Após 17 dias de espera, os 40 migrantes que ainda estavam a bordo do navio da ONG alemã Sea Watch desembarcaram na madrugada deste sábado (29) em Lampedusa, na Itália, depois de a comandante da embarcação, Carola Rackete, ter forçado a entrada no porto da ilha.
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O grupo, que inicialmente tinha 53 migrantes (13 desembarcaram antes por motivos médicos), foi resgatado a 47 milhas náuticas da Líbia em 12 de junho. Violando uma proibição imposta pelo ministro do Interior e vice-premier da Itália, Matteo Salvini, o navio entrou em águas territoriais italianas na última quarta-feira (26) e ficou três dias parado na entrada do porto de Lampedusa , sem ter aval para atracar.
Na madrugada deste sábado, no entanto, Rackete e a ONG decidiram furar o bloqueio e entrar no porto, espremendo contra o cais um barco da Guarda de Finanças italiana. Por conta disso, a capitã foi detida e colocada em prisão domiciliar, acusada de violência contra navio oficial, crime que prevê penas de três a 10 anos de cadeia.
Rackete já era investigada pelo Ministério Público de Agrigento por favorecimento à imigração clandestina, ao entrar sem autorização em águas italianas. "Estamos orgulhosos de nossa capitã, ela fez exatamente a coisa certa. Ela cumpriu as leis marítimas e trouxe as pessoas à segurança", disse o presidente da Sea Watch , Johannes Bayer.
Normas internacionais determinam que pessoas resgatadas no mar sejam levadas ao porto seguro mais próximo. Como a Líbia, de onde partiram os migrantes, não é considerada segura por ONGs, agências humanitárias e até pelo chanceler da Itália, Enzo Moavero, a Sea Watch decidiu navegar até Lampedusa, território mais próximo do local de salvamento.
"Não tínhamos escolha. Não foi dada nenhuma solução para a comandante, ela tinha a responsabilidade de salvar essas pessoas. A violação foi das autoridades, que não ajudaram o navio por 16 dias", declarou uma porta-voz da ONG.
Já Salvini acusou Rackete de ter um "comportamento criminoso" e de "colocar em risco a vida de agentes da Guarda de Finanças". Segundo o ministro, cinco países da União Europeia receberão os migrantes.
O navio da Sea Watch foi sequestrado, e a ONG será multada em 20 mil euros, com base em um novo decreto antimigrantes editado por Salvini.
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Apoio
Após a prisão de Rackete, prefeitos de importantes cidades italianas governadas pela centro-esquerda saíram em sua defesa. "Nápoles não é cúmplice do holocausto do terceiro milênio. Queremos testemunhar que o mar é o lugar onde se salvam pessoas", disse o prefeito da capital da Campânia, Luigi de Magistris.
Já o de Milão, Giuseppe Sala, declarou que Rackete "fez o que devia fazer e assumiu os riscos". "Ela fez isso para salvar vidas humanas", declarou. O navio da Sea Watch foi recebido em Lampedusa por dois grupos: um a favor e um contra. Neste último, algumas pessoas gritaram insultos e ameaças para a alemã, como "espero que te estuprem".
Países da UE cobram Itália por prisão de capitã
Representantes de países da União Europeia cobraram publicamente a Itália por causa da prisão de Carola Rackete.
Em seu perfil no Facebook, o ministro das Relações Exteriores de Luxemburgo, Jean Asselborn, publicou uma carta aberta ao chanceler da Itália, Enzo Moavero, pedindo a libertação da capitã alemã. "Salvar vidas humanas é um dever e jamais será delito ou crime. Ao contrário, não salvar é que é. Como em outras vezes, Luxemburgo permanecerá solidário à Itália no que diz respeito à repartição dos migrantes salvos pelas ONGs no Mediterrâneo", escreveu.
Já o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Mass, disse que salvar vidas é um "dever humanitário" e que o resgate de migrantes no mar "não pode ser criminalizado". "Cabe à Justiça italiana esclarecer as acusações", reforçou. Rackete também é investigada por favorecimento à imigração clandestina.
Por sua vez, o ministro do Interior da França, Christophe Castaner, afirmou que a decisão da Itália de fechar os portos para pessoas resgatadas no mar é uma "violação do direito internacional". Apesar disso, ele cobrou solidariedade dos Estados-membros da União Europeia.
Números
Uma comparação do último relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) com índices populacionais compilados pelo Banco Mundial mostra que a Itália é o 12º Estado-membro da União Europeia que mais abriga deslocados internacionais em termos relativos.
O país acolhe atualmente 294.867 refugiados e solicitantes de refúgio, o que equivale a 0,48% de sua população. Esse índice a deixa atrás de Suécia (2,84%), Malta (2,23%), Áustria (1,88%), Chipre (1,80%), Alemanha (1,73%), Grécia (1,27%), Dinamarca (0,68%), França (0,68%), Holanda (0,66%), Luxemburgo (0,59%) e Bélgica (0,54%).
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Apesar de ser uma grande porta de entrada para deslocados internacionais na UE, a Itália acaba servindo apenas de passagem para esses migrantes , que frequentemente tentam seguir viagem para o norte da Europa.