Estudo realizado pela Rede Escola Pública e Universidade afirma que o Novo Ensino Médio (NEM) implementado pioneiramente pelo estado de São Paulo aumentou desigualdades na rede, ampliando carga horário pela educação a distância, distribuindo desigualmente as oportunidades de escolha e padecendo de falta de professores, substituídos provisoriamente por aulas em vídeo.
"Analisamos a liberdade de escolha, a falta de professores e expansão de carga. Em todos os pontos, há aumento de desigualdade entre escolas", afirma Fernando Cássio, da Universidade Federal do ABC (UFABC), que assina o trabalho com Ana Paula Corti, do Instituto Federal de São Paulo, e Débora Goulart, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O coordenador do Novo Ensino Médio de São Paulo, Gustavo Mendonça, avaliou que a análise foi "enviesada".
No novo ensino médio, são 1,8 mil horas de formação básica (em todas as disciplinas) mais 1,2 mil horas de itinerários formativos, em que os estudantes supostamente poderão escolher entre disciplinas eletivas, aprofundamento de uma das áreas de conhecimento e Projeto de Vida, em que os professores trabalham as competências socioemocionais, de carreira e de mercado de trabalho.
De acordo com o estudo da Repu, até 2021, a carga horária do Ensino Médio diurno (matutino ou vespertino) na rede paulista, era realizada com sete aulas diárias de 45 minutos, somando 3.150 horas ao fim dos três anos. No noturno, eram cinco aulas diárias, o que dava o total de 2.250 horas. Neste ano, houve uma expansão de aulas, mas feita majoritariamente por educação à distância. Com isso, diz Cássio, os alunos que estudam à noite não têm três mil horas presenciais.
"O estado usa, para essa expansão de carga, a mesma ferramenta que usou na pandemia. Segundo o Tribunal de Contas, 80% dos alunos usaram essa plataforma apenas duas horas no ano inteiro. Isso é uma expansão para inglês ver", afirma o pesquisador.
Ainda de acordo com o estudo, professores de 28 escolas distribuídas pelo estado afirmaram que estudantes, do diurno e do noturno, também não acessam as atividades à distancia neste ano.
"Eles estão usando a mesma estratégia do ensino emergencial remoto no regular. Para os mais pobres da rede, há os mesmos problemas que conhecemos na pandemia, não tem computador para acesso, apenas um celular, nem um espaço adequado para estudar", analisa.
Mas de acordo com o representante do governo do estado, a estratégia adotada foi tomada após “muita escuta”.
"Construímos no ano passado, muito a partir da escuta na rede, uma estratégia pra recuperar as aprendizagens com a expansão de carga horária no contraturno. A possibilidade de essas aulas serem ministradas pelo Centro de Mídias facilita pelo professor e aluno não precisarem estar na escola, e isso dá mais flexibilidade", explica Mendonça, que reconhece limitação física de escolas e de professores para uma expansão presencial.
O modelo do NEM é defendido como flexível e com potencial de aumentar o interesse dos jovens. Mas críticos afirmam que a redução dos conteúdos de formação geral é prejudicial, especialmente para os estudantes mais pobres. Eles alertam que estes não terão oferta adequada nos itinerários formativos na escola pública, como foi apontado na pesquisa da Repu.
Segundo o estudo, 37% das escolas estaduais paulistas passaram a oferecer neste ano apenas dois itinerários aos alunos, o que é o mínimo exigido. Dessas, 70% oferecem a mesma combinação, um itinerário de linguagem e ciências humanas e outro de matemática e ciências da natureza. Além disso, 23% das escolas têm três itinerários e outras 23% tem quatro.
O estudo também aponta que escolas em que estudante têm maior renda e pais mais escolarizados tendem a ter opções de itinerários. Gustavo Mendonça, no entanto, afirma que, apesar de os dados serem consistentes, o número de percursos formativos é relacionado com o tamanho da escola.
"Fizemos um esforço colossal para construir uma variedade grande de itinerários e temos mais de 30. No entanto, a definição de quantos cada escola terá é feito pela quantidade de turmas. Não posso ter uma escola de duas turmas com dez itinerários", diz o coordenador do ensino médio no estado. "Os estudantes terem duas opções é, de fato, ter o poder de escolha. Antes, não escolhia nada."
Falta de professores
A pesquisa também mostrou que 22% das turmas de itinerário formativos estão sem professor. Segundo Gustavo Mendonça, esse percentual já caiu para 17%. Enquanto não há titular para a disciplina, os alunos estudam com aulas gravadas. Segundo Fernando Cássio, o estado não tem concurso para novas contratações há quase dez anos, e neste segundo semestre, professores não poderão mais ser contratados, por conta da lei eleitoral.
De acordo com Mendonça, o governo do estado “trabalha diariamente para zerar” as vacâncias. O governador Rodrigo Garcia afirmou, em entrevista à TV Bandeirantes, que “é preciso olhar para o copo meio cheio” e argumentou que 78% delas têm profissionais dando aulas.
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