeiro-ministro Boris Johnson .
Em Londres , um homem levou ao extremo esse sentimento eurocético e incendiou uma bandeira da UE, enquanto era filmado por outros "brexiteers". Recém-empossada presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen disse que os três anos e meio de discussões serviram para mostrar a "importância da união". "Hoje abrimos um novo capítulo, é a história de velhos amigos e novos inícios", declarou.
Rompimento
O Brexit foi aprovado em um plebiscito realizado em 23 de junho de 2016, por um placar de 51,89% a 48,11%.
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Os eurocéticos, liderados por Johnson e Farage, desejavam retomar a plena autonomia do Reino Unido e restringir o fluxo de migrantes, enquanto os europeístas alegam que o Brexit foi fruto de uma ampla campanha de desinformação e notícias falsas.
Após a vitória dos eurocéticos, o premier que havia convocado a consulta, David Cameron, renunciou, dando lugar a Theresa May, que passou mais de dois anos negociando com a UE, porém sem conseguir aprovar seu acordo no Parlamento.
Após sua renúncia, em junho passado, Johnson negociou um novo pacto, mas também parou na resistência da Câmara dos Comuns. No entanto, em troca de adiar o Brexit para 31 de janeiro, convocou eleições antecipadas, que lhe dariam uma vitória esmagadora. Com uma nova maioria na Câmara, o premier não teve dificuldades para aprovar o acordo final.
Mudanças
Inicialmente, pouca coisa mudará na vida do Reino Unido, já que o acordo prevê um período de transição até 31 de dezembro de 2020.
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Até lá, o país continuará aplicando as normas europeias e contribuindo para o orçamento do bloco, ainda que não tenha mais representantes nas instituições comunitárias nem seja considerado um Estado-membro.
Os 73 assentos britânicos no Parlamento Europeu serão redistribuídos entre os outros países (27) ou reservados a futuros sócios nos Bálcãs (46) - Albânia e Macedônia do Norte negociam sua adesão.
Já os cidadãos europeus registrados como residentes no Reino Unido até 30 de junho de 2021 manterão todos os direitos atuais - e vice-versa. Nas próximas semanas, Londres e Bruxelas voltarão à mesa de negociações, mas desta vez para discutir os termos de um futuro acordo de livre comércio.
"Queremos a melhor parceria possível com o Reino Unido, mas não será bom como ser um membro. A experiência nos mostra que a força não está no esplêndido isolamento, mas em nossa união", disse Von der Leyen. Para os europeístas, a integração é a única forma de a Europa fazer frente às grandes potências mundiais: Estados Unidos, Rússia e China.
Separatismo
Por outro lado, a efetivação do Brexit deve dar combustível aos sentimentos separatistas no reino, especialmente na Escócia, que votou em peso pela permanência na UE no plebiscito de 2016 e elegeu uma grande bancada nacionalista no pleito legislativo de dezembro passado.
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"É um momento de profunda tristeza para muitas pessoas no Reino Unido", disse a primeira ministra escocesa, Nicola Sturgeon, líder do maior partido separatista local, em um discurso em Edimburgo. "Temos um mandato dos eleitores e do Parlamento escocês para um plebiscito [de independência], agora nossa tarefa é persuadir a maioria do povo a aprová-la", acrescentou.
No plebiscito de 2014, 55,3% dos eleitores votaram pela permanência da Escócia no Reino Unido.
O acordo
O acordo do Brexit mantém o Reino Unido sob regras europeias até o fim de 2020. Após a transição, a ilha da Grã-Bretanha sairá da UE e da união aduaneira, mas a Irlanda do Norte terá uma espécie de status duplo.
Por um lado, Belfast permanecerá no território aduaneiro do Reino Unido e será incluída em qualquer futuro acordo comercial fechado por Londres. Por outro, será um ponto de entrada para a zona aduaneira europeia.
Ou seja, o governo do Reino Unido aplicará, em nome da UE, tarifas europeias sobre produtos estrangeiros que arrisquem entrar na República da Irlanda e, por consequência, no mercado comum do bloco. Não haverá aduanas na ilha, e todos os controles alfandegários serão feitos nos portos.
Além disso, a Irlanda do Norte continuará alinhada a um número limitado de regras europeias, inclusive no aspecto sanitário. Esse sistema vigorará até 31 de dezembro de 2024, nos quatro anos após o período de transição.
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Ainda antes de 2025, a Assembleia da Irlanda do Norte decidirá por maioria simples se mantém ou não as regras da UE. O órgão poderá prorrogar o sistema vigente em votações a cada quatro ou oito anos, dependendo do percentual de aprovação. Se as regras europeias forem rejeitadas, elas deixarão de valer depois de dois anos.